Virada de Jogo – Parte 2

Supercampeões
05/11/2020
Fecham-se as cortinas
12/11/2020

Leia a 1ª parte desta coluna: https://gptotal.com.br/virada-de-jogo-parte-1/

 

A temporada de 2007 marcou uma disputa bem tumultuada dentro e fora das pistas. Para entender um pouco o que aconteceu até a disputa do GP Brasil em 2007, corrida que fechou a temporada e que marcou uma virada surpreendente no jogo, vamos voltar ao início da temporada anterior.

 

O ano de 2006 começou de uma forma bem inusitada, o campeão vigente era o espanhol Fernando Alonso, ele havia conquistado o título de 2005 e se sagrado o mais jovem campeão até então da Fórmula 1, quebrando a marca de Emerson Fittipaldi que vigorava desde 1972.

 

Para surpresa de muita gente, Alonso mal começará o ano e já anunciava que em 2007 mudaria para a equipe McLaren, mirando um futuro tão ou mais vitorioso que o hepta campeão Michael Schumacher. Uma aposta de risco para alguns, um caminho natural para outros, o certo é que na cabeça de Alonso a Renault não apresentava um caminho consistente para suas ambições. Ao fim do ano de 2006 ele se sagra bicampeão, batendo Schumacher e a Ferrari, uma maneira inconteste que o futuro seria brilhante para o espanhol

 

2007 começa cheio de novidades. Schumacher resolve se aposentar e para seu lugar a Ferrari escolhe Kimi Räikkönen, que perdera o lugar na McLaren para… Alonso, enquanto a McLaren promove a jovem promessa Lewis Hamilton para estrear no time principal.

 

Räikkönen, tal qual seu compatriota Mika Häkkinen, apresentava um potencial grande desde a sua estreia no ano de 2001 , ainda que vez ou outra não tenha se comportado apropriadamente em incursões noturnas. Na visão dos fãs e da imprensa, isso fazia dele um cara descolado, lembrando o seu ídolo, o inglês James Hunt. Só que Räikkönen também foi capaz de disputar cara a cara com Schumacher, sem deixar um rastro de argumentos, acusações e questões de preparo físicos serem apontadas como desvantagem, muito pelo contrário, um senso profissional e preparação impecável sempre marcou sua carreira.

 

E foi exatamente ele o escolhido para substituir Schumacher, assim que o alemão confirmou sua aposentadoria.

 

A temporada de 2007 começou na Austrália. Hamilton fez uma estreia surpreendentemente madura, onde Räikkönen venceu com Alonso e Hamilton completando o pódio,

 

Na etapa seguinte, na Malásia, Alonso, enquanto Massa vence no Bahrein e Espanha, mas Hamilton pontua de forma consistente e assume a liderança do campeonato. Alonso sorri amarelo. Para quem o conhecia, o desconforto começava a aflorar, se transformando em estremecimento em Mônaco, quando Hamilton reclama de forma aberta que a McLaren privilegiou Alonso para que ele vencesse.

 

As duas corridas seguintes são no Canadá e nos Estados Unidos. Hamilton vence as duas e coloca Alonso a 10 pontos de distância.

 

Vem a etapa na França e a Ferrari volta ao domínio, marcando uma dobradinha, com Räikkönen voltando a vencer, fato que se repete em Silverstone. Hamilton tinha, nesta altura, 70 pontos, Alonso 58, Räikkönen 52 e Massa 51. Com oito corridas restantes, o campeonato estava em aberto.

 

Nas sete corridas seguintes, Alonso vence em Nürburgring e Monza, Hamilton na Hungria e Japão, Massa na Turquia, Räikkönen na Bélgica e China. Só que, na Hungria, o clima na McLaren explode de vez, após um treino tumultuado entre os dois pilotos, com troca de acusações sobre ordens desobedecidas por Hamilton. Alonso coloca Ron Dennis contra a parede ao ameaçar ir até a FIA entregar e-mails que ligavam a McLaren à espionagem contra a Ferrari, episódio conhecido como “Stepneygate”, que fez a FIA excluir a McLaren do campeonato de 2007 e rendeu multa de U$ 100 milhões.

Com o clima pesado na McLaren, a Ferrari vê uma chance de ganhar ambos os campeonatos. Na China, Hamilton cometeu um erro de principiante e jogou fora a chance de sair de lá campeão. A falta de experiência cobra seu preço…

 

Quando o circo da Fórmula 1 desembarca em São Paulo, Hamilton lidera o campeonato com 107 pontos, seguido de Alonso com 103 pontos e Räikkönen com 100 pontos, Massa, com 86 pontos, estava fora da luta pelo título e seria apenas o escudeiro de Räikkönen em Interlagos.

 

Em Interlagos, o clima de tensão era evidente, Alonso já dispensado da McLaren faz queixas abertas que seria prejudicado, tanto que a FIA escala um fiscal para ficar no boxe da McLaren e acompanhar os trabalhos nos dois carros. Nada foi constatado de favorecimento a Hamilton.

 

Nos treinos, Massa conquista a pole seguido de Hamilton, Alonso e Räikkönen. Com esse grid bastaria Hamilton comboiar os três pilotos. Para ele, um quinto lugar seria suficiente. Já Räikkönen precisaria vencer para ser campeão desde que Alonso não fosse melhor do que terceiro e Hamilton não fosse melhor do que sexto.

 

As Ferraris largam bem com Massa liderando seguido por Räikkönen já no S do Senna. Alonso força e ultrapassa Hamilton no final da reta oposta assumindo o terceiro lugar, Hamilton cai na afobação e trava as rodas saindo da pista. Volta em oitavo.

 

Havia mais: na volta oito, o carro de Hamilton apresenta problema no câmbio, sendo preciso resetar o sistema. Na afobação, ele e a equipe se atrapalham e demoram para sanar o problema. Volta à pista em 18º, a mais de 40 segundos do líder. Enquanto isso, Massa liderava com folga seguido de Räikkönen, com Alonso isolado em terceiro.

 

Feitos os cálculos nos boxes da McLaren, a corrida de Hamilton seria contra as duas BMWs de Kubica e Heidfeld e a Williams de Nico Rosberg. Ele teria de ultrapassar ao menos dois pilotos desse trio para chegar em quinto, só que a McLaren comete o erro de programar três paradas para o inglês, quando duas paradas foi a estratégia adotada por quase todos, inclusive Alonso.

 

Na volta 33, Hamilton corria em nono, 15 segundos atrás de Heidfeld. Logo depois, fez seu segundo pit stop e se manteve em nono lugar. Mais à frente, uma diferença de Räikkönen para Alonso de 27,7 segundos abria a chance para que o campeonato se tornasse possível.

 

Alonso continuava isolado em terceiro e Hamilton não tinha abastecido com combustível suficiente na segunda parada para correr até o fim. Além disso ele não estava rodando rápido o suficiente para alcançar os pilotos à sua frente.

 

Massa fez sua segunda parada e Räikkönen ficou por mais três voltas na pista, numa tática a la “Schumacher”: ele começou a andar muito rápido para ganhar tempo suficiente para manter a liderança. Deu certo: ele emergiu bem na frente de Massa, poupando a Ferrari da necessidade de fazer uma troca deslavada de posições, se bem que ficou sempre aquela impressão – Massa foi rápido o suficiente? Bem isso não importa, eles dessa vez fizeram o jogo de equipe bem jogado.

 

E a McLaren? Eles fariam jogo com Alonso colaborando? Imaginar Ron Dennis pedindo a Alonso para abrandar e dar a posição para Hamilton e o que o espanhol responderia teria sido muito interessante.

 

Só que Hamilton ainda estava 17 segundos atrás de Heidfeld e precisava que algo acontecesse, os tempos de volta sugeriam grande heroísmo, mas o ponto é que era tarde demais para jogo de equipe por lá.

 

Sim, tarde demais. Quase como se para se divertir, Räikkönen estabeleceu a volta mais rápida da prova e isso duraria até o fim. No lado da Ferrari, a casa estava em ordem.

 

Hamilton diminuiu a lacuna de Heidfeld para 9,6 segundos, essa era sua diferença na volta final, e Kubica estava apenas 2 segundos à frente de Heidfeld.

 

Räikkönen cruzou a linha vencendo a prova e o campeonato e houve uma última ironia para Hamilton, não o sétimo lugar que foi sua posição de chegada, mas o fato de que ele estava uma volta atrás do líder, de modo que mesmo se todos a sua frente parassem na última volta o resultado não mudaria para ele.

 

Räikkönen chegou a Interlagos na terceira posição no campeonato e virou o jogo. Era a segunda vez na história da Fórmula 1 que esse feito era alcançado.

 

Classificação do campeonato:

  1. Räikkönen com 110 pontos
  2. Hamilton com 109 pontos
  3. Alonso com 109 pontos

 

Conhecido como o Homem de Gelo, Räikkönen rodou muito lentamente e sacudiu os punhos um pouco mais quando estacionou o carro. Abraçou Massa, mas ainda se mantinha um contido. Na sala de imprensa, disse: “Mesmo quando passamos por alguns momentos difíceis e parecia que não havia maneira de lutar, nunca desistimos e este trabalho produziu a sua recompensa. Na Ferrari, encontrei uma grande família e estou orgulhoso de ter conquistado o título com eles”. 

 

Ele fez a turma rir quando mencionou que iria se divertir naquela noite e por cerca de um mês, e sorriu seu sorriso mais aberto. “Estou muito feliz”, disse o Homem de Gelo, que finalmente derreteu.

 

Na próxima coluna vamos ao campeonato de 2010, outra virada e tanto.

 

Até lá

 

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    muito show de bola coluna … a lembrança da temporada de 2007 onde as disputas entre Ferrari x Mclaren, além das disputas internas Alonso x Hamilton e Raikkonen x Massa) foram bem intensas também…

    FernaMarques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Salu!

    Essa temporada de 2007 foi muito top, guardo com muito carinho, e este GP Brasil foi fantástico.

    Compartilho das mesmas palavras do Galvão ao final da transmissão, que o McLaren do Alonso se arrastou num terceiro lugar.

    Grande abraço!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *