Lenda – 1ª parte

Hamilton 2021 na Inglaterra
Hamilton, Hamilton, super Hamilton!
19/07/2021
Driven, 20 anos
26/07/2021

Era um rapaz comum. Baixo, magro, moreno.

Fisicamente nada nele chamava a atenção, exceto uma perna mais curta que a outra.

Resultado de um coice, quando tinha 5 anos. Para que perdesse o consequente e natural medo do cavalo, seu pai jogou uma moeda de ouro entre as patas do animal e o encorajou a pegá-la, o que ele fez.

Essa experiência foi determinante na sua vida, como veremos ao longo de sua carreira.

 

Aproveito para sugerir que não faça esforço para identificar o personagem-tema, testando seus conhecimentos sobre o esporte a motor. Observe sua obra primeiro.

 

O pai e o tio eram ciclistas e se destacaram em algumas competições, inclusive dominando uma competição internacional em Nice, na França. O tio era revendedor de uma importante marca de motocicletas e costumava levar o garoto na garupa. Assim foi natural ele se interessar em participar de algumas competições de moto. Mas quando resolveu fazer isso regularmente pilotou motos de outras marcas.

O pai era um homem do campo, agricultor além de criador de cavalos, mas não era rico a ponto de poder bancar motos de ponta.

Alguns bons resultados resultaram em um contrato com uma equipe profissional, mas ele não se deu bem com o piloto que já estava na equipe e acabou dispensado após algum tempo.

Já interessado em automóveis, participa de uma prova em estrada, traçado perigosíssimo, sucessão de curvas constantemente ladeando abismos sobre o mar. Sai várias vezes da pista, por pouco não despenca em um desses, até que um pneu sai de uma roda e ele capota, indo parar em um fosso. O mecânico que o acompanhava fica desacordado. Ele pede ajuda aos espectadores e é atendido (era permitido). Arrumam como podem o carro. Mas não tem como substituir o pneu que escapou. Os outros estão imprestáveis. Seu assento ficou inutilizado e, pior, não tem mais volante. O modo que ele encontra de voltar a virar a coluna de direção é com uma chave inglesa. E é assim que ele vence sua primeira prova com carros: sem assento, com um mecânico desmaiado, uma chave inglesa no lugar do volante, rodando sobre os aros das rodas.

Nas motos, obtém duas vitórias com uma 500cc competindo contra motos de 1000cc e assim chama a atenção da marca com que seu tio tinha ligação, que oferece um lugar em sua equipe oficial. Tinha 28 anos e já era casado.

Bom negócio para os dois. Ele encontrou um caminho particular que levava às vitórias.

Talvez a mais marcante tenha sido em um GP de Monza. Ele se acidentou feio nos treinos, grave a ponto de quebrar as duas pernas. Que naturalmente foram engessadas, acompanhadas do aviso de que precisaria permanecer em repouso por um mês antes de…. voltar a andar!

Nem pensar em montar em uma moto.

No dia seguinte, ele chega à linha de partida amarrado à moto, amparado pelos mecânicos.

Terá que pilotar com o gesso e, logicamente, se cair poderá sofrer danos irreparáveis.

A segunda surpresa é que o esforço e o risco compensam, porque ele vence. Claro que ao chegar aos boxes tem que ser amparado novamente pelos mecânicos, que naturalmente se tornam seus admiradores incondicionais.

 

 

Torna-se campeão nacional nas categorias 500cc e 350cc, além de Europeu nesta última, mas a vontade de correr regularmente em carros se impõe. E assim, aos 32 anos, começa a participar das categorias mais sofisticadas da Europa, em um tempo em que pessoas com dinheiro, algum talento e muita coragem podiam comprar um carro competitivo e arriscar suas vidas em ambientes totalmente desprovidos de segurança.

Obtém alguns resultados encorajadores, mas nenhuma proposta das equipes de ponta.

Três anos depois, ele vende a propriedade agrícola que tinha herdado do pai e compra carros razoavelmente competitivos para fundar sua própria escuderia. Poderia escolher como companheiro alguém que não tivesse a menor chance de se equiparar a ele, mas convida seu maior rival no motociclismo, doze anos mais jovem.

Não poderia iniciar de modo mais auspicioso: vence na prova de estreia. Vence também a segunda prova, após um duelo com um dos pilotos mais famosos da época, favoritíssimo, e outras duas de menor importância. Mas logo percebe que os principais concorrentes têm carros mais modernos e que vai ser difícil repetir esses sucessos nas provas internacionais. Com muito esforço dá para chegar ao degrau mais baixo do pódio, o que ele consegue em uma delas.

 

 

Após dois anos como equipe independente, a marca dominante o convida e ele aceita. Mesmo com seu rival mais jovem já brilhando lá.

É como se Prost aceitasse correr novamente na mesma equipe que Senna, do ponto de vista de rivalidade. Aos 37 anos.

No ano seguinte, ambos participam de uma das provas de maior prestígio da época.

Uma prova longuíssima percorrendo estradas locais, um traçado lotado de armadilhas, abismos de um lado barranco de outro, multidões apinhadas nos lugares mais críticos, e um longo trecho noturno.

E já anoiteceu quando chega ao trecho final. Está em segundo, o rival lidera com boa folga.

Toma uma decisão ousadíssima: apaga os faróis. Mesmo no escuro, não se sabe como, consegue ir se aproximando do ponteiro. Faltando três quilômetros para a chegada emparelha, sorri para o colega, acende os faróis e dispara na ponta.

Conforme disse um concorrente famoso, naquela noite ninguém o venceria, tinha feito um pacto com o diabo.

Dois anos depois, em outra prova de estrada tão difícil e perigosa quanto, ele protagoniza outro truque digno de raposa sênior.

Na época, os pilotos corriam acompanhados de um mecânico, que poderia funcionar como navegador. Ele pediu ao chefe da equipe que conseguisse um mecânico de peso corporal equivalente ao seu, e foi atendido. Explicou ao novato que quando se aproximasse de uma curva difícil iria gritar para que o rapaz não se assustasse e assim pudesse se atirar ao fundo do carro, para maior proteção.

A dupla saiu vencedora. Quando o chefe da equipe perguntou ao mecânico como tinha sido sua experiência, o rapaz disse que o piloto tinha gritado do começo ao fim e dessa forma ele passou a prova toda encolhido embaixo do painel. Será que o que o piloto queria era abaixar o centro de gravidade do carro?

Ele continuava participando de algumas provas de moto e assim foi competir na icônica Tourist Trophy, com uma máquina inglesa potentíssima. Vence e após a entrega do troféu alguém pergunta o que ele tinha achado dos freios. Ele responde que não tem uma opinião formada porque não os usou muito.

 

 

Alguns anos depois, existem duas equipes dominantes na categoria máxima do automobilismo. Muito mais dominantes do que Mercedes e Red Bull neste ano. Ele está na terceira força, que tecnicamente estava mais atrás que a Ferrari do ano passado.

Tinha ocorrido uma mudança de regulamento e essas duas dominantes se prepararam com boa antecedência, ambas com investimentos colossais, algo inédito.

Esse piloto foi visto batendo com a mão na carroceria, como se chicoteasse um cavalo de corrida, em plena reta, tal sua vontade de alcançar os ponteiros.

E é no inferno verde, a antiga Nurburgring, que ele irá obter um resultado espantoso.

Mesmo com um carro nítida e comprovadamente inferior, ele persegue os ponteiros desde o início, andando sempre no limite – ou mesmo além dele – o tempo todo. Para complicar um pouco mais, no momento do reabastecimento um dos mecânicos quebra a bomba e a equipe é obrigada a improvisar, causando um atraso aparentemente irrecuperável.

Mas ele está longe de se dar por vencido. Máxima concentração, máximo empenho, dá tudo de si e do que o carro tem a oferecer.

Os concorrentes, um a um, vão cedendo terreno diante de tanta consistência em nível tão alto e ele obtém uma vitória consagradora.

Pouco antes de uma prova extracampeonato realizada nos Estados Unidos, com as principais equipes europeias enfrentando equipes americanas, ele recebe a notícia de que um de seus filhos, com dezoito anos de idade, tinha morrido. Sua equipe o deixa inteiramente livre para escolher se participa ou não.

Ele decide correr e, contrariando todos os prognósticos, vence, batendo todos os favoritos.

No ano seguinte uma dessas equipes dominantes perde seu principal piloto. Alguém que poderia ser comparado hoje a Max Verstappen, o único da equipe capaz de tirar o máximo de um carro potencialmente vencedor mas dificílimo de dirigir. Quem poderia substitui-lo? Nosso piloto tem uma reputação sólida, mas… conta 46 anos de idade! Não se discute sua habilidade e determinação, mas terá ainda disposição para domar esse garanhão chucro?

Mesmo assim ele é o escolhido e corresponde, vencendo um GP da Inglaterra.

 

 

Parece pouco para merecer se tornar uma lenda mundial no automobilismo? Existem 4 músicas compostas em sua homenagem.

Volto a falar sobre ele em nosso próximo encontro, em 16 de agosto.

 

Abraços

 

Carlos Chiesa

 

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

9 Comments

  1. Fernando de Carvalho disse:

    Bom dia,

    Aguardo ansioso, uma história fabulosa, também não revelarei o piloto, claro, digno de aplausos e lembranças.

    Obrigado por compartilhar.

    Fernando de Carvalho

  2. Denise Costa disse:

    … que delícia podermos ler uma história tão bem contada !!!! Melhor ainda é saber que esse misterioso herói existiu, de verdade … Aguardo ansiosamente a continuação dessa história tão inspiradora e tão cheia de vida !!!!

  3. Fernando marques disse:

    E eu também.
    Chiesa muito show de bola.
    Um suspense pra mim. Será que minha memória anda falha? Afinal são tantas as histórias.
    Mas não vou dizer quem é. Como disse … dúvidas … Vou esperar ansiosamente pelo final.
    Taí gostei

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos disse:

      Legal, Fernando Carvalho. O foco não está no mistério, mas na possibilidade analisar a obra.
      Saber o nome pode gerar um viés.

    • Carlos disse:

      Fico feliz que você gostou. Como expliquei ao seu xará, esta é uma oportunidade de analisar a obra, independente da imagem do autor dela.

  4. Mauro Santana disse:

    Show de história, Chiesa!

    No aguardo da continuação.

    Abraço

    Mauro Santana

  5. wladimir disse:

    Uma sugestão, Carlos: publique áudios ou vídeos com as 4 músicas que homenageiam il mantovano volante.

  6. wladimir disse:

    Boa tarde a todos.
    il mantovano volante!!!
    As duas dominantes eram Mercedes e Auto Union, o homenageado corria de Alfa Romeo?
    “Para o homem mais rápido do mundo o animal mais lento.”
    Se já era difícil sobreviver ao inferno verde e vencer com carros de F1 dos anos 60 e 70 imagine naqueles monstros da época (anos 30) sem cinto de segurança e vestindo uma tira de couro recheada de cortiça na cabeça.

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