Imensos desafios

Fernando Reutemann
10/03/2014
Temos um campeonato.
13/03/2014

Resistência, consumo, desempenho, pneus. Será fascinante ver a F1 se entender com tantos e tão intrincados desafios

Faltando 36 horas para a largada da temporada 2014 da F1, há imensos desafios a serem superados por pilotos, engenheiros e equipes. Vamos tentar hierarquizá-los?

O primeiro deles é dotar os carros da resistência necessária não só para enfrentarem um GP mas quatro deles, já que o regulamento pune as equipes que tiverem de usar mais de cinco motores ao longo da temporada, como explicado em minha coluna “Jornalistas têm de ser azedos”.

Nenhuma equipe está tranquila quanto à resistência dos seus carros, especialmente motores, tanto mais para quatro GPs, inclusive Mercedes, Williams e Ferrari, as três que mais acumularam quilometragem nos testes pré-temporada. A Mercedes viu seu câmbio quebrar duas vezes no último teste no Bahrein, o mesmo acontecendo com o motor do Ferrari de Kimi Räikkönnen.

Desafio equivalente é o do consumo de gasolina.

A regra imposta pela Fia é diabólica. No ano passado, os carros consumiam aproximadamente 215 litros de gasolina por GP. Neste ano, podem consumir apenas uns 135. A autoridade esportiva, porém, determinou os tetos de consumo usando uma medida de massa – quilos -, não de volume. No ano passado, os carros queimavam uns 160 kg de gasolina por GP; agora, só poderão usar 100 kg.

Por que uma unidade de massa? Para tentar minimizar uma polêmica que quase certamente se estabelecerá e que pode ser decisiva para o desfecho do campeonato: a densidade da gasolina. Quanto menos densa, mais litros “caberão” em 100 kg. Numa condição em que gotas de combustível podem fazer diferença no desempenho dos carros, vale o esforço de torna-lo menos denso sem, claro, perder seu poder detonante. Fala-se inclusive que os carros podem conter sistemas de refrigeração do combustível, de forma a fazer caber um pouco mais dele no mesmo espaço, como se fazia nos anos de ouro dos motores turbo, os engenheiros resfriando nos boxes a gasolina até zero graus, de forma que ocupasse menos espaço no tanque. Este recurso, no entanto, hoje é proibido pelo regulamento.

O desafio consumo não para aí e começa a se entrelaçar ao desafio resistência. O leitor talvez saiba que, ao ser injetada na câmara de combustão, a gasolina tem, durante um breve momento, um poder refrigerante. Num motor de altíssimo desempenho como o da F1, isso é levado em conta pelos engenheiros. Na medida em que a gasolina é severamente limitada, os engenheiros “emagrecem” ao máximo a mistura ar-gasolina. O efeito refrigerante é reduzido, os motores tornam-se mais quentes. Aí, o escapamento do Lotus Renault pega fogo, a Mercedes tem de redesenhar a saída de ar quente do motor de seu carro depois dos testes em Jerez, aumentando-a bastante, e Adrian Newey tem de rasgar às pressas saídas de ar na carroçaria do seu RBR. O maior calor do motor junta-se ao das baterias dos kers, tornando ainda mais agudo o desafio da durabilidade.

Mais um detalhe sobre o combustível: as autoridades esportivas fizeram instalar em todos os carros um sensor eletrônico que mede em tempo real o consumo de gasolina, de forma que saberão minuto a minuto a condição de cada carro.

Será que divulgarão esta informação ao vivo, pela TV, da mesma forma que têm informado a condição das baterias do kers?

Outra especulação: a presença de um safety car na pista reduz dramaticamente o consumo de gasolina durante a corrida. Teria a Fia coragem de colocar um safety car na pista apenas para permitir que os carros cheguem ao final da prova?

Em tempo: Melbourne é um circuito que demanda muito combustível.

Só depois de vencidos estes dois desafios, passaremos àquele que talvez seja o maior de todos: o desempenho dos carros.

O que se viu nos três testes até agora foi Mercedes e Williams se aproximando dos tempos de volta do ano passado, as demais equipes bem mais atrás, a ponto de Christian Horner temer que a Mercedes vença na Austrália com duas voltas de vantagem sobre a oposição. De fato, a equipe alemã parece ter esta capacidade, desde que seus carros não quebrem e não fiquem sem gasolina…

Se a maioria do grid precisar andar devagar, para preservar o equipamento ou para dispensar uma empurradinha no final por falta de gasolina, teremos GPs ou, na pior da hipótese, o campeonato decidido por quem melhor aplicar a regra áurea de Juan Manuel Fangio: vencer correndo o mais devagar possível.

Outro risco bastante provável encerrado neste desafio é vermos pilotos e equipes optarem por uma condução ultracuidadosa, evitando até as ultrapassagens pois elas demandam necessariamente mais consumo de gasolina. Estará armada a cama para críticas de todos os lados ao novo regulamento.

O quarto desafio, o desempenho dos pneus, terá de esperar pelo desfecho dos três primeiros para se tornar relevante. Neste ano, eles certamente não são tão frágeis quanto em 2013, a Pirelli optando por compostos de borracha mais conservadores. No entanto, os carros todos estão equipados com sistema de frenagem por cabo, gerenciado por um software que ainda não chegou ao seu ponto ideal. Muitos carros têm travado rodas na aproximação das curvas, precipitando o desgaste ou inutilização dos pneus, obrigando a pit stops extra.

Mais: os pilotos precisam ter em mente o tremendo torque dos novos motores, cerca de três vezes maior do que no ano passado. A batida de Kimi no primeiro teste no Bahrein aconteceu porque ele pisou forte demais enquanto o pneu traseiro do seu Ferrari ainda estava apoiado sobre a zebra, onde há menos aderência do que no asfalto. Ele simplesmente perdeu o controle do carro, indo direto para o guard rail.

Salvo distrações eventuais, como a de Kimi, não tenho nenhuma preocupação quanto ao desafio de adaptação dos pilotos à nova realidade da categoria. Eles, afinal, são os melhores pilotos do mundo.

A Renault tem explicado que seu maior problema reside no software de gestão dos motores elétricos. Por conta disso, a RBR teria destacado, quinze dias atrás, uma equipe de engenheiros pra trabalhar lado a lado com os da Renault em busca de uma solução.

Assim, se quiserem ser otimistas, é perfeitamente possível, dada a competência respectiva, que os RBR e outros carros com motores Renault voem em Melbourne. E se isso acontecer, aqueles que, como eu, apontaram Sebastian Vettel como favorito ao título de 2014 voltam ao jogo pois o RBR foi descrito por Jenson Button como sendo excepcionalmente rápido nas curvas.

Já quem quiser ser pessimista pode sacar os problemas da RBR com o novo sistema de frenagem. No Bahrein, Vettel viu o seu sistema de freios travar por conta própria, detonando seus pneus.

A equipe, pelo que se noticia, teve de recorrer à coirmã Toro Rosso, para tentar resolver o problema.

Boa temporada a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

13 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Penso eu que este excesso de tecnologia está tirando a graça de se ver uma corrida de Formula 1. São muitos os recursos tecnologicos e a impressão que tenho é que quem ganhar ou quem for campeão será aquele que melhor utilizá-los e não necessariamente o melhor piloto.
    Muito melhor era ver as tocadas do Emerson, Perterson, Lauda, Stuwart, Piquet, Mansel, Senna que derrapavam nas curvas e seguravam os carros … hoje qualquer vacilo neste sentido é guard rail na certa … nenhum piloto da atualidade tem capacidade de segurar o carro se ele derrapar na curva …
    Em todo caso, parece que uma nova era na Formula 1 se inicia e obviamente as expectativas estão enormes. E somente isso parece prender a nossa atenção a Formula 1. Não existe expectativas de vermos uma grande corrida e sim ficar esperando o que vai acontecer em razão desta nova tecnologia.
    Em todo caso estarei firme e forte em frente a TV vendo e acompanhando a temporada de 2014.
    Fico imaginando as tantas bobagens que ouviremos do Galvão face a tanta informação

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo Fernando!

      Lembro de um caso de um piazote de fora(Não me recordo o país) em que ele foi campeão de vídeo game e foi convidado a testar um carro de verdade, e aí esta na GP3 acho.

      Ou seja, já faz um tempo que estamos diante de uma geração eletrônica, e por isso que Schumacher com a idade em que estava não conseguia acompanhar o ritmo da piazada.

      Outra coisa, quero ver quanto tempo vai levar para o Barrichello começar com a choradeira de voltar a correr de F1.

      Abraço!!

      • Fernando Marques disse:

        Barrichello de volta a Formula 1? … Só no dia em que ele vencer uma corrida na Stock Car … hehehehehehe


        Pois é Mauro, geração eletrônica é o melhor significado para a Formula 1 atualmente. Perfeito …

        Fernando Marques

    • Mauro Santana disse:

      Pois é Fernando!

      Já pensou se o Massa vence a primeira do ano, será que o Galvão iria fazer igual fez nos EUA 1990.

      “Vamos ter música na primeira corrida, agora, 1, 2, 3, vamos…”

      rsrsrs

      Esse Galvão é uma figuraça!!!

      http://www.youtube.com/watch?v=zxTylNJw-gk

      Abraço!

  2. Enzo B. Bortolotti disse:

    Desculpa-me…..Muito obrigado!

  3. Enzo B. Bortolotti disse:

    Em que tubo de ventilacão eles se inspiraram nestas novas aerodinâmicas?!?!….Ou sã dados de computadores?!?!

  4. Allan disse:

    Aliás, salvo o desenho do bico escolhido pelas equipes – e quando digo bico é só a ponta, mesmo – de resto o desenho está muito melhor do que vi nos anos anteriores (e estou puxando, sei lá, desde 1994…). A Ferrari lembra bastante o bico de alguns bólidos dos idos de 74 a 76, com o castelo mais alto e um rebaixo para formar o bico. Enfim, muito melhor que a tábua de passar roupa que imperou em tempos recentes.

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo Allan!

      Os carros atuais ficaram mais bonitos que os tábuas de passar e bicos de tubarão!

      ABraço!

  5. Allan disse:

    Podiam aproveitar e extinguir o DRS, que agora não vai servir para nada. Quanto ao restante, para mim as medidas foram excelentes, uma vez que a F1 sem CAOS e elementos surpresas é sempre muito chata…

  6. Manuel disse:

    Caros,

    O ponto 6 me resulta absurdo ! Isso nao é um incentivo, é uma simples informaçao, contraria ao espirito de qualquer competiçao.
    O que a luz piscando vem a dizer ao piloto de atrás é : ” vá enfrente que eu nao posso me defender ! “. Com isso, uma das bases de qualquer competiçao, esconder o jôgo, desaparece !!!
    Muhammad Ali, num combate com Ken Norton, teve sua mandibula quebrada, mas conseguiu acabar o combate sem que ninguem soubesse disso. Que tería acontecido se Norton tivesse sabido disso ?
    Alguem imagina uma nota dizendo a Norton : ” Ali tem a mandibula quebrada ! )

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo Manuel!

      Realmente, é um absurdo esta tal sinalização para quem vem atacando.

      Esses elementos que são colocados nas regras, é de perder o tesão em certos momentos pela F1.

      Abraço!

  7. Edu disse:

    Algumas informações sobre a nova realidade da F1, que não couberam na coluna:
    1 – giro máximo do motor não é mais sinônimo de máxima potência. Os engenheiros já perceberam que a maior potência dos motores se verifica em um regime de giros abaixo do máximo aceito pelo regulamento.
    2 – Um turbocompressor atinge a beleza de 125 mil RPM.
    3 – A manutenção e conserto dos carros tornou-se um pesadelo para as equipe. A troca das baterias, que devem ser necessariamente instaladas no assoalho do carro, sob o tanque de gasolina, demanda três horas de trabalho, muito mais do que os mecânicos demoravam para trocar o motor inteiro.
    4 – Um motor de Fórmula 1 deve durar, idealmente, quatro GPs. Calcula-se que isso significa uns quatro mil km de vida útil. Ou seja: um motor de Fórmula 1 deve durar apenas um pouco menos do que o que se percorre nas 24 Horas de Le Mans.
    Nos anos 70, havia uma equivalência completa entre os motores de uma e outra categoria. os motores usados pela Ferrari e Matra eram iguais nas duas categorias, claro que com nível de preparação diferente.
    Isso significa algo? Será que no futuro próximo veremos de novo uma convergência virtuosa entre as categorias?
    5 – A fibra de carbono é condutora de eletricidade. Somada aos kers elas podem transmitir choques perigosos em quem toca os carros.
    Para minimizar este risco, foi instalado um conjunto de luzes logo atrás da cabeça do piloto. A luz verde indica que o carro pode ser tocado; a vermelha não. Há ainda a luz amarela, que sinaliza atenção e que, sinceramente não sei para o que serve.
    6 – A luz traseira dos carros passa a ter uma nova utilidade. Quando piscando, ela sinalizará que o carro está, naquele momento, com a bateria num estado que não permitirá ao piloto usar da força extra dos motores elétricos. O propósito é incentivar quem vem atrás a tentar a ultrapassagem.

    Abraços

    Edu

    • Fernando Marques disse:

      Vejam bem o excelente texto do Edu … todas as expectativas para domingo e toda a temporada estão no funcionamento dos carros e não se veremos um pega entre Alonso x Vettel ou Kimi x Alonso, Hamilton x Rosberg, Massa x Alonso (ja pensaram se Massa joga uma poeira no Alonso como vai ficar aquela famosa mensagem do radio) …

      Fernando Marques

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *