Vencedor Moral – 2021

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Max Verstappen e Lewis Hamilton durante Grande Prêmio dos Estados Unidos 24/10/2021 REUTERS/Mike Blake

“O importante é competir, não vencer”

A célebre frase atribuída ao Barão de Coubertin, pai das Olimpíadas modernas, se tornou um chavão em todas as ocasiões em que o vencedor não foi o que chegou primeiro, mas alguém que acabou sendo aclamado como vencedor moral.

Temos inúmeros exemplos nas mais diversas competições, tanto que o termo mais atual é falar em fair play; cito um exemplo do espanhol Iván Fernández Anaya.

Esse atleta de corridas poderia ter saído vitorioso da prova de Cross country de Burlada, em Navarra, em 2 de dezembro de 2012, mas ao ver o líder Abel Mutai começar a comemorar, equivocadamente, a vitória antes da linha de chegada, preferiu conduzir o queniano até o fim do percurso. “Eu não merecia ganhar e fiz o que tinha que fazer. Ele me impôs uma distância que eu não poderia superar. Quando vi que parou, achei correto não o ultrapassar”, disse o espanhol.

Esse é o típico exemplo onde passam os anos e quem venceu a prova muitas vezes nem é lembrado, cabendo ao segundo colocado toda a honra de ter o nome lembrado mais efusivamente.

Na Fórmula 1 em 70 anos temos alguns exemplos de pilotos que mesmo sem ganhar o campeonato escreveram nas páginas da história seus nomes num patamar mais alto que o campeão da temporada, são os campeões morais. Exemplifico nessa coluna alguns campeonatos onde os vices brilham mais que os campeões.

Esse tema está sendo abordado pois no próximo domingo vamos assistir à decisão entre Lewis Hamilton e Max Verstappen, numa disputa à beira do ataque de nervos em ambos os lados, tal tem sido a carga emocional entre os dois ao longo da temporada e, exatamente por isso, existe um temor no ar que eles acabem batendo. Seria um desfecho horroroso para um campeonato que deverá ser lembrado por muitos anos.

Já são 47 anos desde a última vez que dois pilotos chegaram empatados no número de pontos para disputar a última etapa: 1974. Os pilotos eram Emerson Fittipaldi e Clay Regazzoni. O brasileiro conseguiu se impor em Watkins Glen e conquistou o seu segundo título.

Que a ética prevaleça e a disputa entre Max e Hamilton seja apenas na pista, e que o melhor vença.

Relembrando fatos passados, trago o campeonato de 1958, a primeira temporada no período pós-Fangio. Até então, apenas oito temporadas haviam sido disputadas e os italianos Farina e Ascari, juntamente com Fangio, haviam sido campeões. Os ingleses ansiavam por um título e Stirling Moss era o franco favorito para essa conquista. Ele havia sido vice-campeão nos últimos três anos, perdendo em todas essas ocasiões para Fangio, o que, convenhamos, não havia sido demérito.

O campeonato de 1958 é marcado por uma alteração importante: a partir dali não era mais permitido o compartilhamento de um carro na prova. A FIA entendia que se um piloto abandonasse não deveria mais ser beneficiado em pontuar com outro carro.

Moss vence a prova de abertura num Cooper. Em seguida, vai para a Vanwall, um time forte, um carro veloze. Só que no caminho deles havia Mike Hawthorn e a Ferrari.

Também inglês, Hawthorn era um cara muito simpático e carismático, mas não era considerado pelos críticos um piloto do calibre de Moss. Na base da regularidade, Hawthorn pontua em todas as provas e mesmo Moss vencendo quatro GPs (Argentina, Holanda, Portugal e Marrocos) contra apenas uma vitória de Hawthorn (França), o campeonato é vencido por este por apenas um ponto de diferença, 42 contra 41.

A Inglaterra fazia seu primeiro campeão, Moss não foi ele, seria quatro vezes vice-campeão e ainda hoje é considerado o campeão mundial “sem título”.

A segunda temporada que relembro é a de 1967, marcada por duas estreias que mudaram a face do automobilismo moderno: a Lotus lança o modelo 49 e a Ford lança o motor Cosworth. Para pilotar essa poderosa combinação estava o escocês Jim Clark. A estreia se dá na terceira prova do ano, na Holanda. Clark vence e logo o paddock sacramenta que ele será campeão daquele ano.

No caminho do escocês havia a dupla da Brabham, Jack Brabham e Dennis Hulme, no ano anterior Brabham conquistara o feito ainda hoje único de ser campeão com um carro por ele construído, de arquitetura simples e contando com o bom motor Repco, aproveitando muito bem a mudança do regulamento de motores para 3 litros.

Em 1967, o maior trunfo da dupla da Brabham foi a regularidade; Hulme e Brabham marcam pontos em 9 das 11 provas e Hulme conquista o título. Ficou, porém, aquela sensação de que Clark com abandonos em momentos decisivos é quem havia perdido o título.

A terceira temporada relembrada é a de 1976, que ficou marcada pela rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt. Lauda ganhara em 1975 com o ressurgimento de uma Ferrari dominante graças ao modelo 312T. Tudo apontava para uma nova conquista.

A temporada de 1976 foi disputada em 16 provas. Nas nove primeiras provas Lauda vence cinco (Brasil, África do Sul, Bélgica, Monaco, Inglaterra), é segundo em duas (Long Beach e Espanha), e terceiro na Suécia. Enquanto isso, Hunt vence na Espanha e França, é segundo na África do Sul e quinto na Suécia, abandonando na demais.

Vem a corrida em Nürburgring e muda a história do campeonato. Lauda sofre o acidente que quase o matou e Hunt vence quatro (Alemanha, Holanda, Watkins Glen, Canadá) das sete provas seguintes.

Lauda surpreende o mundo ao retornar para continuar a briga pelo campeonato em Monza e mesmo com feridas abertas, vai até a última prova, no Japão, lutando. Ele perde um dos campeonatos mais eletrizantes da história por apenas um ponto, tendo a coragem de sair da disputa no Japão por conta da chuva torrencial. Ficou depois a polêmica entre os que defendiam que Hunt mereceu o título e os que defendiam que Lauda é quem havia perdido. Ele sempre admitiu nunca haver se arrependido de sua decisão e passou à história como o piloto que venceu a morte.

A quarta temporada que relembro é a de 2012, marcada pela luta entre Sebastian Vettel e Fernando Alonso, ambos então bicampeões. A temporada não poderia ter um roteiro melhor, sendo o primeiro campeonato disputado em 20 provas, e que foi até sua última delas, no Brasil, com o título em aberto. Após uma tarde incrível em Interlagos, as honras foram para Vettel, mas poderia facilmente ter sido de Alonso.

2012 foi memorável de várias maneiras.  Pela primeira vez, tivemos seis campeões mundiais no grid. As sete primeiras provas produziram sete vencedores diferentes e, finalmente, as vitórias foram distribuídas entre oito pilotos e seis equipes. Quase todas as corridas produziram algum grau de entretenimento e as três últimas foram todas sensacionais, incluindo a volta dos Estados Unidos com Austin.

Esta temporada não começou com tanto sucesso quanto 2011 para Vettel e a Red Bull.  Na primeira parte do campeonato, ele conquistou apenas uma vitória, mas foi somando pontos importantes, deixando de pontuar apenas em duas provas. Apesar de não ter o carro mais rápido, Alonso fez um trabalho surpreendente, liderando a maior parte da temporada. A Ferrari F2012 teve alguns problemas básicos quando apareceu e, após testes iniciais, parecia que a poderia estar em uma temporada dolorosa. Pat Fry e seus colegas melhoraram, mas foi Alonso quem fez a diferença, ganhando pontos enquanto regularmente largava em posições de quinto ou menos.

Uma vitória na Malásia pareceu um lampejo de uma boa temporada, mas foi o trampolim para uma campanha pelo título, seguida por mais duas vitórias (Valência e Hockenheim), além de uma série de outros pódios.

Só que na fase final do campeonato Vettel engata quatro vitórias seguidas e assume a liderança por uma pequena margem. Parecia que o sonho do título ficaria fora do alcance de Alonso

Na final brasileira, ambos estão separados por 13 pontos a favor do alemão, Alonso se esforçou desde a qualificação, largou em sétimo e chegou em segundo. Vettel com suas dificuldades após levar uma batida de Bruno Senna, termina em sexto e é sagrado tricampeão.

Sobre a temporada, Alonso fez o seguinte balanço: “estou muito orgulhoso e feliz por lutar até a última volta com o pacote que tivemos. Essa é a melhor coisa para mim: sentir orgulho das conquistas alcançadas. Essa foi de longe a melhor temporada da minha carreira e vou me lembrar desse 2012 como se fosse uma temporada dos sonhos. Obviamente, não alcançamos os pontos para conquistar o título, mas ganhei tantas coisas este ano que me sinto como se tivesse ganho o título”.

Fica a nossa torcida para em nosso próximo encontro falarmos sobre esse exuberante 2021 na F1 e poder elencá-lo como uma temporada marcada por uma luta acirrada, dura, muito competitiva, mas na qual a ética prevaleceu e que até possamos ter a discussão sobre quem seria o merecedor da conquista, Max ou Hamilton.

Uma boa corrida e que o melhor saia de Yas Marina como campeão!

Aproveito também para me despedir de 2021, desejo a todos um ótimo Natal e uma entrada em 2022 cheio de amor, paz e saúde.

Até a próxima

Mário

 

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comments

  1. Fernando marques disse:

    Amigo Mário

    Adorei o tema de sua coluna … Muito oportuna neste momento tão tenso que a Fórmula 1 passa nesta decisão da temporada 2021.
    Verstappen está sendo metralhado de críticas por causa do que fez na Arábia Saudita.
    E Fair play parece ser o que menos todos esperam por parte neste domingo. A FIA resolveu também apitar e avisou que tira até pontos de quem cometer atitudes anti esportivas.
    Sabe o que penso de tudo isso.
    Que sua coluna tão oportuna podesse ser impressa e distribuída para todas as equipes da Formula 1 em Abu Dabhi.
    A temporada de 2021 não merece que seu final seja manchado , por tudo que faz dela a melhor dos últimos tempos. Seria injusto. Já basta a farsa vista na Bélgica.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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