EM BUSCA DO EQUILíBRIO PERDIDO
– Por Manuel Blanco
A Formula 1 está chata!
Isto é algo que vem sendo dito já há alguns anos. Os que penteiam cabelos brancos ou simplesmente têm pouco que pentear, sabemos (ou pelo menos lembramos) que a Fórmula 1 não foi sempre assim.
Agora a FIA debate-se para criar um regulamento visando restabelecer o equilíbrio entre as equipes e recuperar a emoção dos campeonatos de outrora. Aponta-se o fator técnico como responsável pelos enormes desequilíbrios atuais da categoria e o carro é o ponto atacado com maior dureza pelas idéias propostas para o novo regulamento. Isto é perfeitamente lógico pois o carro é a “alma mater” do automobilismo, o instrumento que permite ao piloto manifestar as suas qualidades e a fonte de energia, sem a qual, não faria nada.
Para comprovar se a Fórmula 1 de tempos passados era realmente mais emocionante que a atual, e não uma simples lembrança romântica, decidi analisar todas as temporadas desde 1970 até 2003, concentrando-me no campeonato de construtores pois este disputa-se independentemente dos avatares de seus pilotos. Para evitar distorções, apliquei o sistema de pontos que atribuía aos seis primeiros classificados 9, 6, 4, 3, 2 e 1 ponto respectivamente, e que é o sistema vigente na maioria desses anos. Para que os resultados fossem proporcionais, calculei as percentagens de pontos conseguidos por cada equipe sobre o total possível (o total possível, seria conseguido ocupando os dois primeiros lugares em todas as corridas).
Apresento os resultados em dois gráficos e uma tabela para que sejam facilmente interpretados. Também divido esses 34 campeonatos em três períodos que me parecem bastante definidos pelas suas particulares características. Como verão, os resultados são muito interessantes e parecem confirmar a degradação que a Fórmula 1 vem sofrendo desde faz já bastante tempo, e que se concreta numa alarmante falta de equilíbrio entre as equipes e de emoção nas pistas.
Na continuação, faço alguns comentários resumidos das conclusões às que eu chego a partir de toda essa informação.
O primeiro período que eu estabeleço vai de 1970 até 1982 e é o que eu denomino como a “era Cosworth” pois foi durante este período que este motor conseguiu a maioria de suas vitórias e títulos – 1981 foi o ano de seu último título de construtores e 1982 foi o ano do seu último título de pilotos, com Rosberg.
Como vemos, o gráfico desse período é bastante regular, fruto de um grande equilíbrio entre as três primeiras equipes daqueles anos. Somente o excelente Williams FW07 foi capaz de romper a monotonia de gráfico em 1980.
Esse grande equilíbrio nos brindava campeonatos muito interessantes, com muitas equipes e pilotos vencendo GPs, e mantendo a emoção durante quase todo o campeonato. Havendo-se disputado 80% das corridas (aproximadamente, dependendo da temporada), ainda tínhamos uma média de, praticamente, quatro equipes com probabilidades de ganhar o campeonato, e uma média de cinco equipes vencendo corridas todos os anos.
A média de percentagem de pontos conseguidos em conjunto pelas três primeiras equipes daqueles anos sobre o total possível (neste caso, o total possível seria o resultado de ocupar os seis primeiros lugares em todas as corridas) é de 62%, e os outros dados também confirmam o grande equilíbrio desse período.
O segundo período vai de 1983 até 1993 e também está bem definido pois abrange duas etapas muito características: o apogeu dos motores turbo e a proibição dos reabastecimentos.
Este é um período onde as grandes desigualdades surgem de repente ao amparo do domínio sucessivo de três motores – Tag-Porsche, Honda e Renault. As escuderias que equipavam estes motores na sua plenitude, não tinham rival, tal e como fica demonstrado no gráfico. Especialmente destacável é o caso da Mclaren em 1988 que, com o motor Honda montado no extraordinário MP4-4 de Gordon Murray simplesmente esmagou a competência exercendo, de longe, o maior domínio jamais registrado na Fórmula 1, conseguindo quase 83% dos pontos possíveis.
O desequilíbrio deste período é notório comparado ao período anterior e a média de percentagem de pontos das três primeiras equipes em conjunto pula até 71% enquanto que a média de equipes com probabilidades de vencer o campeonato após 80% dos GPs disputados baixa à metade e o resto de dados também sofre um empobrecimento. Felizmente para os aficionados, as disputas internas mantidas entre os pilotos das diferentes equipes, fizeram que vários daqueles campeonatos fossem muito interessantes.
Por último, temos o período que começa em 94 e chega até os nossos dias. Talvez poderíamos defini-lo como a era da aerodinâmica e das estratégias derivadas da liberação dos reabastecimentos.
Na minha opinião de simples aficionado, este é o período mais desolador de todos pois os grandes desequilíbrios presentes do período anterior aqui acentuam-se ainda mais. Mesmo fatores políticos e comerciais passam a ter uma influência mais decisiva na resolução dos campeonatos.
Os dados que apresenta este período são paupérrimos: temos menos equipes participando e menos equipes com probabilidades de disputar o campeonato ou simplesmente de vencer corridas. Também há menos pilotos vencedores. O desequilíbrio entre as equipes é enorme e até o terceiro classificado fica mais distanciado dos dois primeiros. A média de percentagem de pontos conseguidos em conjunto pelas três equipes sobe ainda mais até chegar a 76% do total possível e a média de equipes disputando o campeonato é de apenas duas. Porém, dos seus quatro pilotos, a um deles, praticamente, nunca foi-lhe permitido desafiar os privilégios de seu chefe. Atitude, na minha opinião, de total desprezo ao público aficionado.
Como vemos no gráfico resumo dos três períodos, o terceiro classificado apresenta uma linha quase plana enquanto que o vice-campeã e, principalmente, o campeão, mostram linhas fortemente ascendentes que explicam, ao meu modo de ver, o enorme desequilíbrio que vem sendo habitual na Fórmula 1 e que resulta incompatível com a competição e até com o espetáculo que sofre uma perda constante de audiência nos últimos anos como conseqüência do pouco interesse que as corridas despertam.
ANO | GPs | EQUIPES | . | EQUIPES COM PROBABILIDADES DE GANHAR O CAMPEONATO | PILOTOS VENCEDORES |
. | . | INSCRITAS | VENCEDORAS | APÓS 80% DOS GPs DISPUTADOS | . |
1970 | 13 | 11 | 5 | 6 | 7 |
1971 | 11 | 10 | 3 | 2 | 6 |
1972 | 12 | 12 | 5 | 4 | 5 |
1973 | 15 | 12 | 3 | 3 | 5 |
1974 | 15 | 20 | 5 | 5 | 6 |
1975 | 14 | 19 | 6 | 5 | 9 |
1976 | 16 | 20 | 6 | 3 | 7 |
1977 | 15 | 21 | 6 | 4 | 8 |
1978 | 16 | 19 | 4 | 3 | 6 |
1979 | 15 | 18 | 4 | 3 | 7 |
1980 | 14 | 15 | 4 | 4 | 7 |
1981 | 15 | 17 | 6 | 4 | 7 |
1982 | 16 | 17 | 7 | 5 | 11 |
1983 | 15 | 16 | 6 | 3 | 8 |
1984 | 16 | 15 | 4 | 1 | 5 |
1985 | 16 | 17 | 5 | 4 | 8 |
1986 | 16 | 14 | 4 | 2 | 5 |
1987 | 16 | 16 | 4 | 1 | 5 |
1988 | 16 | 18 | 2 | 1 | 3 |
1989 | 16 | 20 | 4 | 1 | 6 |
1990 | 16 | 19 | 4 | 3 | 6 |
1991 | 16 | 18 | 3 | 2 | 5 |
1992 | 16 | 16 | 3 | 1 | 5 |
1993 | 16 | 13 | 3 | 1 | 4 |
1994 | 16 | 14 | 3 | 3 | 4 |
1995 | 17 | 13 | 3 | 2 | 5 |
1996 | 16 | 11 | 3 | 1 | 4 |
1997 | 17 | 12 | 4 | 2 | 4 |
1998 | 16 | 11 | 3 | 2 | 4 |
1999 | 16 | 11 | 4 | 2 | 6 |
2000 | 17 | 11 | 2 | 2 | 4 |
2001 | 17 | 11 | 3 | 1 | 5 |
2002 | 17 | 11 | 3 | 1 | 4 |
2003 | 16 | 10 | 5 | 4 | 8 |
MEDIA PERÍODOS
1970 – 1982 16,23 4,92 3,92 7
1983 – 1993 16,54 3,81 1,81 5,45
1994 – 2003 11,50 3,30 2 4,80
Agora, a FIA anuncia mudanças no regulamento, segundo eles, para equilibrar o potencial das equipes. Porém, não podemos esquecer que, até agora, todas as mudanças que têm sido feitas sob esse pretexto (algumas em prol da segurança), tiveram um efeito justamente contrário ao buscado ou anunciado.
Podemos até dizer que a situação tem ido de mal para pior com cada novo regulamento, tal e como indicam os gráficos. Se os caras que fizeram os anteriores regulamentos são os mesmos que têm fazer o próximo, temo que não podemos ser otimistas.
Pelas informações que chegam até nós, eu até diria que a FIA trata de unificar mais do que equilibrar mas a igualdade é apenas um ideal utópico e, no fim, temo que, como disse George Orwell, algumas equipes acabem recebendo equipamento “mais igual” que outras em virtude – como não – dos seus maiores recursos financeiros, interesses comerciais etc.
Mas este é outro assunto e agora eu só pretendia verificar se a Fórmula 1 estava tão chata quanto a todos nos parecia. Vendo os gráficos, acho que não há a menor dúvida: está muito chata mesmo!
Um abraço a todos,
Manuel Blanco |