Leia o início da lenda aqui: https://gptotal.com.br/lenda-1a-parte/
Quer mais detalhes para avaliar melhor?
Imagine um carro despojado de tudo que é supérfluo. Um motor enorme, em linha, frequentemente com compressor. Potência chegando a 540HP ou mais. Câmbio manual, seco, uma alavanca de metal plantada no assoalho do carro. Impensável para os carros de corrida de hoje.
Pneus estreitos, similares ao de um carro de passeio atual. Direção sem nenhuma assistência, a não ser um volante grande. Não tem parabrisa, capota, cinto de segurança, barra anti-capotagem, extintor de incêndio. Suspensões duras, zero conforto. Freios a tambor. Instrumentos básicos. Ou seja, o automobilismo em estado puro.
Agora imagine você com uma roupa comum, camisa, calça, sapatos e, fazendo as vezes de capacete, uma espécie de touca de pano amarrada embaixo do queixo. Goggles, aqueles óculos usados pelo Barão Vermelho e outros ases da aviação pré era do jato, destinados a proteger os olhos do vento e insetos, mas aliados perigosos de pedras voadoras.
Você dispara por circuitos sem guard-rail, sem zona de escape, sem barreiras de proteção, cercados por árvores, espectadores, paredes de casas comuns. Sem bombeiros. Sem assistência médica especializada.
Isso na melhor das hipóteses.
Na pior, estradas de terra, onde animais poderiam cruzar a sua frente a qualquer momento. Lamaçais. Retas em descampados onde uma rajada de vento um pouco mais forte pode te jogar para fora da estrada com razoável facilidade.
Vai encarar?
Vamos supor que você encara e gosta. Passa a desenvolver técnicas de condução.
Você percebe, por exemplo, que a facilidade com que esse tipo de carro derrapa pode se tornar uma vantagem.
Você descobre um modo de escorregar controladamente, contornando determinadas curvas em menos tempo. Uma vez, duas vezes… a maior parte da corrida?
Depende, porque obviamente os pneus sofrerão desgaste diferente do habitual e uma troca de pneus não prevista pode jogar todo seu esforço no lixo.
Então você precisa desenvolver modos de administrar todos esses fatores, mantendo a concentração e ainda se defender dos adversários, principalmente quando tinham equipamento superior.
Havia uma percepção de que este piloto era uma espécie de louco, tinha um desrespeito aos riscos completamente irresponsável.
Era por isso que vencia tanto? Nada mais equivocado. Ele estudava a fundo todos os fundamentos e as possibilidades do carro que iria pilotar. Procurava com afinco as melhores possibilidades de ganhar tempo. Nos treinos era comum andar com metade do carro pelas beiradas dos traçados, para antecipar possíveis reações a imprevistos, anotando mentalmente as características do piso em cada trecho.
Evidente que ele corria riscos minuciosamente calculados. Sem computador nem simulador.
Consta que uma vez um dirigente de equipe levou um jornalista especializado para dar uma volta na pista, depois do treino final. Esse jornalista, que ainda não tinha visto esse piloto correr, comparou as marcas de pneus na pista e notou que havia uma que demonstrava uma trajetória diferente em um determinado ponto. Concluiu que elas representavam um traçado errado, que só poderia levar a acidente.
Pois esse piloto seguiu esse traçado no dia seguinte e venceu, sem acidente, sendo o mais rápido nesse trecho.
Os membros das equipes costumavam gostar dele. Não apenas porque trabalhavam para um piloto que “nunca poderia ser considerado derrotado antes da largada”, mas porque ele compartilhava os prêmios em dinheiro, na época um ativo importantíssimo.
Não havia nenhum tipo de patrocínio minimamente similar aos de hoje, logo dar condições para um piloto como esse vencer era o melhor negócio possível para qualquer equipe.
E a ele só interessava a vitória. Tudo o mais, exceto a família, era secundário.
Uma evidência disso é que em 30 anos de carreira obteve 72 vitórias, com desproporcionais 17 segundos lugares.
