Murphy em Interlagos 2

Papéis invertidos
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Leia a 1ª parte desta coluna: https://gptotal.com.br/murphy-em-interlagos-1/

A primeira impressão foi que Pace havia errado na frenagem ao tentar se defender de Hunt. Porém, os acontecimentos posteriores mostrariam que a verdadeira causa tinha sido a recente recapagem da curva. O próprio Pace anteriormente havia comentado ao respeito que “É sempre feito na última hora, então essa correria de última hora e improvisações são difíceis”. Aquele trabalho havia sido feito apenas uns dias antes, deixando o asfalto sem tempo para que estivesse bem curado e em condições adequadas, de modo que, quando submetido a um escaldante calor, os seus componentes mais voláteis começaram a ressumar, formando na superfície uma película viscosa muito escorregadia, e onde apenas a estreita trilha deixada pelos carros nas voltas anteriores era razoavelmente segura. Aquelas palavras de Carlos resultariam premonitórias, enquanto que Lauda depois da corrida diria que aquilo parecia “gelo negro”!

A corrida continuaria, e como uma aranha que tece a sua rede esperando apanhar alguma incauta presa, a curva 3 estava à espreita das suas. Porém, não seria necessário esperar muito, pois já na volta onze chegaria a primeira vítima: Vittorio Brambilla, cujo Surtees seria o primeiro a comprovar a resistência do muro. Na seguinte volta seria a vez de Jochem Mass, quem até então mantinha o terceiro lugar. O alemão, após haver derrapado uns metros ao passar pelo óleo deixado na pista por Sckeckter, entra um pouco aberto na curva, tentando recuperar o controle do carro. Porém, seus esforços são em vão e o McLaren continua em frente escorregando em direção da alambrada até ficar preso nela. Andretti vinha logo atrás do alemão, mas salva a situação e segue adiante. No entanto, Regazzoni, em sua tentativa de se desviar dos restos da alambrada que haviam caído na pista, escorrega e acaba arrebentando seu Ensign contra o Surtees do italiano.  Depailler, vinha na continuação e consegue superar a curva, mas já na saída dela, derrapa e fica atravessado na pista. Laffite também passa a curva, evitando chocar com seu compatriota, mas então aparece o Tyrrell de Peterson por ali também se deslizando desgovernado em direção ao muro. Assim, quatro carros ficavam lá mesmo, felizmente, sem consequências para os pilotos.

Assim, tínhamos a dois dos quatro brasileiros que participavam no GP, situados nos últimos lugares, ainda que por pouco tempo, pois Alex Ribeiro abandonaria por problemas de motor na volta 16.

A corrida continua e logo os temores dos técnicos da GoodYear se tornariam realidade a partir da volta dezenove, quando Emerson Fittipaldi entra no seu box para trocar pneus. Felizmente, o brasileiro sai à pista sem perder a posição. Hunt, que vinha mantendo a liderança com boa vantagem sobre Reutemann, começa a ver como o argentino crescia nos retrovisores a consequência da degradação dos seus pneus dianteiros. A Reutemann lhe bastaria outras três voltas para colar na traseira do inglês e na volta 23 já assume a liderança da prova. Por sua parte, Depailler havia perdido o sexto lugar quando entrou no seu box na volta 21 para trocar um pneu, e tentando sair da última posição na que se encontrava ao sair do box, acabou derrapando na curva três, para se juntar aos carros que ali já estavam no muro. Hunt, com os pneus nas últimas e temendo não acabar a corrida, entra nos boxes na volta 24 para a sua iniludível troca, o que lhe representou retornar à pista em quarta posição, atrás de Reutemann, Pryce e Watson. Em depoimento posterior, Alastair Caldwell, o diretor técnico da McLaren, diria que, durante os treinamentos livres anteriores à corrida, logo perceberam que a pista lavada resultava muito abrasiva, mudando o comportamento dos carros e que, apesar de tentar ajustar estes às novas condições, já temiam que os pneus dianteiros não durassem toda a corrida… Como assim foi.

Com pneus novos, Hunt se lança à perseguição do irlandês, quem também começava a sofrer com seus pneus, e o superaria na volta 26. Durante a tenaz persecução, o britânico marcaria a volta rápida da prova com um tempo de 2:34”55 ( único piloto a baixar de 2:35” ). Na seguinte volta Watson derrapa na curva do cotovelo e Lauda lhe arrebata a quarta posição, enquanto Emerson vinha em sexto e se aproximava ao irlandês. Nessa mesma volta a curva três reclamaria a sua seguinte vítima: Jacques Laffite. O francês vinha a bom ritmo e tratando de recuperar as posições perdidas durante a sua parada no Box da volta 21, mas entrou forte demais na curva e acabou espatifando seu Ligier no muro. Com este já eram seis os carros que lá se acumulavam!

Na volta 28, seriam Gunnar Nilsson e Hans Binder as vítimas da abrasão da pista, e os que entrariam nos boxes para trocar pneus, mantendo ambos as suas posições. Na frente, as seis primeiras posições se mantinham até que, quatro voltas mais tarde seria a vez de Watson de “prestar contas” à curva três. Com o Brabham, já tínhamos sete carros no muro, deixando apenas dez pilotos ainda em contenção. Porém, logo seriam ainda menos quando, duas voltas depois, Binder abandona por problemas na suspensão e os freios. Sem Binder, Pace, que vinha em último lugar desde o seu retorno à pista, e com todos os numerosos abandonos, se encontra na nona posição e com apenas Ingo Hoffman, Renzo Zorzi e Gunnar Nilsson à frente, portanto chegar ao sexto lugar e garantir um pontinho não parecia descabido com várias voltas ainda pela frente.

No entanto a curva 3 tinha uma conta pendente com o brasileiro e, na volta seguinte, quando Pace cai novamente em sua armadilha, desta vez a “3” não deixa que o brasileiro escape como o havia feito anteriormente, enviando-o direto ao seu já nutrido muro. Assim, com o Brabham de Pace, eram oito os carros que terminavam a corrida no muro da curva três. Curiosamente, por essas ironias da vida, 8 era o número que exibia Pace em seu carro.

Foi uma lástima, pois Tom Pryce abandonaria nessa mesma volta com problemas de motor, o que teria deixado Carlos mais perto de conseguir seu objetivo. Assim, as posições se manteriam até a bandeirada final, pois ainda que Fittipaldi se aproximasse a Lauda e parecia que poderia lutar com o austríaco pelo último dos lugares de honra, um pneu furado na última volta frustra as suas esperanças de pódio e, com a volta perdida, Emerson tem que se resignar à quarta posição. O pódio seria ocupado por Reutemann, Hunt e Lauda, enquanto que por trás de Emerson, viriam Nilsson e Zorzi na mesma volta e Hofmann com uma volta menos.

Desta maneira terminava o GP do Brasil de 1977, o último que seria disputado em Interlagos em sua configuração original e, infelizmente, último também para Carlos Pace.

Não há dúvida de que foi um Grande Prêmio muito atribulado, pois dos 22 pilotos que largaram apenas sete deles conseguiram cruzar a linha de chegada. Dentre os 15 restantes, nada menos que oito deles não viram a bandeira quadriculada devido a haver sofrido um acidente… No mesmo ponto do circuito: a curva 3. Podemos até concluir que os pilotos que terminaram a prova, foram aqueles que conseguiram “burlar” a tal curva, pois os abandonos por motivos mecânicos se inscreviam dentro da normalidade da época.

Tampouco podemos duvidar de que a decisão de recapar e de lavar a pista partia de uma boa intenção. Porém, por boa que seja uma intenção é necessário que a esta lhe acompanhe o bom senso, caso contrário os resultados buscados são muito prováveis que não sejam alcançados e nem mesmo resultem os desejados. Isto foi exatamente o que aconteceu naquele angustioso GP do Brasil, que acabou confirmando a famigerada lei de Murphy, que estabelece que “Se algo pode sair mal… Sairá mal!”.

E à vista dos acontecimentos… Sai mal mesmo !

Um abraço a todos e até a próxima

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Manuel, seus textos são sempre magníficos.

    Grande abraço!

    Mauro Santana

  2. Rubergil Jr disse:

    Belíssimos textos!
    Mas acredito que há uma incorreção aí. 1977 não foi o último ano de F1 no Interlagos antigo, foi em 1980 a última prova lá .
    Abraços!

    • Manuel disse:

      Obrigado pela correçao, Rubergil.

      Efetivamente, a prova de 1980 foi em Interlagos, ainda que estivesse programada para ser em Jacarepaguá.

  3. Fernando Marques disse:

    Manuel Blanco,

    mais uma vez não tem como te elogiar pela lembrança da ultima corrida no circuito original de Interlagos. E parabéns … a história muito bem contada em todos os seus detalhes … vale lembrar que naquela época, o asfalto abrasivo de Interlagos sempre era criticado … De certa forma o GP do Brasil de 1977 acabou sendo uma corrida épica, transformando a curva 3 em quase um depósito de ferro velho de tanto carro amassado …
    E vale ressaltar a corridaça de José Carlos Pace, sempre com muita raça e categoria naquela que conforme desejo do destino foi a sua ultima corrida …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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