Oppenheimer e suas convicções

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Oppenheimer é um filme com várias leituras possíveis. Uma delas é sobre convicção – a força que move alguém em direção a um objetivo – e convicção é um elemento decisivo na constituição de um Grande Senhor das Pistas.

Usei esta expressão em meu livro Fórmula 1 Pela Glória e Pela Pátria, de 1994, para definir um tipo de piloto que, além de reunir dotes técnicos, esportivos, profissionais e humanos extraordinariamente elevados, impõe-se pela força das suas convicções e os resultados que produzem às equipes e à própria categoria, acendendo o imaginário popular, às vezes bem além dos limites do próprio esporte.

Na F1, os exemplos mais evidentes de Grandes Senhores das Pistas são Juan Manuel Fangio, Jim Clark, Jackie Stewart, Niki Lauda, Ayrton Senna, Michael Schumacher e Lewis Hamilton. Alguns com personalidade mais marcante, outros menos, alguns mais focados na pista, outros no ambiente, todos com uma convicção inabalável no seu direito de se imporem aos rivais, patrões, autoridades, ao mundo.

Lembram-se da entrevista de Ayrton Senna em Suzuka, após confirmar o seu título de 1991? É um bom exemplo de um Grande Senhor das Pistas expondo sem moderação as suas convicções tão duramente testadas nos anos anteriores, em sua guerra contra Alain Prost, Fia, imprensa etc.

Citei apenas os casos mais evidentes de Grandes Senhores; há outros, Stirling Moss, Prost e Nigel Mansell, por exemplo, mas que arrastam consigo algum contencioso, peculiaridade, limitações ou uma dimensão temporal específica que se tornam determinantes em suas carreiras. Mansell, por exemplo, talvez tenha sido o mais veloz e destemido de todos os grandes, mas certamente não se empunha pela personalidade e demonstrava fragilidades que passam bem longe de uma convicção pétrea.

Sim, porque uma convicção não é necessariamente eterna.

No filme, Robert Oppenheimer vê as suas convicções mudarem ao longo do tempo, de um artífice central na criação da bomba atômica a um militante do controle de armas. Ele não renega as suas convicções pretéritas; pelo contrário, segue até o final da vida afirmando orgulhar-se do que fez em Los Alamos. Apenas muda de convicção após ver o resultado do seu trabalho e passa a defender que as informações sobre armas e energia atômicas sejam partilhadas com outros governos, por considerar que isso poderia – pobre tolo! – acabar com as guerras.

Já Harry Truman, Edward Teller e Leslie Groves, outros personagens do filme, mostram convicção imutável. Teller, o físico húngaro que será para a bomba de hidrogênio o que Oppenheimer foi para a bomba atômica, mantem as suas convicções intactas até o final da vida: acredita em armas cada vez mais mortíferas como força de dissuasão num confronto com a União Soviética. Aos 75 anos de idade, ajudará a convencer Ronald Reagan a investir no programa de armas espaciais denominado “Guerra nas Estrelas”. Para muitos, o programa foi o prego no caixão do regime soviético.

Convicções superlativas como a de Teller demandam uma determinada combinação. Podem inclusive ser apenas um sinal de limitação, de falta de descortino intelectual. Já a perda de uma convicção desnorteia. Em um diálogo memorável do filme (reproduzo de memória), Teller afirma a Oppenheimer. “Eu não entendo as suas razões. Será que o senhor próprio as entende?”

Outro momento em que este choque fica patente se dá quando Oppenheimer encontra Harry Truman e lamenta que sente ter sangue nas mãos pelo que fez. O presidente americano apenas debocha dele e o despacha do gabinete sem maiores cerimônias, chamando-o de “bebê chorão”.

O que havia por trás da convicção que movia Oppenheimer e que depois se esvai? Vaidade certamente, de um tipo complexo, em que um desafio extraordinário se apresenta diante de um ser humano, que vê a possibilidade de recriar a história impondo ele próprio as bases desta recriação.

O que move Max Verstappen, ele que está se tornando um Grande Senhor das Pistas neste exato momento? A busca de recordes? Certamente, mas isso me parece perder relevância na medida em que a curva de experiência do esporte ganha extensão. Max sonha com oito títulos Mundiais? Mais de cem vitórias em GPs? Difícil acreditar que este seja principal objetivo, mas pode até ser.

Acredito mais na combinação da busca pelo Ramo de Ouro (leia minha coluna de 2021 aqui https://gptotal.com.br/o-ramo-de-ouro/) e a de se impor ao mundo mutante da F1 atual enquanto acumula uma enorme riqueza material. Dinheiro, algo que certamente não importava muito a Fangio e Clark, ganhou espaço a partir de Lauda, a quem coube a ousadia de enfrentar Enzo Ferrari numa discussão por salários. Ganhou a parada e, junto, o desprezo do Commendatore, que o chamou de “hebreo”. Ferrari e Lauda ficariam espantados com os valores atuais…

Escrevi em minha coluna anterior (https://gptotal.com.br/os-velhos-do-restelo/) que a cada novo Grande Senhor que surge na F1, mais louco, focado e doente pela vitória ele parece. Sugere até um padrão de evolução: Verstappen é mais louco (na falta de uma palavra melhor) do que Hamilton, que é mais louco que Schumacher, que foi mais louco que Senna… Começamos com a elegância e comedimento de Fangio e Moss, capazes de declinar de uma vitória ou mesmo de um título apenas por cavalheirismo, e chegamos à secura amoral senão francamente perversa de Max, vide o diálogo por rádio entre ele e a equipe em Interlagos 2022, quando lhe pediram que facilitasse a vida de Sergio Perez.

Até onde iremos nesta evolução? Como tenho convicção negativa na humanidade, temo que estejamos caminhando numa direção já trilhada em outros momentos extremos da história, nos quais apenas os mais rudes prevaleceram.

Seria esta, hoje, a definição de convicção?

Se minha percepção estiver correta, a simpatia manifestada pelos jovens opositores atuais de Verstappen – Lando Norris, George Russell e Charles Leclerc – é mau sinal para eles e para a F1.

Considerando a fatura de 2023 liquidada em favor de Max, temos ainda todo o resto da década e talvez começo da próxima pela frente até que ele possa ultrapassar os títulos de Schumacher e Hamilton e aplacar as suas convicções.

Abraços

Edu

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Edu,

    que bela coluna … mas meu amigo … vu discordar de você em alguns pontos:

    1) A melhor definição do Mansell para mim foi dada pelo Nelson Piquet no programa do Jô Soares … “idiota veloz” … grande piloto com certeza … e me arrisco a incluir uma nova definição … o mais folclórico de todos dada as tantas trapalhadas que fez nas pistas também …

    2) essa você pode até confirmar se estou errado … o nosso Emerson Fittipaldi quando assinou com a Mclaren tinha por trás um contrato que lhe bancava US 1.000.000,00 /ano algo até então jamais imaginável por qualquer piloto na época, nem Stuwart e que certamente deve ter motivado o Lauda a pedir um mega salário pra Ferrari, para continuar sendo piloto a partir de 1978.

    3) Uma coisa que sempre admirei em Nelson Piquet foi o prazer dele em correr, estar sempre mais tempos nas pistas (correndo ou treinando), pouco se lixando se poderia ganhar mais dinheiro ou não, até por que pouco ele nunca deixou de ganhar, nem na Brabham já campeão do mundo …

    Não sei se o Verstappen tem esse lado tão claro que Senna tanto dizia publicamente de querer ser o maior de todos … pelo menos publicamente suas declarações são bem diferentes do Senna e pouco dando “importância” quando passou a ter mais vitorias que o brasileiro … Hamilton e Schumacher sim

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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