Vantagem – Parte 1

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Vantagem – Final
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Oscar Pistorius, depois de seu sucesso durante as paraolimpíadas de 2004 na Grécia, onde obteve a medalha de ouro na prova dos 200m lisos e a de bronze nos 100m lisos (a Pistorius lhe faltavam ambas as pernas do joelho para baixo), pretendia também participar nos jogos convencionais de Pequim em 2008. Porem, a federação internacional de atletismo, em base ao regulamento que proíbe o uso de dispositivos fornecidos de rodas, molas ou qualquer outro sistema que proporcione ao atleta alguma vantagem, rejeita sua pretensão.

No entanto o caso acabaria tendo uma enorme repercussão midiática devido à grande controvérsia gerada entre a opinião pública que, como é habitual nestes casos, se baseava mais na paixão e sentimentalismo do que na lógica e apoiava as pretensões de Pistorius.

O caso é que Pistorius, munido das próteses com as que competia, é submetido a diversas provas médicas e estudos biométricos num laboratório na Alemanha, onde confirmam a vantagem que as tais próteses lhe proporcionavam. Mesmo assim, Pistorius recorreria ao tribunal de arbitragem do esporte a decisão da federação e este, de forma surpreendente, deixa em suspenso a proibição imposta pela federação. Contudo, todo o assunto acabaria se diluindo quando Pistorius não consegue se classificar para os jogos.

Entretanto, o problema de todo aquele episódio não era se as próteses concediam a Pistorius alguma vantagem sobre os outros atletas ou não. A questão é que a concediam ao próprio Pistorius, pois a finalidade das próteses era a de incrementar o seu rendimento, permitindo-lhe fazer algo que, de outro modo, nunca poderia fazer. Neste caso, foram os avanços da tecnologia os que lhe permitiram um rendimento maior, algo que não era possível apenas alguns anos antes com as próteses existentes até então. Assim, no processo de melhorar seu próprio rendimento, Pistorius acabou superando outros atletas aos que só lhes restava a insana opção de cortar as suas pernas para poder usar próteses como as de Oscar, algo que resultava descabido.

O exemplo de Pistorius nos mostra quão controvertido pode ser o conceito da vantagem na competição, algo intimamente ligado ao chamado “espírito esportivo”, que constitui a base fundamental da ética no esporte e se compõe de:

Honestidade, fair-play, responsabilidade e respeito

Essa ética é violada quando o atleta trata de conseguir alguma vantagem que não se derive de sua própria dotação natural, esforço, sacrifício e dedicação. Assim, se justifica o repudio que promove o uso de procedimentos artificiais com o intuito de conseguir um aumento do rendimento. Estes potencializadores de rendimento podem ser médicos, em forma de transfusões sanguíneas; farmacológicos, por meio da administração de esteroides/anabolizantes ou mecânicos, com o uso de pequenos motores elétricos, como no ciclismo ou de próteses como as de Pistorius. Em qualquer caso, os preceitos do esporte são desprezados em busca de uma vitória… a toda custa.

O caso das vantagens obtidas por meios alheios às virtudes naturais do atleta, também suscita o inquietante pensamento de que aqueles competidores que se beneficiem da vantagem de alguma melhora do seu rendimento por meios induzidos, fossem da índole que fossem se convertem em meros instrumentos dos desígnios de outros, e simples beneficiários dos avanços logrados por estes em diferentes especialidades da ciência, de tal modo que a tão prezada excelência no esporte perde seu significado e valor.

Na Formula 1 e no automobilismo em geral, como o próprio nome indica, o carro é o protagonista, pois constitui o verdadeiro potencializador das virtudes do piloto. A possível vantagem da qual pode desfrutar um piloto vem de uma série de elementos do carro que, convencionalmente, se consideram por si mesmos bastante significativos e importantes para conceder a esse piloto alguma vantagem respeito aos rivais; a saber: Chassi, motor, pneus e aerodinâmica, aos quais podemos adicionar a eficiência da equipe e a estratégia.

Assim, o trabalho da FIA, o regulador neste caso, é a de tratar que a competição se dispute mantendo um nível aceitável entre os participantes. Assim, o regulamento deve estabelecer aquilo que se pode ou não se deve fazer e, como em qualquer outra disciplina, velar que a competição se mantenha dentro do “espírito esportivo“, procurando que os participantes respeitem os seus preceitos e mantenham o compromisso de fazer sempre o correto sem sucumbir à tentação de “tomar o caminho mais fácil”.

Como potencializador de rendimento, o carro é o fruto do trabalho de outros, portanto, neste caso não há dúvida de que o piloto é o instrumento por meio do qual o mérito deles se manifesta. No entanto cabe ao piloto a tarefa de culminar todo esse trabalho, e fica em suas mãos tirar o máximo rendimento de todo esse trabalho quando a luz verde se acende.

Todavia e tratando-se de seres inteligentes como somos a nossa principal característica é a de procurar sempre obter o máximo rendimento possível com o mínimo esforço necessário… Mais ainda quando há dinheiro pelo meio. Porem, ainda que o dinheiro possa ser a origem de muitos problemas (ou os exacerba), tampouco devemos esquecer que também é o que faz possível a existência da Formula 1. Assim não é raro que nessa busca de rendimento, e de dinheiro, os preceitos de esporte sejam deixados de observar em alguma ocasião… se isso deriva em algum beneficio.

Nesse entorno resulta difícil que a ética prevaleça sobre o interesse e é então que o regulamento deve se impor às mundanas tentações às que todos estão submetidos. No entanto, o caminho seguido pela FIA desde já bastantes anos, não vem produzindo os resultados esperados e muito menos os anunciados, pois a tão buscada igualdade entre os participantes parece cada vez mais longe… Quanto mais regulamentos se promulgam em prol dela

Este assunto sobre a ética no esporte também traz à tona a questão da correta aplicação do regulamento e algumas perguntas logo surgem ao respeito:

– Se alguma equipe consegue achar uma laguna no regulamento cuja exploração lhe pode dar alguma vantagem, deve esta advertir o regulador do seu erro ?

– Pode a equipe que tire proveito desse erro ser acusada de fraude apesar de não saber se as outras equipes haviam visto esse erro e talvez também estivessem pensando em se aproveitar dele ? ( no fim das contas, o regulamento era o mesmo para todos )

– Se o regulador adverte esse erro, é justo que modifique a norma com a competição já em andamento, castigando a/as equipes que tenham aproveitado esse erro ?

– Pode uma equipe que tenha assumido que não havia nenhum erro ser acusada de fraude por haver interpretado o regulamento de forma diferente à que pretendia o regulador ?

Aqui o que vejo é uma incompetência do regulador ao promulgar normas cuja deficiente redação permite diferentes interpretações. Assim, devem os participantes da competição acarretar com as consequências dessa negligência do regulador ?

Creio que logo nos vem à memória exemplos que ilustram bem casos em que isso mesmo aconteceu. Assim, na primeira das hipóteses temos o caso das geniais suspensões hidropneumáticas da equipe Brabham em 1981( eu mesmo escrevi uma coluna ao respeito – Ridículos 6cm ), ou o do difusor duplo da equipe Brawn em 2009. Em ambos os casos, o regulamento foi cumprido ao pé da letra, ainda que só Murray e Brawn vissem essa “letra”.

Para a segunda hipótese, temos o caso dos depósitos de água dos freios da equipe Brabham e da equipe Williams em 1982 e que lhes custou a desclassificação no GP do Brasil, apesar de que já haviam sido usados pela equipe Lotus no fim da temporada anterior, portanto a FIA teve tempo de sobra para fazer constar a proibição no regulamento, mas não o fez!.

Já no ano 2003 tivemos o caso dos pneus da Michelin que, apesar de que vinham sendo utilizados desde fazia bastante tempo, pois sempre superavam as inspeções de praxe, a norma sobre a largura deles foi repentinamente mudada no meio do campeonato, deixando o borracheiro sem condições para desenvolver novos pneus à altura da Bridgestone para o resto da temporada.

Como digo as constantes mudanças de regulamento não tem surtido o efeito de nivelar a competência. De fato aumentaram essa diferença. Como exemplo, basta ver como, por exemplo, desde 1970 até o presente, o regulamento foi especificando tudo até limites realmente obsessivos, de modo que, se naquele ano o regulamento constava de 40 paginas que abrangiam as categorias A, B e C da competição (na C se incluía a Formula 1), hoje o regulamento consta de 183 paginas… Só para a Formula 1!

Será que a FIA nesse sentido se mostra perdida em encontrar uma “fórmula” que permita uma mescla de esportividade e competitividade dentro de aspecto aceitáveis para o âmbito esportivo?

No próximo dia 21 continuaremos com a parte final dessa coluna

 

Até lá

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. manuel disse:

    Oi Fernado,

    Como sempre, obrigado pelo cometário !

    É assim como dizes mesmo e a segunda parte trata do assunto.

    um abraço, Manuel

    • Fernando Marques disse:

      Manuel,

      a minha opinião é de um leigo que nunca leu o regulamento da Formula 1.
      Eu acompanho a Formula 1 desde 1970. E para mim fica claro que mesmo de forma leiga e concordando sempre com os batutas daqui do GEPETO , não resta duvidas que a Formula 1 atual está cheia de “artificialidades”. E por consequência a dinâmica das corridas são muito diferentes em relação aos anos 70, 80 e 90. E isso acontece não só na Formula 1 mas em todos os esportes como voce bem citou na sua coluna e dando como exemplo o caso do Pistorius, certamente um caso clássico.
      A impressão que temos de fora, principalmente os leigos que como eu ama a Formula 1, é que os pilotos hoje são mais pilotos de video games do que propriamente um carro de Formula 1.

      Fernando Marques
      Niterói RJ

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel Blanco,

    não há regulamento na face do mundo que dê equilíbrio de forças entre equipes na Formula 1. Podem mudar, mudar e mudar que não tem jeito … nem teto orçamentário …
    O que eu mais critico em relação aos regulamentos implementados neste século são as duradouras hegemonias de uma equipe sobre as demais que temos presenciado … sem tirar os méritos do trabalho para se chegar a essa hegemonia muitas das vezes acabam tornando chata a dinâmica de um campeonato …
    Sei lá quando os regulamentos não eram tão restritos ao que pode e não pode, por incrível que pareça a Formula 1 era mis legal de ver …
    GP do Brasil 1982 … eu estava lá nas arquibancadas logo no inicio do retão e na minha frente se deu a ultrapassagem do Piquet sobre Villenueve … a galera que estavam mais pro meio e final do retão não entendeu a euforia na hora de quem estava no início … só foram entender quando Piquet cruzou a reta já liderando a corrida … tarde inesquecível … apesar de depois desclassificado o trofeu da vitória ainda está na sala do Piquet …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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