O resto… veio depois

Onde foi, como foi, por que foi?
02/04/2018
Novamente, Bahrein
07/04/2018

Na coluna passada, Marcel Pilatti falou com melancolia sobre o estágio atual em que a Williams se encontra, e puxou na história qual foi o momento em que a lendária equipe iniciou sua decadência. Como ele disse, no entanto, entre os anos 80 e 90 a Williams era, de fato, um mito da Fórmula 1. E hoje iremos começar a entender “como foi” que esse patamar foi atingido.

Don Munson havia sido broker no negócio do petróleo durante os convulsos anos 70, quando o preço do barril passou de menos de 3 dólares a mais de 20, logo após a guerra do Yom Kippur, em 1973. Munson, soube se posicionar muito bem no mercado e chegou a ganhar uma verdadeira fortuna com seus hábeis investimentos. Assim, sendo já milionário e sem problemas de dinheiro, Munson se dedicou à sua verdadeira paixao : a arte. Nos seguintes anos, Munson acumularia uma respeitável coleçao de obras de arte de todo tipo que incluia pinturas, esculturas, móveis, cerâmica, etc.

Certo dia, com motivo de uma entrevista que Munson havia concedido a um jovem jornalista, quando este se apresenta em sua mansão, Munson o recebe cordialmente e o convida a dar uma olhada à coleção que tanto orgulho e satisfação lhe proporcionavam. Conforme recorriam às diferentes estâncias e salas da mansão, Munson lhe dava detalhes de alguma delas, e o jovem jornalista ia ficando cada vez mais impressionado ao contemplar tantas maravilhas das mais variadas disciplinas artísticas, até que, em certo momento, entusiasmado, pergunta a Munson: “Mas o que é que o sr. começou a colecionar primeiro?

Então, Munson, com certa condescendência, responderia: “Olha, o primeiro que eu comecei a colecionar foi dinheiro. O resto… veio depois!

No principio dos anos 60, havia em Londres, precisamente no bairro de Harrow, um apartamento que compartilhavam varios jovens e cujo aluguel cobriam em conjunto. Todos eram entusiastas do automobilismo e procediam de familias abastadas como era o caso de Charlie Chrichton-Stuart, Anthony “Bubbles” Horlsey, Jonathan Williams, Charles Lucas  ou Piers Courage. Todos… menos um tal Francis Owen Garbatt Williams, ou simplesmente Frank Williams. Frank havia abandonado a escola aos 17 anos par ir trabalhar numa garagem, onde adquiriu conhecimentos de mecânica surgindo então sua paixão pelos automóveis. Apesar de sua origem humilde, Frank foi aceito no grupo e pagava apenas uma pequena cota do aluguel, pois dormia no sofá. Aquele apartamento chegaria a ser famoso, pois não era raro que, entre corrida e corrida, por ali passassem pilotos como Roy Pike, Chris Irwin, Richard Atwood, Jochem Rindt ou Denny Hulme. Tampouco era raro ver belas senhoritas por ali.

Dentre aqueles amigos, Jonathan e Piers pareciam ser os que mostravam melhores dotes para se converterem em pilotos de sucesso. Assim, quando em 1963, Jonathan, decide se aventurar nos monopostos e compra um Lotus 22 de Fórmula Júnior,  Frank abandona o trabalho que tinha então como representante das sopas Campbell, para acompanhá-lo como seu mecânico pelos diversos circuitos da Europa. A inquietude de Frank logo o levou a comerciar com carros de formulas menores e seus componentes. Assim, comprando e vendendo, conseguiria dinheiro suficiente para adquirir um velho Brabham de F3 com o que competiria em algumas corridas de 1964, alternando o carro com seu amigo “Bubbles” Horsley. Em 1965, Frank participa novamente em algumas corridas de formula 3 com um Cooper que havia comprado a Graham Hill, mas só terminaria em duas delas. Nesse mesmo ano de 1965, Charlie Chrichton-Stuart venceria a temporada argentina de formula 3 para, logo após o nascimento de seu primeiro filho, abandonar a competiçao para se dedicar a ser piloto de jets privados para executivos (Charlie havia sido piloto de bombardeiros na RAF).

O negócio de compra-venda funcionava bastante bem e para 1966, Frank compra um Brabham BT18 com ajuda financeira de Chris Irwin, um daqueles assíduos ao apartamento de Charlie. Contudo os resultados são medíocres e Frank percebe que era muito melhor nos negócios do que ao volante e abandona a competição para fundar a “Williams Racing Cars Ltd.“, no início de 1967, especializando-se na venda de Brabhams. Frank logo ganha uma boa reputação pois, além de comprar e vender bólidos, dispunha de umas amplas instalações em Slough, onde também oferecia serviço de preparação e completa restauração dos carros de segunda mão. Para então, dezenas de carros passavam por suas mãos e seu entusiamo pela competição o leva a formar sua própria equipe, com seu amigo Piers Courage como piloto. Courage, sempre havia sido quem mais destacava dentre seus velhos companheiros de apartamento e com a boa amizade que os unia, Piers logo aceitou a proposta de Frank.

Para disputar o campeonato de formula 2, o carro seria um Brabham BT23C com o que Courage conseguiria um 2º lugar, 3 terceiros e um quarto, classificando-se em 6º lugar, enquanto que na copa Tasman, com um McLaren M4A, Piers venceria em Longford, terminando terceiro no campeonato, atrás de Jim Clark e Chris Amon. As boas qualidades como piloto mostradas por Piers, logo promovem em Williams ambiciosos planos para o futuro e, para 1969, Frank decide nada menos de que participar na Tasman Cup, na Formula 2 e entrar na Formula 1, sempre com Brabham.

Frank e Courage

A temporada começa com a disputa da Tasman Cup, onde Piers, com um Brabham BT24, novamente termina terceiro, atrás de Chris Amon e Jochen Rindt, vencendo em Teretonga. Na formula 2, Piers participa em quatro provas com o Brabham e a última com um DeTomaso, sem pontuar em nenhuma. Seu outro piloto, Derek Bell, também com oum BT24, terminaria em 5º lugar no campeonato. Para a formula 1, Frank tentou comprar um Brabham BT26A oficial que lhe foi negado. Nem Jack nem Tauranac estavam dispostos a ceder o seu novo modelo a ninguém. No entanto, Frank não se deu por vencido, e acabou sabendo que um desses chassis havia sido vendido a um piloto aficionado do British Club Racing com a intenção de adaptá-lo à formula Tasman. Sem perder tempo, Frank foi ver o tal piloto e acabou convencendo-o a que lhe vendesse tal chassi. Deste modo, Frank só teve de montar um motor Cosworth naquele chassi e já dispunha de um carro igual aos oficias.

Com uma receita muito apertada, Frank não acode ao primeiro GP da temporada na Africa do sul mas, quando se apresenta  na Espanha, Jack ficou furioso ao ver seu BT26A e, sentindo-se enganado por Frank, já não lhe venderia nenhum outro carro. Apesar de contar com menos recursos que a equipe oficial e apenas em sua segunda corrida com aquele Brabham, Piers seria 2º em Mônaco. Com outro 2º lugar e dois quintos a equipe de Frank já era tomada muito a sério. Frank sabia que sem poder contar com Brabham, tinha de encontrar logo outro carro. Então, durante o GP da Itália, Frank conhece um milionário de origem argentino chamado Alejandro DeTomaso, que construía em Modena carros sport e GT, Seus carros haviam participado em algumas corridas de formula 1 no principio dos anos 60 e ele aspirava a retornar à formula 1. Assim, tínhamos por uma parte a Frank, desesperado por conseguir um carro e, pela outra, a DeTomaso ansioso por participar de forma estável na máxima categoria do automobilismo, portanto, um acordo logo foi alcançado: DeTomaso, lhe forneceria três chassis e deixa à sua disposição os serviços do jovem e talentoso engenheiro Gian-Paolo Dallara, seu projetista, enquanto que Frank aportaria os motores Cosworth e assumiria as demais despesas.

Porém Frank, pensava a mais longo prazo. DeTomaso estava casado com uma rica norte-americana relacionada com a família da automobilística Ford, portanto se conseguiam atrair a atenção da empresa com bons resultados, Frank estava seguro de que o dinheiro logo chegaria. Para se concentrar na direção da equipe, Frank fecha seu negócio e busca patrocinadores para afrontar a temporada de 1970. Infelizmente, o DeTomaso 505/38 resultou ser pesado e pouco competitivo e, ainda que Piers conseguiria colocá-lo nas posições médias do grid, nas primeiras quatro corridas da temporada, não chegaria a terminar em nenhuma delas. Para a disputa do GP da Holanda, Piers logra um meritório nono lugar no grid e durante a corrida se mantinha em 7º até, que na volta 22, ao passar pela rápida curva Tunnel Oast, Piers perde o controle do carro (possivelmente devido à rotura da suspensão) e se arrebenta no terrapleno que bordeava a curva com tanta violência que o carro se desintegra ao instante para, de imediato, ficar envolto em chamas. A morte de Piers afetou muito a Frank e desanimou a DeTomaso, quem dissolveu sua associaçao com Williams no fim da temporada.

Em breve continuaremos esta história.

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Fantástico, Manuel!!

    Que venha a sequência!

    Abraço

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    magnifico!!! … A historia de Frank Willians merece ser contada … e ninguém melhor que você …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *