Imagem e aparência

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A história de um oficial russo encontra eco na tragédia que envolveu Jules Bianchi.

No dia 12 de abril de 1961, a União Soviética, colocava em órbita o primeiro ser humano: o cosmonauta Yuri Gagarin. Com isto a URSS, uma vez mais, tomava vantagem sobre os EUA na então chamada “corrida espacial” e deste modo mostrava ao mundo as suas excelências. No entanto, o cosmonauta que originalmente estava escalado para tal missão era o jovem Valentin Bondarenko.

Contudo, alguns dias antes, num dos últimos testes prévios ao lançamento, um triste acidente provocou o incêndio da capsula, causando-lhe gravíssimas queimaduras que o levaram à morte em poucas horas. Entretando, o episódio foi mantido no mais absoluto segredo e nenhuma informação transcendeu. As autoridades queriam, a toda custo, oferecer uma aparência de normalidade e preservar a imagem idílica do socialismo que se pretendia apresentar ao mundo.

Portanto, aquele acidente poderia abalar tudo isso e, assim, o mais conveniente foi ocultar o acontecido. Se passaram quase 3 décadas até que, no fim dos anos 80 e devido ao fracasso do socialismo, se inicia o desmoronamento da URSS e o assunto, finalmente, sai à luz pública, deixando exposto que tudo havia sido uma miserável manobra com o único objetivo de manter uma falsa imagem e aparência.

Alguns dias depois do grave acidente do piloto Jules Bianchi no passado GP do Japão, o presidente da FIA, Jean Todt, solenemente, anuncia a formação de um chamado “painel” para investigar tal acidente. Durante a conferência de imprensa em Sochi, Jean Todt disse que, em cumprimento de uma encomenda sua, Whiting pediu ao presidente da comissão de segurança da FIA (Peter Wright) que formasse um painel de especialistas que estudasse o acontecido em Suzuka. Quer dizer: Todt pede a Whiting, o cara que, possivelmente, tenha implicações nos acontecimentos, que escolha aqueles que devem formar o tal painel que estudará esse mesmo acidente!

No dia 20 de outubro, a FIA, em sua web oficial, anuncia a composição desse painel e diz a nota que: “O grupo fará uma completa revisão do acidente para um melhor entendimento do acontecido e proporá novas medidas que reforcem a segurança dos circuitos“. Resulta curioso que, desde o principio, a principal preocupação da FIA tenha sido o futuro, justo agora que um jovem piloto ficou privado do seu.

Ingenuamente pensei que a tal investigação teria como propósito, em primeiro lugar, depurar as possíveis responsabilidades derivadas do acidente e, só depois, pensar no futuro e corrigir as possíveis deficiências encontradas. Contudo, parece que pulam diretamente à segunda fase, o que não me faz abrigar muitas esperanças de que o assunto tenha um tratamento adequado à gravidade dos fatos.

Neste tipo de investigações é lógico esperar que aqueles que se ocupam da tarefa tenham, não apenas umas qualidades e conhecimentos que os tornem idôneos para acometer o trabalho, mas principalmente, que estejam dotados de uma credibilidade e imparcialidade além do toda dúvida. Sobre a primeira exigência aos membros do tal painel, não me atrevo a opinar. No entanto, sobre a segunda, creio que há alguns pontos que promovem sérias dúvidas a esse respeito.

A composição do painel ficou assim:

Peter Wright – presidente da comissão de segurança da FIA e presidente deste painel;

Roger Peart – presidente da comissão dos circuitos da FIA;

Ross Brawn – engenheiro e ex-diretor de várias escuderias;

Stefano Domenicali – ex-diretor da escuderia Ferrari;

Eduardo de Freitas – Diretor de corridas do WEC;

Antonio Rigozzi – juiz da corte internacional de apelação da FIA;

Gerard Saillant – presidente do instituto da FIA e da comissão médica;

Gerd Ennser – representante chefe de fiscais da FIA;

Alex Wurz – ex-piloto e parceiro da FIA na academia de jovens pilotos;

Emerson Fittipaldi – ex-piloto e presidente da comissão de pilotos da FIA e fiscal;

Como vemos, dentre os 10 membros designados, 8 deles tem vinculo direto com a FIA e a maioria deles vivem muito bem graças a esse mesmo vinculo. Inclusive, o presidente da comissão de segurança da FIA – Peter Wright – é quem preside este painel. Quer dizer: que o cara que preside o painel que deve investigar o acidente de Suzuka e sugerir futuras melhoras na segurança, é o mesmo que preside a comissão cuja razão de existir é, precisamente, se ocupar dessa mesma segurança! (ou acaso… não se ocupavam?)

Os outros dois – Brawn e Domenicalli – são bons amigos de Todt, de quem foram companheiros na Ferrari durante dez anos. Assim, me parece que há um claro conflito de interesses que pode afetar a imparcialidade imprescindível nestes casos. Enfim, me parece que o que se buscou neste painel foi mais afinidade do que idoneidade, e gente que lhes guarde as costas a Todt e Whiting.

No caso concreto de Brawn e Domenicalli, me resulta difícil conceder-lhes credibilidade suficiente. Em minha anterior coluna eu dizia que a culpa do ocorrido era da FIA e sua desídia ao permitir a continua violação por parte dos pilotos do regulamento no que às bandeiras amarelas se refere. No entanto, os diretores de equipe, neste caso Brawn e Domenicalli, tampouco estão isentos de sua parte de culpa pois, que eu saiba, nenhum nunca disse aos seus pilotos que moderassem a velocidade nesses casos sendo, assim, coparticipes nessa violação do regulamento.

Respeito de Brawn, sua credibilidade e imparcialidade são ainda mais duvidosas quando lembramos das vitórias e campeonatos conseguidos com carros ilegais ou graças à vista grossa da FIA. O último desses casos ocorreu o ano passado com os testes ilegais de pneus da Mercedes, quando Brawn mandou à pista seus pilotos com capacete preto para não serem reconhecidos e, assim, não chamar a atenção (será que a informação obtida então não ajudou ao seu atual domínio?).

Assim, como uma deficiência de credibilidade normalmente suscita suspeitas, a composição do tal painel não me reconforta muito. Ainda menos se temos em conta que o tal painel esta subordinado ao chamado instituto da FIA, ficando submetido a seus estatutos. Concretamente, em seu artigo 7, uma de suas disposições estabelece que: “Independentemente de qualquer papel ou cargo, privado ou profissional, coincidente com suas funções de representante do instituto da FIA, tais representantes atuarão unicamente em prol do melhor interesse do instituto da FIA quando na realização de suas funções por ou em representação do instituto da FIA”.

Puxa, eu me sentiria mais confiante se o artigo dissesse que suas atuações deveriam ser em prol… da verdade! Esses estatutos, em seu artigo 5, também estabelecem que, na seleção dos integrantes de painéis do tipo que nos ocupa, o comitê executivo terá em consideração as habilidades, conhecimentos e experiência requeridas para cumprir sua tarefa. No entanto, creio que se fosse assim, a presença neste painel de Jackie Stewart estaria mais do que justificada, pois Stewart possui uma longa trajetória na luta por uma maior segurança na formula 1 e, junto a Sid Watkins, possivelmente seja a pessoa que mais melhoras introduziu para aumentar essa segurança. Famoso foi o boicote que Stewart promoveu ao circuito de Spa em 1969 por sua falta de segurança.

A Stewart se devem avanços como os cintos de segurança, o capacete integral etc, portanto, se a designação para o tal painel fosse só por questão de méritos, creio que Stewart tem de sobra. Contudo Stewart tem algo contra si: teme que careça da afinidade buscada. Há tempos Stewart vem criticando a FIA em muitos campos (organização, regulamentação ou segurança).

Stewart, por exemplo, foi muito duro em suas criticas sobre o acontecido no GP da Áustria de 2002, quando Todt comandava a Ferrari. Ou quando um novo presidente devia ser eleito para ocupar o lugar de Max Mosley, inclusive apoiando a candidatura de Ari Vatanem em detrimento de Todt, dizendo que o francês apenas representava a continuidade de Max. Assim, não é surpreendente a ausência de Stewart (que eu saiba, nem foi convidado).

Repito que não julgo a capacidade e aptitudes dos membros do tal painel. Porém, a integridade dos homens se determina por seu comportamento, não por suas aptitudes e aqui mais de um membro me suscita dúvidas respeito a essa integridade. Assim, como até a verdade, se não esta coberta de credibilidade, pode perder veracidade, creio que a presença de tanta gente tão vinculada à FIA e entre eles mesmos, não promove boas sensações.

Particularmente, teria preferido não ver a Emerson Fittipaldi nesse painel pois, ainda que méritos também lhe sobram (recordo sua valentia quando se recusou a participar no GP da Espanha de 1975, ou seu abandono nas voltas inicias do GP do Japão de 1976, em ambas ocasiões precisamente por motivos de segurança), creio que se lhe chamou apenas por ser um dos mais queridos campeões da época dourada da formula 1 e, com sua presença, dotar o painel de certa notoriedade e respeitabilidade, além de promover simpatias entre os aficionados.

Desde o principio, Whiting disse que os pilotos não haviam reduzido sua velocidade sob as bandeiras amarelas (ou não o suficiente), porem, sem assumir nenhuma responsabilidade no fomento desse comportamento entre os pilotos, ao permiti-lo durante anos. Inclusive nos dias sucessivos, até um possível meio para impedir este comportamento foi comentado por ele mesmo, como a implantação de um limitador de velocidade dos carros nos setores do circuito que estejam sob bandeiras amarelas, e este sistema logo recebeu o apoio dos pilotos.

Hamilton disse que o problema das bandeiras amarelas é que todos os pilotos procuram perder o menor tempo possível e um sistema assim aliviaria a pressão sobre eles. Alonso e Vettel, também se mostram favoráveis pois as distâncias entre os pilotos se manteriam e Ricciardo disse que: “Se é igual para todos e aumenta a segurança, nós não vamos reclamar“. Assim, se o problema já era sabido (incumprimento do preceito da bandeiras amarelas) e a solução já foi sugerida e bem recebida pelos pilotos (limitador de velocidade), qual é o propósito do tal painel?

Agora o único que lhe resta por fazer ao painel é determinar as possíveis responsabilidades de todos os implicados no triste acontecimento. Porém, não sou muito otimista respeito a este ponto, pois a FIA logo disse (antes inclusive de se formar o painel e de iniciar suas investigações!) que não se havia cometido nenhum erro, que acidentes infelizmente acontecem, que não há ninguém que culpar e do que se trata é de olhar para frente e não para trás.

Mas… vamos dar uma olhadinha atrás: Numa prova da Sportcar na Bélgica em 2011 um mecânico foi atropelado e morto e todas as equipes logo pediram uma redução da velocidade no pit lane até os 60km/h. Então Whiting disse que não haviam argumentos suficientes para rebaixar esse limite de velocidade, e este se manteve nos 100km/h. Assim, tivemos que assistir como um operador de câmara no GP da Alemanha de 2013 era alcançado e ferido por uma roda solta, para que o tal limite fosse rebaixado para 2014.

Desta vez, em Suzuka, tivemos que ver como um jovem piloto quase perde a vida e se encontra num estado lamentável (e queira Deus que não de forma permanente) para que alguma medida se tome. Será que só a existência de vitimas de acidentes televisados é capaz de instar a FIA a que atue?

Em minha coluna anterior, eu já mostrava minhas reticências sobre a credibilidade deste tipo de investigações e a composição do painel não me produz nenhum alívio. Menos ainda considerando que o artigo 9 dos supracitados estatutos, referido à confidencialidade, submete os membros do painel ao compromisso de manter em segredo todas as informações às que tenham acesso e tudo quanto se diga em suas reuniões.

Portanto, como aconteceu no caso de Bondarenko, temo que tudo esteja subordinado à conveniência e o tal painel seja apenas outra miserável manobra para seguir mantendo uma imagem e aparência, ainda que a custa de outro jovem.

Abraços e boas festas a todos.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

6 Comments

  1. Paulo C. Winckler disse:

    Prezado Manuel.
    Na verdade, eu é que lhe agradeço suas gentis palavras. Minha opinião , a respeito de sua excelente Coluna é mais do que justa e merecida.
    Fico muito feliz que nossas modestas opiniões , sirvam de incentivo para a sua inestimável contribuição ao GPTotal , tão úteis e significativas para o enriquecimento de nossos conhecimentos , a respeito do Esporte que tanto amamos .
    Gostaria de acrescentar também , que o conteúdo de suas exposições , refletem o seu grande conhecimento sobre o Automobilismo de Competição e de modo especial , sobre a F1 .
    Um grande abraço e com os votos de um Feliz Natal e Próspero Ano Novo.

    Paulo C. Winckler.

  2. Paulo C. Winckler disse:

    Prezados Amigos do GPTOTAL.

    Gostaria de parabenizar o GPTOTAL , que ao longo desses anos todos, modernizou-se , porém, sem perder a sua essência e por manter um alto nível de análises e comentários , tanto de parte de seus ilustres Colunistas, bem como , dos demais Gptos ,que o enriquecem com suas informações complementares e comentários que , em muito ajudam , a construir e melhorar esse excelente canal que é o GPTOTAL; Entretanto , como já foi dito , sem perder a sua essência e que na minha opinião é o seu maior e grande legado.

    Desta vez, manifesto-me em apoio e congratulações ao Sr. Manuel Blanco e sua maravilhosa Coluna , intitulada “ IMAGEM e APARÊNCIA “. A eloqüência de seus relatos e opiniões, pouco espaço deixam para comentários, à não ser , praticamente o óbvio ; Que infelizmente a política está presente em todas as esferas do relacionamento humano , e de modo especial , em relação ao Automobilismo de Competição , vivemos uma utopia ao acreditarmos e esperarmos que, por ter ele em sua essência primordial , o ESPORTE , passaria incólume à sanha política . Ingênuo engano nosso …

    Quanto à presença de nosso ilustre e querido Emerson Fittipaldi , na composição do mencionado Painel, mesclo orgulho com um certo receio e descontentamento , por sua participação, principalmente ao considerar o Artigo 7 , dos estatutos do Instituto FIA, muito bem exposto por nosso Colunista., Sr. Manuel Blanco. Por outro lado, sou da opinião de que não existem “ex-pilotos “ , pois a velocidade está em seu sangue e de uma forma ou de outra , estarão por toda a sua vida, envolvidos com o Esporte a Motor. Desse modo, como seu fã incondicional, desejo todo o sucesso possível ao nosso Pioneiro e Campeão Emerson Fittipaldi ( embora modestamente ele negue esse título ) , seja na função que for , dentro do Automobilismo de Competição e o Esporte Motorizado em geral .

    Desejo à toda a Família GPTOTAL , um FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO! Forte abraço,

    Paulo C. Winckler

    • Manuel disse:

      Caro Paulo,
      Agradeço imensamente suas amáveis palavras. Sao mensagens como este seu o que nos faz seguir adiante. O que nos impulsa a encontrar o tempo necessário ( a custo de renunciar a outras coisas ) para expôr nossas opinioes e compartilhar nossos modestos conhecimentos com todos os distinguidos leitores e amigos do GPtotal.

      Uma vez mais obrigado e até sempre.

      um abraço, Manuel

  3. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto Manuel

    Parabéns!!!

    E faço minhas as palavras dos amigos Lucas e Fernando.

    Estive presente no autódromo aqui de Curitiba e realmente o povão ficou super contente com o título do Barrichello.

    Realmente foi uma bela festa.

    Parabéns Rubens!!

    Abraço a todos!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Lucas Giavoni disse:

    Querido Manuel,

    O texto brilhantemente arquiteta uma trama em que teremos, sim que ficar pessimistas quanto a possíveis punições. É um alerta daqueles!

    Quando o acidente ocorreu, a única coisa que eu pensei de imediato é que as investigações deveriam ocorrer como nos acidentes aéreos. Todos os fatores (1) teriam que ser levados em consideração (eu mesmo poderia elencar, porém a chance de esquecer um ou outro fator seria grande – é por isso que várias mentes devem pensar o ocorrido).

    Em seguida, de acordo com os fatores levantados, elencam-se (2) os que foram determinantes para que o acidente acontecesse. Então distribui-se (3) a responsabilidade de cada um no ocorrido, seja pessoa ou instituição e seus responsáveis.

    E finalmente teríamos as recomendações (4) para que tal acidente não se repita futuramente.

    O texto mostra de maneira categórica que tudo está sendo feito para que o foco seja voltado para o último dos estágios, o de recomendações – sendo que a própria FIA havia falhado nisso!

    Acidentes aéreos são investigados por órgãos independentes e isentos. A FIA investigando a FIA é como o provérbio romano que perguntava: Quem vigia o vigia?

    Abração e parabéns pelo alerta tão lúcido!

    Lucas Giavoni

  5. Fernando Marques disse:

    MAnuel,

    politica e esporte não se combinam … este painel formado para “investigar” o acidente do J. Bianchi tem caráter político e nada vai revelar … está claro ainda mais com as suas considerações expostas acima … concordo com tudo … parabens …
    O chato disso tudo, sem duvidas é a questão da sobrevida do Bianchi, pois este acidente manchou com sangue, uma temporada que foi até emocionante e legal de acompanhar durante o ano …


    Aproveito aqui para registrar o meu contento com o titulo da Stock Cars conquistado pelo Rubinho Barrichello neste domingo. Independente de seu regulamento, que a meu ver nivela por baixo carros e equipes, e que fez do campeonato uma loteria … foi muito bacana ver a felicidade do Rubinho e Cia no podium … num ambiente bem mais tranquilo, amigável e menos politicamente correto que o da Formula 1 … a alegria do Rubinho estava contagiante …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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