Imprevisível como nunca, o vencedor de sempre

Campeão com asterisco
30/07/2020
Grande Hotel Abismo
05/08/2020

Assim que terminou o GP da Inglaterra deste domingo, lancei o desafio no nosso afamado grupo de WhatsApp: já houve um vencedor de uma corrida de F1 com três rodas operando? Depois de algum tempo, Mario Salustiano se lembrou de Jim Clark vencendo em Watkins Glen/1967 com a suspensão traseira quebrada e o pneu bem torto. Já Márcio Madeira e o Edu Correa sacaram da cartola a famosa vitória de Emerson Fittipaldi no GP da Espanha em 1973 com um dos pneus murcho. Ou seja, em mais de mil corridas, o que vimos hoje em Silverstone foi bem raro e demonstra o bom do esporte, que é a imprevisibilidade, mesmo com a F1 fechando todas as brechas para isso.

Porém, o vencedor não mudou na última volta. Lewis Hamilton dominou a prova com uma facilidade gritante, a Mercedes alguns patamares à frente do único rival dessa temporada, a Red Bull de Max Verstappen. Nas voltas finais vários pilotos relataram fortes vibrações dos seus pneus duros, resultando em três explosões nas últimas voltas: na ordem, Bottas, Sainz e o líder Hamilton na última volta. Enquanto as imagens ainda mostravam Sainz indo aos boxes com seu pneu dianteiro em frangalhos, não se mostrou o exato momento em que Hamilton teve o seu pneu também explodido: ainda na reta Wellington. Significando que o inglês teria que percorrer praticamente uma volta inteira com o pneu dechapado e com a suspensão podendo quebrar a qualquer momento. Pânico para o inglês? Nem tanto. Hamilton levou o seu Mercedes negro rumo à bandeirada de forma cuidadosa e o suficiente para vencer por meros 6s.

O detalhe foi que Max tinha acabado de fazer um segundo pit-stop apenas duas voltas antes, fazendo com que sua desvantagem para Hamilton aumentasse para decisivos 34s. Max perdeu a corrida por uma opção errada da Red Bull? Nada disso. Christian Horner revelou que os pneus duros retirados do carro estavam rasgados e poderiam explodir a qualquer momento. A parada custou a vitória para o holandês, mas ele também poderia ter tido um destino igual aos das duas Mercedes. Nunca saberemos o que teria acontecido se Max e a Red Bull tivessem ficado na pista.

Pelo que se leu até agora, pode-se imaginar um GP épico em Silverstone, mas a realidade foi outra. Na maior parte do tempo, a corrida foi morna, chata e que lembrou de certa forma o esquecível Grande Prêmio da França do ano passado, quando a F1 entrou em crise por ter nos ‘brindado’ com uma exibição tão ruim naquela quente tarde em Paul Ricard.

Nem mesmo as duas entradas do safety-car apimentaram uma corrida que tinha um script bem desenhado desde a largada. Hamilton e Bottas trocavam o tempo da melhor volta lá na frente, como se querendo entreter um ao outro. Max perguntava ao seu engenheiro se ele estava bem hidratado, tamanha era a monotonia de sua prova solitária. Leclerc não era ameaçado, enquanto McLarens, Renaults e Lance Stroll brigavam pelas posições restantes da zona de pontuação. Tudo muito bem, tudo muito sem graça.

Como falado anteriormente, as equipes da F1 tentam ao máximo fechar todas as brechas para que surpresas não destruam as corridas dos seus pilotos. O grande charme das corridas de antigamente era que a qualquer momento alguma quebra tiraria o líder da corrida. Havia corridas em que o líder despachava o resto e mal aparecia na TV, como aconteceu hoje com os dois carros da Mercedes. Contudo, o risco de quebra era muito maior e havia uma certa expectativa se o carro aguentaria até o final.

Com o conhecimento adquirido em setenta anos, a F1 já faz alguns anos constrói carros praticamente inquebráveis. Testes de fadiga e de qualidade são feitos a exaustão, somado a incansáveis simulações em computador. Não há como desaprender e nenhum chefe de equipe irá mandar projetar carros que quebrem apenas para dar emoção à corrida. Eles querem que o carro chegue ao final sempre e com os testes de durabilidade nas mãos, sabem que o piloto pode andar naquele limite, pois o carro raramente irá quebrar. Por isso que a imprevisibilidade vista hoje veio de uma das poucas peças que não são mecânicas ou eletrônicas: os pneus.

A Pirelli informou às equipes que os pneus duros aguentariam 34 voltas. O acidente de Kvyat ocorreu na volta 13, fazendo com que a maioria do grid procurasse o box para colocar pneus duros. A relargada aconteceu seis voltas mais tarde, ou seja, ainda restavam 33 voltas para o final. Teoricamente, os pneus aguentariam o tranco, mas não foi o visto. A Pirelli deverá ter muito o que se explicar às equipes, mas os fãs da F1 agradeceram penhoradamente pelo final insano desse domingo.

Com todos os problemas à sua frente, Charles Leclerc levou a Ferrari ao segundo pódio de 2020. Nada mal para uma equipe do pelotão intermediário. Sim, já podemos afirmar com todas as letras que a Ferrari está no pelotão intermediário e nesse momento a luta dos italianos é com McLaren, Racing Point e Renault para ser a terceira força de 2020, mas muito distante de Mercedes e Max. Vettel teve uma corrida abaixo do medíocre, tomando ultrapassagem de Pierre Gasly e Esteban Ocon, só pontuando por causa dos incidentes das últimas voltas. Vettel pode entrar no rol de Kimi Raikkonen, que hoje recebeu a bandeirada em último, atrás das Williams: a de ex-piloto em atividade. Somente uma vaga na Racing Point pode salvar o futuro de Vettel na F1, mas estar nessa equipe ao lado de Lance Stroll pode ser um perigo. Não por causa do talento do canadense, mas pela forma como ele é favorecido dentro do time do papai. Hoje, Nico Hulkenberg não largou por causa de um parafuso dentro da embreagem do seu carro. Alguém imaginaria isso acontecendo no carro de Lance Stroll? Não deixa de ser uma derrota para a F1 um piloto tão fraco estar numa equipe com um bom carro apenas pelo dinheiro investido pelo pai bilionário.

Para recomeçar seus jogos, a NBA colocou suas estrelas em reclusão no complexo da Disney e faz testes regulares em todas as pessoas envolvidas nas equipes para que ninguém contrair o Coronavírus. Simplesmente ninguém sai da Disney! A FIA prometeu um rigoroso protocolo para que a F1 pudesse viajar pelo mundo e realizar suas corridas, mas na prática isso não está acontecendo. Bottas e Leclerc não esconderam que foram para as suas respectivas casas em Mônaco entre as duas corridas em Spielberg.

Na quinta-feira, a Racing Point anunciou que Sergio Pérez havia contraído o coronavírus e o mexicano teve que ser substituído de forma apressada por Hulkenberg. Revendo como foram as duas últimas semanas de Pérez, viu-se que o mexicano visitou sua mãe em seu país natal (muito atingido pela Covid-19) e foi visto passeando com sua esposa na Itália. E onde estaria o tal rígido protocolo da FIA? Já pensaram se quem fosse proibido de correr em Silverstone fosse Lewis Hamilton? As regras frouxas da FIA para o controle dos seus pilotos ainda poderá causar sérios danos a um campeonato que já está estranho por natureza.

Helmut Marko deve coçar sua cabeça quando olha Max Verstappen largando em terceiro e seu companheiro de equipe Albon em 12º. Na corrida as coisas para o tailandês não melhoraram muito, quando se envolveu num incidente na primeira volta com Kevin Magnussen e chegou a cair para último. Sendo um dos poucos a terem trocado de pneus duas vezes, Albon era um dos mais rápidos nas últimas voltas, mas isso lhe proporcionou poucos pontos e ele ainda terminou atrás da Alpha Tauri de Pierre Gasly, que fora rebaixado por Marko ano passado. A Red Bull simplesmente não tem pilotos para secundar Verstappen, lembrando que Daniil Kvyat destruiu seu carro ao se distrair enquanto mudava configurações em seu volante…

O maluco campeonato desse ano lembra bastante o ano de 2004, quando a Ferrari não tomou conhecimento das rivais. Até o ano anterior, Williams e McLaren eram os grandes rivais da Ferrari, mas erraram a mão em 2004 e a Ferrari deitou e rolou, com doze vitórias nas treze primeiras corridas.

Outro ponto em comum está dentro da equipe dominadora. Na liderança da equipe, está um piloto multi-campeão e super talentoso, com a equipe trabalhando para ele. Ao seu lado, um bom piloto, rápido, que pode bater seu incrível companheiro de equipe em situações pontuais, traz bons pontos para a equipe e fica dizendo que pode ser campeão, mesmo que ninguém acredite nisso. Rubens Barrichello é muito mais piloto do que Bottas, mas os dois passam por situações idênticas.

Michael Schumacher teve o mérito de liderar a Ferrari num dos momentos mais conturbados da história do time rosso, mas o alemão só saiu de sua zona de conforto por um contrato milionário (afinal, ninguém é de ferro) e se a Ferrari trouxesse todo o staff vencedor da Benetton. Quando a turma de Schumacher assumiu, junto com Jean Todt, o time de Maranello se destacou e conseguiu sua maior dominação na F1. Lewis Hamilton não tem o mesmo estilo de liderança de Schumacher, mas foi escolhido a dedo por Niki Lauda para ser uma peça importante na forte equipe que estava montando ao lado de Toto Wolff.

Hoje, a Mercedes tem uma das equipes mais entrosadas, fortes e dominantes da história da F1, além de Hamilton contar com a sorte de, mesmo quando a imprevisibilidade ataca a F1 de forma quase inédita, Bottas não marca pontos e vence a corrida com três pneus. A sorte dos grandes campeões.

Abraços!

João Carlos Viana

 

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC Viana

    Não resta duvidas que o melhor conjunto carro/piloto se Mercedes/Hamilton … ainda mais com a ajuda da sorte …
    Penso que a RBR chamou o Verstappen no final o pit stop apenas para ele tentar e conseguir a melhor volta da corrida … e que arrumaram uma boa desculpa para o azar que deram …
    Agora me responde esta indagação do Vettel: quem está errado: Ele ou a Ferrari?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • João Carlos Viana disse:

      A Ferrari está passando por uma fase lamentável e Vettel está sem confiança na sua pilotagem e sem apoio de sua equipe. A confiança é fundamental para um atleta de elite e, além do carro ruim, essa falta de confiança está minando cada vez mais os resultados de Vettel. Uma pena. Para quem ver o alemão no começo da década passada e olhar agora nem parece a mesma pessoa.

Deixe um comentário para Fernando Marques Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *