Vantagem – Final

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Temo que na FIA pareçam esquecer que a competição trata precisamente de estabelecer uma classificação dos participantes…

Do melhor para baixo!

Essa é a finalidade e grandeza da competição, de qualquer competição

Não há dois atletas ou pilotos iguais, assim como não há dois engenheiros iguais, portanto, e apesar de treinar da mesma forma ou de estudar os mesmos conceitos tecnológicos, tanto uns quanto outros também terminam se diferenciando e os melhores se destacam dos outros. A cerimônia do pódio precisamente celebra essa diferença, cobrindo de glória os vencedores e exaltando a admiração que suscitam por sua excelência.

Apesar de tanto empenho nessa suposta “nivelação”, as diferenças de rendimento entre as equipes têm continuado a ser notáveis. Isso fica claro vendo o acontecido nos últimos vinte cinco anos de competição, que coincidem com um período de profusas mudanças no regulamento que, supostamente, tinham o propósito de “nivelar” os participantes, como estritas normas referentes aos motores, chassi ou pneus de um só fornecedor.

Assim, nestes 25 campeonatos de construtores (incluo o deste ano que parece já estar no bolso da Red-Bull) fomos testemunhas dos mais prolongados domínios da história da categoria, com a Ferrari obtendo 8 títulos, 6 deles consecutivos de 1999 a 2004, 2007 e 2008; outros 8 títulos para a Mercedes, todos consecutivos de 2014 a 2021 e 6 títulos para a Red-Bull, de 2010 a 2013 e de 2021 a 2023… Até o momento.

O pior é que isto pode levar a pensar que os pilotos foram mais do que nunca uns meros instrumentos nas mãos dos engenheiros, quem com seus méritos e bom trabalho, lhes proporcionavam carros dominadores… Ano após ano.

Deste modo, creio que não podemos ser tão ingênuos até o ponto de pensar que a FIA promulgou todas essas mudanças de regulamento pensando no esporte, pelo menos não só nele. A categoria também compete com outros entretenimentos por conseguir audiência e está se atrai com uma competição mais acirrada entre os participantes que empolgue e cative o espectador, pois mais audiência significa mais dinheiro para todos.

Bom exemplo e prova da desesperada busca dessa audiência por parte da FIA foi a inclusão do famigerado DRS no regulamento. Parecem ter pensado que como a gente se queixava da falta de ultrapassagens… Demos-lhes ultrapassagens!

Outro desses estapafúrdios regulamentos é o que permite que, durante a presença do Safety Car em pista, os pilotos se agrupem atrás dele, inclusive permitindo aos retardatários a recuperação de voltas perdidas.

Deste modo, se castiga aqueles pilotos que mercê ao seu melhor desempenho e que até tenham assumido mais riscos para estar na frente, vejam como são privados do fruto do seu esforço e arrojo.

Em ambos os casos a FIA não teve, nenhum escrúpulo em promulgar uma norma que contraria o tão badalado “espírito do esporte” e o básico fundamento da igualdade de condições. Eu não sei de nenhuma outra competição onde a regulamento conceda vantagem a um contendedor sobre outro!

Em ambos os casos, a FIA acabou sucumbindo à tentação e tomou o caminho mais fácil sem se importar com as repercussões esportivas nem com os valores que se pretendem promover com o esporte, subordinando tudo às audiências. Quer dizer… Ao dinheiro.

 

Se tudo isso não bastasse, a FIA também terminou implantando o tal “Budget Cap” ou Limite Orçamentário. Uma vez mais a medida foi apresentada como a panaceia que igualaria as condições dos participantes, promovendo uma maior competição entre eles. Porem, e também uma vez mais, com este limite se atenta contra o “espírito do esporte” e a busca da excelência, seja esta pelos meios que cada participante tenha ao seu alcance. Assim, o tal limite já existia, pois cada equipe já gastava tudo o que tinha… Até seu próprio limite.

Assim, me parece simplista dizer que as equipes que gastam mais são as que ganham mais, quando todo esse desenvolvimento depende em boa medida dos recursos que se dediquem a esse propósito, pois nem sempre é assim e aqui vale lembrar que equipes como a Toyota ou a Honda, que na época eram das escuderias com maior orçamento da categoria… Pouco conseguiam.

Portanto, e ainda admitindo que as melhores equipes sejam as que mais dinheiro investem, e disso decorre seu maior desenvolvimento, limitando (de fato reduzindo) esse investimento estaremos também limitando seu desenvolvimento e o da própria categoria em geral ao condicionar a constante busca da excelência técnica a uns determinados e limitados recursos.

Não devemos esquecer que essa implacável busca de excelência é precisamente o que se apresenta como a característica mais destacável e razão de ser da Formula 1.

 

Estabelecendo um limite aos recursos disponíveis, se está limitando o desenvolvimento tecnológico na medida desses mesmos recursos, chegando ao absurdo de que alguma inovação que pudesse se tornar realidade num momento determinado se dilatará no tempo mais do necessário, constringida pelos recursos que as equipes podem gastar. Assim, rebaixar as melhores equipes ao nível das piores me perece contrário a essa excelência e é, uma vez mais, sucumbir à tentação de “tomar o caminho mais fácil”.

 

A alternativa ainda é pior, pois quando alguma equipe que esteja perto de terminar o desenvolvimento de algum item ou tecnologia que lhe possa dar vantagem sobre as outras, mas tenha gastado já o dinheiro disponível estabelecido no regulamento, é possível que trate de burlar o tal limite orçamentário, em vez de esperar até poder gastar mais. Assim, o tal limite se converte num convite à fraude!

Como disse Theodore Maiman, o pai do LASER:

“Quando a ciência chega ao ponto de poder fazer algo… Nada impede que se faça!

A experiência nos diz que o conceito da vantagem na competição é algo que sempre suscita controvérsia. Porém, não se deveria de esquecer que as vitórias, qualquer vitória, provém de alguma vantagem e todos os competidores, seja no esporte que seja, tratam de chegar à tão ansiada excelência e conseguir alguma vantagem já desde antes do momento de entrar no campo, quadra, ringue ou pista, seja por meio de um treinamento intensivo, da constante preparação, de uma melhor assessoria… Ou de uma maior capacidade para angariar fundos.

Na Fórmula 1 as coisas não são diferentes nesse aspecto, mas sim no que se refere à inovação e desenvolvimento técnico de novas tecnologias, ou simplesmente no aprimoramento das já existentes, de modo que a finalidade é sempre a mesma: conseguir alguma vantagem sobre os outros competidores. Assim, a igualdade de oportunidades não tem necessariamente que levar à igualdade de resultados… E não leva!

A implantação dos motores turbo-híbridos em 2014 é um bom exemplo do que um regulamento “igualitarista” pode provocar efeitos até contrários aos buscados. Sabendo de sua implantação, os diferentes fabricantes se lançaram a construir seus motores quando não havia nenhum limite orçamentário, portanto é lógico pensar que todos gastaram tudo o que estimaram necessário para conseguir o melhor propulsor possível. No entanto, a Mercedes pegou a todos por surpresa com seu motor, que resultou muito superior aos outros.

Pois bem, como o regulamento estabelecia restrições draconianas no desenvolvimento dos motores, a Mercedes desfrutou de sua vantagem durante várias temporadas. Em outras palavras: as limitações no desenvolvimento que impunha o regulamento resultaram em detrimento da competição, e o regulamento terminou sendo o melhor “aliado” da Mercedes no seu longo domínio.

Do mesmo modo, isto pode acontecer com o tal limite orçamentário, se este chega a impedir que umas equipes possam tentar reduzir sua desvantagem com respeito a outras… Mediante um maior investimento. Não cabe dúvida de que a Mercedes fez um bom trabalho com seu motor, mas privar as outras de fazer o mesmo com todos os meios que pudessem conseguir com seu dinheiro foi em contra da essência da Formula um, pois no fim o que importa é o avanço que se obtenha no desenvolvimento e busca de excelência tecnológica, algo que termina beneficiando a todos, dentro e fora das pistas.

Em definitivo, falar de “vantagem” no esporte e na Formula 1 em particular, sempre resulta controvertido, pois é difícil fugir das paixões que a todos nos suscita a competição. Porém, seria aconselhável que não deixássemos que essa paixão, como no caso de Pistorius, terminasse por adquirir um protagonismo maior que o da lógica e o bom senso, e assumindo que as vitórias sempre derivam de alguma vantagem, por mínima ou circunstancial que esta seja.

Assim, apesar de normalmente atribuirmos o estatuto de “melhor” a um atleta ou piloto/equipe porque ganha, ganha mesmo porque é o melhor, pois ser o melhor é uma boa vantagem.

Um abraço e sejam bons.

Manuel Blanco

 

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

9 Comments

  1. wladimir duarte sales disse:

    “Gostava de música americana,
    ia pro baile dançar todo fim de semana.

    Manuel, foi pro céu,
    Manueel, foi pro céu…”

    Não resisti à citação, embora acho que a única relação é o homônimo na música.
    Mais uma vez se superou depois das obras primas “Sonhos frustrados”, “Ridículos 6 centímetros” e “O carro bom demais”. Parabéns.

  2. wladimir disse:

    “Gostava de música americana,
    ia pro baile dançar todo fim de semana.

    Manuel, foi pro céu,
    Manueel, foi pro céu…”

    Não resisti à citação, embora acho que a única relação é o homônimo na música.
    Mais uma vez se superou depois das obras primas “Sonhos frustrados”, “Ridículos 6 centímetros” e “O carro bom demais”. Parabéns.

  3. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    sublime a sua coluna “Vantagem ” parte final … e assino embaixo o que disse o Marcio Madeira …
    mas não sei por que me vejo tentado a te questionar uma coisa:
    Será que o Massa vai conseguir nos tribunais o titulo de 2008? Afinal o regulamento não foi respeitado e o Singapura Race deveria ter sido cancelado.
    E agora outra pergunta: Será que que se Massa for feliz nesta investida, o titulo de 2021 do Vertappen também vai ser cancelado? Pois mesmo por motivos diferentes, o regulamento não foi cumprido como deveria ter sido.

    Como o assunto é regulamento …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • manuel disse:

      Oi Fernando,

      O histórico de atuações da FIA não deixa muitas esperanças respeito a mudanças de resultados.
      Alem do mais, os campeonatos decididos de maneira irregular são já tantos que, se um deles é alterado… Temo que haveria uma reação em cadeia que à FIA não lhe interessa.
      Como diz um ditado espanhol: “ Quanto mais se mexe na merda… Pior cheira ! “

      • Fernando Marques disse:

        Pra que então o Felipe Massa vai gastar tanto dinheiro pra isso?

        Fernando Marques

        • Tenho tentado me colocar no lugar dele, Fernando.
          Com fundamentos ou não, Massa certamente se sente injustiçado, e essa é uma das piores sensações que alguém pode experimentar.
          Além do mais, imagino a quantidade de pessoas à sua volta que devem bater na tecla de que ele deveria fazer algo a respeito, de que deixou de ganhar muito dinheiro com a perda do título, e por aí vai.
          No fim, é o tipo de situação que exemplifica muito bem por que não devemos jamais nos afastar do que é correto. A atitude da Renault e de Nelsinho continua repercutindo mesmo 15 anos depois…
          Abraço, amigo.

  4. O bom e velho Manuel, sempre nos convidando a pontos-de-vista próprios e originais.
    Foi um texto seu nesta mesma linha, muitos anos atrás, que mudou para sempre minha visão a respeito dos “melhores resultados”.
    Abraço e obrigado, amigo.

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