Portugueses e espanhóis, não é de hoje, vivem por disputar hegemonia, herança histórica, primazia e prevalência cultural. Não se pode dizer que seja uma versão ibérica do que ocorre no Oriente Médio ou na ex-URSS, longe disso: talvez seja a versão europeia de Brasil versus Argentina: um, menor, consegue superar suas limitações territoriais e econômicas e fazer frente ao outro que, mais numeroso e mais rico, não consegue ter uma identidade uniforme de ponta a ponta. Chegando nos novos territórios, dividem as possessões, convivendo paralelamente em suas colonizações.
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Um novo rei
Em 2004, novamente uma equipa (um time de futebol) portuguesa alcançava o trunfo máximo: título europeu de clubes, a famosa UEFA Champions League. Contando com o brasileiros Carlos Alberto e Deco (naturalizado) e outros bons nomes, o Porto chegava ao seu segundo título na maior competição de clubes do mundo.
Poucas semanas depois, a seleção portuguesa também chegava à Final (amargando o vice, porém) da Eurocopa, a famosa “Copa do Mundo sem Brasil e Argentina”. Tinha-se, portanto, a impressão de que o futebol português estava num momento realmente especial, depois do lendário Eusébio e o auge dos anos 60 – dois títulos europeus de clubes para o Benfica e a estupenda Copa de 66.
Mas o grande nome daquele período do futebol lusitano não estava dentro de campo: vinha do banco de reservas, da beira do gramado. José Mário dos Santos Mourinho Félix – ou simplesmente Mourinho – era o treinador daquele time que (após eliminar o United nas oitavas), na Final, aplicou um sonoro 3 a 0 diante do Mônaco, que tinha os dois principais marcadores da competição. Mourinho ali alcançava e despertava os olhos do mundo, apesar de já ser um nome relevante desde meados dos anos 90, quando fez parte do corpo técnico do Barcelona de Ronaldo e, posteriormente, Rivaldo.
Enquanto Mourinho atraía os holofotes no futebol, representando uma nova era de técnicos e colocando o Porto no topo do mundo, um piloto espanhol já dava mostras mais do que suficientes de que Schumacher e Ferrari finalmente teriam um rival à altura, após anos nadando de braçada e forçando a FIA a mudar e criar regras bizarras.
Fernando Alonso Díaz, como Mourinho, seguiu passos modestos que lhe forjaram para enfrentar os momentos de maior pressão e estar preparado para eles: seu início de carreira se deu na Minardi quando, mesmo se tratando da pior equipe da Fórmula 1, já indicava ser um novo fora de série, assombrando a equipe em seus testes.
Quando Mourinho começava a galgar seus passos rumo ao estrelato no FC Porto, vencendo suas primeiras competições nacionais, Alonso se transfere para a Renault e, depois de um ano como piloto de testes, conquista sua primeira pole, seu primeiro pódio e sua primeira vitória no ano seguinte. Em 2004, Alonso foi frequentador assíduo do pódio, além de ter feito uma pole e chamar muita atenção com o sistema de largada da Renault, invariavelmente ganhando 5, 6 posições logo no início das provas.
Após a conquista maior com o Porto, Mourinho foi alçar voos maiores, e assumiu o comando do Chelsea, na Inglaterra. Logo na primeira temporada, o impacto foi sentido: títulos da Liga Inglesa e da Copa da Liga. A Premier League, o campeonato nacional mais prestigiado do mundo já então, não era vencido pelos Blues desde 1955 (!). Na Champions, uma ótima campanha, mas foram eliminados na semifinal, pelo Liverpool, em jogos dificílimos (0x0 e 0x1).
2005 foi o ano em que Alonso conseguiu o seu triunfo máximo, pela Renault, que nunca havia vencido campeonatos (Prost bateu na trave), e oficialmente estava fora da F1 havia décadas, tendo retornado justamente em 2002, quando Alonso era o terceiro piloto do time. Aquela temporada foi amplamente dominada pelo espanhol, campeão com duas provas de antecipação, em parte beneficiado pelas quebras sucessivas de Kimi e sua McLaren e por uma Ferrari malnascida e sem troca de pneus.
Nas duas temporadas seguintes, Alonso e Mourinho seguem no topo: o espanhol conquista o bi de forma épica, mesmo contra as mudanças de regulamento, que agora beneficiavam Schumacher e Ferrari, e se transfere para a McLaren em busca do tri, que lhe escapa literalmente por um ponto. Mourinho segue dominando em âmbito nacional (conquista o bi da Liga em 2006, e faz uma dobradinha nas Copas – da Inglaterra e da Liga Inglesa – em 2007), mas não consegue triunfar na UCL.
Ambos precisavam de mudanças, portanto.
Novas terras
Mourinho vai à Itália, assumindo a Inter de Milão: novamente se impõe, rapidamente triunfando nacionalmente e chegando ao ápice do mundo futebolístico com a Tríplice Coroa em 2010: Campeonato Italiano, Liga Italiana e Champions League. Alonso viveu dias distintos: regressou à Renault, que agora era mera sombra do passado. Lá acontece o bizarro caso do GP de Singapura, e 2009 é uma temporada sem nada pra mencionar, a não ser uma pole-position solitária que de nada adiantou.
Mas, num presente bom ou ruim, ambos tinham um alvo futuro: chegarem nas maiores instituições da história de suas respectivas modalidades: Alonso vai para a Ferrari no início de 2010 e Mourinho chega ao Real Madrid no verão europeu daquele ano. Ali, porém, suas carreiras tomariam rumos definitivos e, em certa medida, suas imagens estariam sedimentadas, podendo apenas ser lapidadas, mas nunca reformadas no futuro.
Alonso foi o primeiro piloto da Ferrari de 2010 a 2014, e Mourinho comandou o Real Madrid por três temporadas completas, de 2010 a 2013. Não se pode dizer, absolutamente, que algum dos dois tenha ido mal: Fernando conquistou 11 vitórias em Grandes Prêmios e terminou com 2 vice-campeonatos, em 2010 e 2012, novamente perdendo por muito pouco, como ocorrera em 2007. Diferentemente de lá, porém, ele jamais teve o melhor carro do grid, em 2012 praticamente operando milagre para em Interlagos quase vencer. E fez isso diante de uma Red Bull em seu auge (antes da era Verstappen), com Vettel conquistando cada uma das primeiras 4 temporadas, antes da ascensão da Mercedes.
Mourinho conseguiu feitos importantes apesar de o objetivo principal (a Champions League) não ter sido conquistado: Copa do Rei em 2011, Campeonato Espanhol em 2012 e Supercopa da Espanha em 2013. Os dois primeiros títulos representam muito, pois foram conquistados diante do Barcelona de Guardiola, para muitos a melhor equipe da história.
Mas o resquício, a mancha se deu mais pelas atitudes e relacionamento de ambos com seus dirigentes: a saída de Mourinho do Real Madrid foi conturbada porque ele forçou a quebra de contrato (que ia até 2016), sem multas e, como último ato, uma derrota na prorrogação para o rival Atlético.
Fernando Alonso foi além dos limites, superpilotou a Ferrari, mas 2013 foi a gota d’água, e suas atitudes públicas de crítica à Scuderia (somadas ao mal-estar interno pelo tratamento dispensado a Felipe Massa e seu staff nesse tempo todo) fizeram com que o contrato que ia até 2014 fosse um mero “cumprir tabela”, tendo agora o outrora rival Kimi Räikkönen ao lado – e superando-o de modo flagrante.
Regresso
2015 vê Alonso e Mourinho se reconciliando com o passado, ou tentando: o técnico volta ao Chelsea e o piloto volta à McLaren. No caso de Mourinho, era a chance de reascender ao topo; no de Fernando, era a possibilidade de continuar um projeto que havia sido abortado muito cedo. Fato é que ambos visavam o médio prazo.
Mourinho, novamente, vence o campeonato Inglês, mas não consegue ir além disso, desta vez. Já Alonso, amarga tempos ainda piores na McLaren, sequer indo ao pódio naquelas temporadas.
Porém, ambos enxergam oportunidades em ambientes próximos: Mourinho vai ao United, e Alonso sai da Fórmula 1, mas não da McLaren: representando a equipe, corre na Indy, liderando e ganhando a honraria de “Estreante do ano”. Mourinho conquista a Copa da Liga Inglesa e a Liga Europa. E Alonso vence as lendárias 24 Horas de Le Mans, desta vez pela Toyota.
Grandes momentos, mas talvez pouco para eles.
Império
Alonso esteve dois anos fora da Fórmula 1, e Mourinho treinou o Tottenham, o que é mais ou menos a mesma coisa que abdicar da disputa maior, como Alonso fez. Mas o destino agraciou ambos com oportunidades em locais menores, onde poderiam mostrar muito de seus potenciais: Alonso correu pela Alpine, voltando a pisar no pódio, e depois se mudou para a Aston Martin, fazendo isso com certa frequência. Mourinho foi treinar a Roma, levando a tradicional mas pouco vencedora equipe ao título da UEFA Conference League.
Com tais feitos, muito provavelmente Mourinho esperava nova oportunidade na primeira linha do futebol mundial, e seu nome foi mencionado na Seleção Brasileira. Alonso, com os imbróglios da Mercedes e a saída de Hamilton, imaginou-se correndo nas flechas de prata.
Mas o que pintou foi a renovação da Aston Martin para um e as sondagens de West Ham (e até um viral ligando-o ao São Paulo Futebol Clube…) para outro.
Tamanho histórico
Simbolicamente, como Portugal e Espanha na Humanidade, José Mourinho e Fernando Alonso conquistaram muito menos do que seu potencial – bélico, econômico, cultural e acadêmico, no caso das nações, talento natural e tenacidade, no casos dos nomes do esporte – lhes permitia.
Em algum momento da História, as mudanças de curso dos negócios e tudo que cerca Futebol e Fórmula 1, não souberam lidar com situações externas que, não imaginavam, sobreporiam suas capacidades.
Muitos anos atrás, fiz uma série de textos fazendo analogias entre grandes pilotos da F1 e craques do futebol. Na época, Alonso ainda na Ferrari, o comparei a Marco Van Basten. Certamente, o nível de pilotagem do espanhol encontra um paralelo perfeito com a genialidade do holandês.
Mas Van Basten infelizmente parou de jogar aos 28 anos. Nós estamos em 2024 e Alonso ainda corre em alto nível.
Assim, o mais justo é dizer que Fernando Alonso é o José Mourinho da Fórmula 1: he is the special one.
2 Comments
Feliz Dia das Mães para todas as mães do gepeto
Fernando Marques
Marcel,
Mourinho é um vencedor
Alonso é um vencedor.
Cada um com sua história e semelhanças.
A diferença entre semelhanças e a história de cada um é que considero o Alonso um fora de série.
Fernando Marques
Niterói RJ