Tivemos em 1979 o primeiro ano em que todas as equipes se voltaram à construção e tecnologia do carro-asa. Era uma ruptura de paradigma – e o certo a se fazer. O resultado foi um frenético sobe-e-desce de desempenho entre os times, com a Ferrari sagrando-se campeã pelo simples fato de ter se mantido mais consistente. Dentre os fatores contribuintes, um motor potente e confiável (foram poucas as quebras), uma boa aderência mecânica para pistas de baixa velocidade e os pneus Michelin radiais, que por vezes se provaram superiores aos Goodyear convencionais.
Em 1980, no entanto, poucos foram os times a usar folhas brancas em suas pranchetas e a tendência geral foi a de aprimorar projetos já constituídos. Sim, a temporada foi muito mais de continuidade do que de ruptura. Mas isso passou longe de representar uma diminuição na frenética queda de tempos de volta. Os times estavam melhorando – e muito – aqueles belos carros.
O maior exemplo possível dessa dramática progressão de desempenho vem da Ferrari. O que dizer de uma equipe que em 1979 foi campeã de pilotos e construtores, com 6 vitórias e 113 pontos, e que no ano seguinte faz… 8 pontos? E com o seguinte detalhe: a Ferrari 312T5, sucessora da campeã T4, era uma evolução lógica do carro, não era uma ruptura ou um caminho errado. Não houve (nem haverá) na história da Fórmula 1 semelhante queda de resultados de um ano pro outro para um time campeão.
A T5 não passou do 5º lugar nas corridas. Terminaram o ano com uma constrangedora 10ª posição entre os construtores. O desgosto para Jody Scheckter foi tanto que ele simplesmente aposentou-se ao fim do ano. Grosso modo, é como se a Ferrari conseguisse ter baixado um segundo por volta com o novo carro, enquanto a concorrência conseguia três, até quatro segundos por volta. Chamar de “alvo-móvel” é pouco!
O problema da Ferrari era congênito. Os italianos tinham seu maior problema naquela que havia sido a maior a maior virtude por toda uma década: seu espetacular propulsor flat-12. Com um motor nessa configuração era simplesmente impossível esculpir da melhor maneira possível as laterais do carro para obter downforce.
O carro não tinha mais pra onde evoluir, chegou mais rapidamente ao limite de desempenho que os outros projetos, com motores em V estreitos e todo espaço do mundo para obter desenhos cada vez mais eficientes. O projetista Mauro Forghieri até chegou a criar um motor mais estreito, com um comando de válvulas “achatado”, a fim de melhorar o fluxo de ar por baixo do carro. O resultado, no entanto, foi a perda de confiabilidade do propulsor e pouco ou nada para a melhoria de desempenho. Acabaram revertendo ao modelo convencional.
A situação chegou a um ponto que eles entenderam que a ruptura de conceito era necessária. Ainda em 1980 começaram os testes de um novo motor, em V. Seria um 6 cilindros… turbo. No fim de semana do GP da Itália, a Ferrari apresentou nos treinos o modelo 126. Era ainda um carro de estudo, mas que mostraria o caminho que Maranello seguiria para o ano seguinte.
Em 1980 tivemos menos movimento de sobe-e-desce de desempenho das equipes se comparado a 1979, algo que podemos considerar como natural, justamente por ser um ano de continuidades e não de revoluções. Podemos destacar quatro como os grandes carros da temporada:
Força dominante da segunda metade de 1979, é justo dizer que a Williams teve no FW07B o carro do ano e haviam estabelecido o padrão de como um carro-asa deveria ser.