Nuvolari è basso di statura, Nuvolari é baixo de estatura
Nuvolari è al di sotto del normale Nuvolari está abaixo do normal
Nuvolari ha cinquanta chili d’ossa Nuvolari tem cinquenta quilos de osso
Nuvolari ha un corpo eccezionale Nuvolari tem um corpo excepcional
Nuvolari ha le mani come artigli, Nuvolari tem as mãos como garras
Nuvolari ha un talismano contro i mali Nuvolari tem um talismã contra o mal
Il suo sguardo è di un falco per i figli, Seu olhar é de um falcão para os filhos
i suoi muscoli sono muscoli eccezionali! Seus músculos são músculos excepcionais!
Gli uccelli nell’aria perdono l’ali quando Os pássaros no ar perdem as asas quando
passa Nuvolari! passa Nuvolari!
Quando corre Nuvolari mette paura… Quando corre Nuvolari impõe medo…
perché il motore è feroce mentre taglia porque o motor é feroz quando corta
ruggendo la pianura rugindo a planície
Gli alberi della strada As árvores da estrada
strisciano sulla piana, rastejam na planície
sui muri cocci di bottiglia as paredes de cascos de garrafa
si sciolgono come poltiglia, se derretem como mingau
tutta la polvere è spazzata via! toda a poeira é varrida longe!
Quando corre Nuvolari, quando passa Nuvolari, Quando corre Nuvolari, quando passa Nuvolari,
la gente arriva in mucchio e si stende sui prati, as pessoas chegam de montão e se espalham
pelos prados quando corre Nuvolari, quando passa Nuvolari, quando corre Nuvolari, quando passa Nuvolari,
la gente aspetta il suo arrivo per ore e ore as pessoas esperam sua chegada por horas e
horas
e finalmente quando sente il rumore e finalmente quando se escuta o rumor
salta in piedi e lo saluta con la mano, ficam de pé e o saúdam com a mão
gli grida parole d’amore, lhe gritam palavras de amor
e lo guarda scomparire e o veem desaparecer
come guarda un soldato a cavallo, como se vê um soldado a cavalo
a cavallo nel cielo di Aprile! a cavalo no céu de Abril!
Nuvolari è bruno di colore, Nuvolari é moreno de cor
Nuvolari ha la maschera tagliente Nuvolari tem a máscara cortante
Nuvolari ha la bocca sempre chiusa, Nuvolari tem a boca sempre fechada
di morire non gli importa niente… morrer não lhe importa nada…
Corre se piove, corre dentro al sole Corre se chove, corre para o sol
Tre più tre per lui fa sempre sette Três mais três para ele dá sempre sete
Con l’ “alfa” rossa fa quello che vuole Com a Alfa vermelha faz o que quer
dentro al fuoco di cento saette! Dentro do fogo de cem raios!
C’è sempre un numero in più nel destino Tem sempre um número a mais no destino
quando corre Nuvolari… quando corre Nuvolari…
Quando passa Nuvolari ognuno sente il suo Quando passa Nuvolari cada um sente
cuore è vicino seu coração perto
In gara Verona è davanti a Corvino Na corrida Verona é diante de Corvino
con un tempo d’inferno, com um tempo de inferno,
acqua, grandine e vento água, granizo e vento
pericolo di uscire di strada, perigo de sair da pista
ad ogni giro un inferno A cada volta um inferno
ma sbanda striscia è schiacciato Mas derrapa, sai da pista e é esmagado
lo raccolgono quasi spacciato! o recolhem quase morto!
Ma Nuvolari rinasce come rinasce il ramarro Mas Nuvolari renasce como renasce o lagarto
batte Varzi, Campari, bate Varzi, Campari,
Borzacchini e Fagioli Borzacchini e Fagioli
Brilliperi Brilli Peri
e Ascari.. e Ascari
Os nomes citados são de alguns dos principais rivais – italianos – da época.
É a letra da mais conhecida canção feita em sua homenagem, décadas depois de sua morte.
Por ela podemos ter uma idéia do quanto ele ainda significava para a Itália, seu país natal.
Esta “Nuvolari” foi composta em 1976 por Lucio Dalla, expoente da música italiana em passado recente, e o poeta Roberto Roversi.
Há outra, de 1930, composta por Primo Lucchi e Raoul Casadei, fundador de uma famosa orquestra que levava seu sobrenome. Segundo este último, a dupla estava observando a Mille Miglia. Entre a passagem de um carro e outro surgiu o tema. Preocupados em não perder o que estavam criando e sem outros meios, anotaram letra e música no papel que embrulhava seus sanduíches. Mais à frente nessa década o trio das irmãs Lescano lançou “Arriva Tazio”.
Em 2007 o cantor e compositor Sergio Bassi lança a canção “O Mantuano Voador”, em seu álbum Cavallo Pazzo.
Entre 2000 e 2017 existiu na Italia um canal de TV com o nome Nuvolari, naturalmente dedicado ao esporte-motor. Existem outros tipos de homenagem.
O Cisitalia 202 Spider Mille Miglia dos anos 1940 ficou conhecido como 202 MM Nuvolari.
Em 1996 a Alfa Romeo lançou o Nuvola e o Audi Nuvolari apareceu em 2003.
Há uma história em quadrinhos intitulada “Aquele diabo do Nuvolari”, de 2008, escrita por Davide Bregola e ilustrada por Alessandro Sanna cujo tema é a espetacular vitória no GP da Alemanha de 1935.
Enzo Ferrari disse: “ninguém concilia como ele uma incrível sensibilidade sobre o carro e uma coragem não humana”. Para ninguém menos que o Dr. Ferdinand Porsche, responsável pela última equipe de Grand Prix para a qual competiu, era simplesmente “o maior piloto do passado, do presente e do futuro”. Achille Varzi, amigo e maior rival, o considerava “não um mestre, mas um artista”.
Tazio sempre achou que acabaria morrendo nas pistas e Achille não. O primeiro sofreu muitos e graves acidentes, o segundo apenas dois, o último fatal. Mas o destino fez outra opção.
Com a saúde debilitada após tantos acidentes e tanto tempo respirando gases dos motores, com uma paralisia do lado esquerdo da face, Tazio Giorgio Nuvolari faleceu no dia 11 de agosto de 1953, aos 61 anos, em sua cama.
Vamos para os anos 60, no Brasil. Início da indústria automobilística brasileira.
Você já ouviu falar da Equipe Willys? Do sucesso que fazia com a berlineta Interlagos?
Seu piloto mais famoso, Bird Clemente, se destacava por saber perfeitamente como guiar em derrapagem controlada, impressionando público e crítica por trocar de marcha no meio da curva.
Coincidência?
Boa semana
Carlos Chiesa
4 Comments
Eu imaginei vários outros, fiquei surpreso em saber que se tratava do Nuvolari. E, nossa, não pensei que era uma lenda tão fodástica assim. A forma como você escreveu as duas partes me instigou muito a imaginação, pois na minha mente fantasiei cada detalhe que você descreveu, seja do carro, do ambiente ou da forma como ele pilotava. Foi quase como ler um livro. Muito boa mesmo as duas colunas, parabéns cara.
Olá Fernando. Você é muito gentil e por isso um grande, enorme estímulo pessoal para continuar explorando estes aspectos esquecidos do automobilismo. Como pode comprovar, não era importante descobrir a identidade do piloto mas, sim, prestar atenção em sua obra. Frequentemente Nuvolari e seus contemporâneos são esquecidos quando se tenta elaborar uma lista dos melhores de todos os tempos.
Acho injusto. Forte abraço
Achei tão legal a sua coluna que fiquei tipo o que vou comentar depois de ler.
Por isso eu sou fã do GEPETO. Sempre aprendendo, conhecendo a história do automobilismo e sempre me emocionando.
Equipe Willys. Imagino o que de muito bom vem por aqui.
Fernando Marques
Chiesa
Aplausos
Muitos aplausos pra você e sua sensacional coluna
Nuvolari é lenda.
Aplausos.
Detalhe. Não pensei em Nuvolari na primeira parte. Imagina a minha surpresa e emoção ao acabar de ler a parte.
Fernando Marques
Niterói