Alan Jones estava no auge da carreira, totalmente integrado ao estilo durão da Williams, além de ter um estilo de pilotagem aguerrida que se encaixava muito bem ao carro. Jones conquistou 5 vitórias no ano (Buenos Aires, Paul Ricard, Brands Hatch, Montreal e Watkins Glen), com outros 5 pódios. E ainda teve o bom desempenho do novo companheiro, Carlos Reutemann, que venceu uma (Monte Carlo) e teve outros sete pódios. Mas a história de Reutemann, como se sabe, fica bem mais interessante em 1981…
O carro da Williams, assinado pelo pragmático Patrick Head, representava uma evolução lógica da Lotus 79, carro que despertou na F1 a consciência de que o carro-asa era o Real Deal. Só que tinha muito mais consistência, mais “engenharia” envolvida: chassi com muito melhor rigidez estrutural (sem representar aumento de peso), freios eficientes (calcanhar de Aquiles da Lotus em 1978), grande confiabilidade e aerodinâmica superior, sobretudo no escoamento de ar.
Temos a real noção de quanto o carro evoluiu durante o ano ao vermos o resultado de times particulares que inscreveram carros Williams de segunda mão, do ano anterior, durante a temporada. Os resultados foram nada menos que miseráveis. Quem mais se aproximou de um mínimo de decência foi Rupert Keegan, com o FW07 da equipe RAM, com um distante 9º lugar em Watkins Glen, tomando duas voltas do vencedor Jones. Mas a maioria dessas inscrições nem classificar para o grid conseguiu.
Se a Williams teve o carro do ano, por pouco esse título não ficou com a Brabham e o BT49. Desde que se livraram do contrato de motores com a Alfa Romeo e voltaram a usar o Cosworth DFV, criou-se um pacote com muito potencial, com boas mostras nas últimas duas corridas de 1979. Logo de cara, o chassi novo pesava 15 kg menos, e como precisava de menos combustível, a diferença final de peso com tanque cheio era de 40 kg!
As sementes de um bom projeto já estavam todas ali, na prancheta de Gordon Murray, que desenhou em apenas seis semanas um carro que seria usado pela Brabham até 1982! Logo de cara, na primeira corrida de 1980, Nelson Piquet conquistou seu primeiro pódio na F1, na segunda colocação do GP da Argentina, logo atrás de Jones e a Williams, o carro a ser batido.
Se o caminho da Williams era o de evoluir conceitos convencionais, a Brabham tinha mais ousadia em sua engenharia. Murray promoveu durante o ano melhorias importantes no carro, trabalhando na geometria das suspensões, no desenho das laterais e outros aprimoramentos aerodinâmicos que fizeram não apenas Piquet se tornar um piloto vencedor, como colocaram o brasileiro como o mais duro concorrente de Jones na luta pelo título, com vitórias em Long Beach, Zandvoort e Imola, que naquele ano sediou o GP da Itália.
[Vale a pena conferir o artigo no site GurneyFlap sobre a evolução de desenho do BT49]
Piquet chegou para as últimas duas corridas do ano com um ponto a mais que Jones (54 a 53). A história é conhecida: Jones só sagrou-se campeão no Canadá pelo acidente acontecido entre os dois na primeira largada. Piquet foi obrigado a pular para o carro reserva, que tinha motor de treino, que não ia aguentar. Liderou até quebrar e ver o australiano seguir para a vitória, que sacramentava o título porque Piquet teria que descartar pontos.
Deve-se, claro, destacar nessa equação a evolução de Piquet como piloto. Ele estava completando apenas sua segunda temporada completa na F1 e alcançou a maturidade ao volante de maneira muito rápida, condição que foi acelerada pelas circunstâncias da saída abrupta de Niki Lauda da equipe no fim de 1979. Bernie Ecclestone acreditou nele como primeiro piloto e Murray achou o piloto ideal para testar melhorias.
Deve se destacar que a Brabham já carregava conceitos mais modernos. Já tinha suspensões com tirantes (pullrod), que paulatinamente aposentariam os sistemas de balancins, então em voga. As laterais do carro já seguiam uma tendência de serem mais altas, sobretudo próximas dos pneus traseiros, aumentando a área de baixa pressão por baixo do carro – nessa época as laterais da Williams eram nitidamente mais baixas, ao “estilo Lotus”.
A geração de downforce pelas laterais era muito boa, tanto que dispensava o uso das asas dianteiras, com pouca carga na traseira. O chassi também já apresentava elementos estruturais em um material que seria muito conhecido mais para frente: fibra de carbono.
Na próxima parte falaremos dos outros dois carros vitoriosos do ano de 1980.
Abração!
Lucas Giavoni
Leia também:
3 Comments
Obrigado pela parte 5, Lucas. E desculpe a pressão em cartas anteriores. Mas estes artigos só reafirmam uma era breve e empolgante. Tão fantástica quanto a era turbo que teve o auge entre 84 e 86 e também deixou saudades. Lembro de exemplares de Quatro Rodas da temporada de 1981 com Piquet criticando duramente Alan Jones: “Ele é uma besta e está desesperado.”; “Só ganhou o campeonato porque me tirou da prova do Canadá”. Certamente nosso Lord Nelson ficou cabreiro com a derrota de 1980 e não se conformava com a falta de um companheiro de equipe que o ajudasse a roubar pontos da “dupla infernal” da Williams nos campeonatos de 80 e 81. Em 80 René Arnoux surgiu como candidato ao título com duas vitórias seguidas mas morreu na praia. A derrota de Arnoux coincidiu com a ascensão de Piquet e a consequente disputa com Jones. Em 81 Prost chega à Renault e não só humilha Arnoux como desponta como futuro campeão na segunda temporada completa, apesar de só ter as condições favoráveis a partir de 1985. Apesar das críticas pessoais de Emerson ao carro asa não devemos eclipsar o brilho deste período. E algumas curiosidades: Niki Lauda voltou às vitórias superando as incríveis forças G do carro asa mas só voltou a ser campeão com um carro turbo de fundo plano; depois de todo esforço e dos Kms de testes para tornar os Renault turbo minimamente confiáveis Jean Pierre Jabouille, em 79 e 80, venceu uma corrida e abandonou 14 enquanto Arnoux sempre marcou mais pontos e em 80 conseguiu duas vitórias e liderou o campeonato; a Lotus dominante em 1978 naufragou no ano seguinte com o modelo 80 e nunca mais ganhou um campeonato enquanto as outras equipes fizeram cópias melhoradas do Lotus 79 e venceram muitas corridas perdendo apenas para a consistência de Scheckter e da Ferrari; nem eu imaginava que a Ferrari sofreria uma queda de desempenho tão gritante de 79 para 80; o 312T5 decretou o fim do domínio do Flat12 e sacramentou a supremacia do carro asa e a ascensão dos turbos; a nova geração surgida na era do carro asa: Piquet, Keke Rosberg, Patrese, Elio de Angelis, Mansell, Prost, Gilles Villeneuve e Pironi – três nos deixaram precocemente e os outros correram até se aposentarem; a pergunta que não quer calar: James Hunt perdeu a habilidade ou Walter Wolf e Harvey Postlethwaite fritaram Hunt?
Grande texto, Lucas!!
É interessante como a Ferrari conquistou o título de 79 sendo a mais constante do grid, algo que é raro no time de Maranelo.
Rsrs
Grande abraço!!
Mauro Santana
Curitiba PR
Lucas,
a parte 5 da “Wing Wars” está tão bom quanto foi as 4 colunas anteriores.
O interessante é que nestes dias de confinamento estou aproveitando para rever algumas corridas e vitórias do Nelson Piquet. E uma coisa me chama muito atenção é que em 81 apesar do Reutman ter estado na frente na tabela de classificação em relação a Jones, era o australiano quem promovia as melhores disputas pela liderança das corridas. Eram bons pegas com Prost (Renault), com Piquet e com Laffite (ligier). Inclusive na Alemanha ele fez uma ultrapassagem sensacional em cima do Prost na parte mista de Hochenhein, prova aliás vencida por Piquet. Pena que o a Willians dele sempre caia demais de rendimento no fim devido ao alto desgaste dos pneus.
Mas aproveito aqui o espaço e a oportunidade para lamentar o falecimento do Ricardo Divila. Foi uma triste noticia para o automobilismo brasileiro e mundial. E sugiro como homenagem do GP Total que publicasse novamente as grandes colunas que o Ricardo escreveu aqui no site que sempre foram um deleite para quem gosta do automobilismo.
Fernando Marques
Niterói RJ