The show must go on! – final

The show must go on! (parte 1)
23/08/2019
Voltamos!
31/08/2019

Confira o início desta história clicando aqui.

No sábado, os pilotos afrontam a sessão oficial de classificação. Para o austríaco Roland Ratzenberger, era crucial conseguir entrar no grid, pois seu rendimento nos dois anteriores GPs não havia sido satisfatório e ele sabia que seu futuro podia depender do que fizesse em Imola. Já chegando ao fim da sessão, Roland se empenhava ao máximo por conseguir um bom tempo e, apesar de haver golpeado as zebras na curva “Aqua Minerale” na volta anterior, ele segue adiante. Porem, na seguinte volta e quando se aproximava à curva Villeneuve, um elemento de seu aerofólio dianteiro se desprende, possivelmente como consequência do golpe na volta anterior, deixando o eixo dianteiro praticamente sem aderência e a Roland sem possibilidade de controlar o carro.

Assim, o Sintek segue reto até a entrada da chicane construída para provas de motociclismo e, ao passar por cima de suas altas zebras, o carro empreende o voo em direção ao muro do exterior da curva. Na rude disputa entre o carro e o duro concreto, é este último quem sai triunfante do embate, pois o carro não resiste o violento impacto e o lado esquerdo quase se desintegra. Contudo, o mais chocante foi ver como o capacete do austríaco se balançava de um lado ao outro do cockpit e totalmente à mercê dos movimentos erráticos do carro, como se fosse a cabeça de uma marionete à que se lhe tivesse cortado o fio que a governa.

A sessão de classificação estava sendo retransmitido ao vivo e, desde o box da Williams, Senna, estarrecido, presenciava nos monitores o horrendo espetáculo. Rapidamente, o brasileiro corre até um dos carros dos fiscais e vai com ele até o local do acidente, sem lhe importar que isso contrariasse o regulamento. Quando chega lá, Roland já estava sendo atendido pelos médicos e Senna pergunta ao Dr. Watkins sobre o estado do austríaco. Watkins, impotente, lhe diz que já não havia esperanças para Roland.

Nesse momento o brasileiro se desmorona, sendo incapaz de evitar que seus olhos se encharquem com lagrimas, enquanto se abraçava desconsolado ao doutor e amigo. Roland, que estava todo o tempo sendo submetido a massagem cardíaca, é logo levado à clinica do circuito mas, logo depois um helicóptero o evacua até o hospital de Bolonia, o mesmo que havia atendido Barrichello no dia anterior, onde nada mais restava por fazer do que certificar o falecimento do austríaco. Assim, vinte e dois anos depois da última vitima mortal na formula um, outro piloto entrava na triste lista de fatalidades da categoria. Então, o doutor Watkins tenta convencer Senna de que não corra no dia seguinte e de que se retire. Porem, qualquer um que conhecesse o brasileiro, sabia qual seria sua resposta: “Não posso, tenho de seguir adiante!“. A retirada não fazia parte da natureza de Senna.

 

O ambiente nos boxes entre os pilotos era de grande tensão, pois nenhum deles tinha presenciado nunca a morte de um companheiro na pista. Vários pilotos e pessoal das equipes se mostram favoráveis ao cancelamento da corrida, inclusive Flavio Briatore apoia a medida (ainda que a ele lhe beneficiava pois sua equipe liderava o campeonato com folga). Nick Wirth, chefe da equipe Sintek tinha intenção de se retirar do GP, mas Ecclestone, não se sabe como, lhes convence para que continuem com o carro de David Brabham. Segundo parece, até se cogitam medidas disciplinarias contra aqueles que se negassem a participar. Senna até se enfrentava a ser punido com a suspensão por haver pegado aquele carro oficial para ir ao local do acidente de Ratzenberger sem licença dos comissários. No fim, e sob pressão, todos concordam em participar.

 Contudo, o pior do lance é que acabou promovendo a suspeita de que toda a parafernália médica tinha apenas o objetivo de ocultar que a morte de Roland se havia produzido no cenário do acidente. Sua fratura na base do crânio era de uma gravidade tal que a fazia totalmente incompatível com a vida, como depois foi sustentado por diversos especialistas na matéria. Também temos como confirmação disto os acidentes de outros pilotos em circunstâncias parecidas e com lesões similares, cujas mortes foram decretadas como instantâneas, como foram os casos de Dale Earnhardt ou Adam Petty na Nascar.

De fato, o resultado da autopsia que lhe foi praticada a Roland, também estabelecia sua morte como ocorrida de forma instantânea. Assim, era muito difícil se abstrair da suspeita de que o objetivo de dar a aparência de que o austríaco seguia vivo quando era evacuado do circuito, foi evitar que seu falecimento fosse decretado lá mesmo, pois, segundo a lei italiana, no caso de que ocorra uma morte durante um evento esportivo, este deve ser suspendido imediatamente e, neste caso, a pista seria apreendida ao ser considerada cenário de investigação judiciária para determinar as causas de tal morte. Deste modo, fazendo que a morte de Roland fosse certificada fora do circuito, se garantia a celebração da corrida, evitando graves problemas econômicos a todos os implicados.

Se tudo foi uma estratagema… deu resultado, pois a corrida teria lugar no domingo, tal como estava previsto. Infelizmente, e como logo se veria, isso era o único que estava previsto. Quando o semáforo fica verde, Senna, partindo uma vez mais da pole, pula na frente de Schumacher enquanto por trás deles se desata o caos. Lehto, que retornava após sua longa recuperação, havia conseguido se classificar num ótimo quinto lugar, mas seu carro fica parado no grid, obrigando aos pilotos de atrás a fazer manobras desesperadas para evitar a colisão.

Contudo, o português Pedro Lamy, que largava desde as últimas posições e, portanto, sem uma boa visão do que acontecia lá na frente, quando chega à altura de Lehto e já a grande velocidade, apenas tem tempo para evitar se embutir na traseira do finlandês e acaba batendo as rodas direitas do seu Lotus nas esquerdas do Benetton, provocando que pedaços dos carros de um e do outro saiam voando pelos ares. O Lotus de Lamy segue em frente e acaba por se arrebentar no muro da direita, sendo que uma de suas rodas é lançada sobre as arquibancadas, onde quatro pessoas são feridas de gravidade (uma delas permaneceria em coma por um mês) e outras cinco recebem atenção médica na clinica do circuito.

O carro de segurança logo sai à pista e lá ficaria durante cinco voltas, enquanto que os restos dos carros acidentados são retirados. Para a sexta volta, a corrida é liberada e Senna acelera com o propósito de se distanciar de Schumacher, pois sabia que essa era a única forma de ter alguma chance de vitória contra o Benetton e sua eletrônica ilegal. Assim nessa mesma sexta volta, Senna estabelece o incrível tempo de 1m 24,887″ que apenas outros dois pilotos superariam já no fim da prova. As posições se mantinham e na sétima volta, quando se aproximavam à curva de Tamburello, seu impávido muro esperava pacientemente sua próxima vítima: Ayrton Senna.

Possivelmente devido a um problema em seu carro e ante a impossibilidade de traçar a curva, Senna aplica toda sua força nos freios e reduz varias marchas mas, mesmo assim, o impacto é brutal e o carro, após percorrer varias dezenas de metros de um lado a outro, para ao borde da pista. A milhares de quilômetros de distancia, o grande Juan Manuel Fangio, fã e amigo do brasileiro, que estava assistindo o GP pela televisão, se levanta de sua poltrona e desliga o televisor. Quando perguntado ao respeito simplesmente disse: “Eu sabia que ele estava morto!“. Alguém como Fangio, cuja carreira de desenvolveu numa época em que a morte estava muito presente na formula um… sabia o que dizia.

O mesmo procedimento médico que havíamos visto no caso de Ratzemberger, é aplicado a Senna para manter suas constantes vitais. Porem, depois o Dr. Watkins confessaria que, no momento em que retiraram Senna do cockpit e o depositaram  no chão, sentiu que sua alma havia partido naquele instante. Senna, também seria evacuado em helicóptero ao hospital de Bologna, onde comprovam que nada se podia fazer por ele, alem de manter suas constantes vitais artificialmente e à espera do inevitável fim, que se produziria três horas mais tarde. Uma vez mais, a posterior autopsia determinou que Senna tinha falecido de maneira instantânea e que seu coração apenas se havia mantido batendo com a ajuda de maquinas.

Uma vez mais, e com Senna já retirado do circuito, a corrida seguiu seu curso e, se alguém pensava que as desgraças se haviam terminado, ainda teríamos um epilogo próprio a tão nefasto GP, quando, apenas a onze voltas da bandeirada final, Michelle Alboreto, entra nos boxes para trocar os pneus de seu Minardi. Então o regulamento não estabelecia nenhum limite de velocidade nos boxes e Alboreto, com pneus novos, se dirige de volta à pista recorrendo a linha de boxes a toda velocidade, quando uma de suas rodas que havia sido mal apertada se desprende e empreende um louco recorrido pelos boxes. O resultado é que três mecânicos da Ferrari, um da Lotus e um da Benetton seriam alcançados pela roda, sofrendo múltiplas contusões e algumas fraturas.

No fim as frias estatísticas daquele infausto Grande Prêmio registrariam dois pilotos mortos e um ferido, assim como nove espectadores e cinco mecânicos também feridos de diversa consideração. No entanto, resulta impossível não pensar em que tudo aquilo, ou pelo menos boa parte daquelas desgraças, poderiam ter sido evitadas. Se as barreiras de pneus tivessem sido instaladas em todo o circuito, tanto os impactos de Ratzenberger quanto o de Senna teriam sido amortecidos e suas consequências teriam sido menores. Se a morte do austríaco tivesse sido declarada sem dilação, o cancelamento do GP teria preservado a vida de Senna e, quem sabe, se ainda o teríamos conosco. Se o GP tivesse sido cancelado após a morte de Senna, varias pessoas não teriam resultado feridas. Nossa canção, em outra de suas estrofes nos diz:

 
O que quer que aconteça
Eu deixarei tudo à sorte

Porém, isso é o que haviam feito a FIA  e os responsáveis do circuito: deixar tudo à sorte e o resultado não havia sido nada satisfatório!  Como diria Niki Lauda então: “Deus teve sua Mão sobre a Fórmula Um por muito tempo, mas este fim de semana… a retirou!” 
 
No fim, foram muitas as dúvidas e suspeitas que os acontecimentos daquele fim de semana acabaram por suscitar, mas creio que se de algo podemos estar seguros é de que havia muitos interesses e dinheiro em jogo. Segundo informações da época, o cancelamento do GP teria representado umas perdas de quase sete milhões de dólares para os organizadores do evento, além de  provocar uma reação em cadeia com implicações econômicas que afetariam também a patrocinadores, equipes e aos meios de comunicação, principalmente a televisão. Assim, o show devia continuar… De qualquer jeito e a custa de quem fosse.

No fim, nossa canção termina assim:


Eu vou ser o melhor, vou me superar.

Eu tenho que achar a vontade de continuar
Continuar com o show

Continuar com o show

O show
O show deve continuar

Infelizmente…O show continuou mesmo !

Um abraço a todos e até a próxima ocasião.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

4 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    as suas colunas são sempre extraordinárias … não seria diferente agora com “The show must go on” parte 1 e agora a parte final … relembrar aquele fatídico GP de Imola e a ele juntar a tragédia que abateu também o mundo do Rock com o falecimento (mesmo que já previsto) do Fred Mercury foi outra grande bola dentro que voce deu na sua coluna …
    O mundo do Rock já imaginava que o fim do Fred Mercury estava próximo em razão da sua doença e de quase nada que a medicina poder fazer para salvar a sua vida naquela época. Se fosse nos dias de hoje certamente ele teria outro destino em razão a evolução da medicina principalmente em relação AIDS, pois se hoje ainda não a cura e medicamentos que permitem uma boa e durável sobrevivência.
    Assim penso também em relação ao Ayrton Senna. A Formula 1 naquela época ainda tinha muito do irracional em relação a segurança. Hoje a realidade é outra. Temos muito mais segurança em tudo que envolve uma corrida de Formula 1 e muita racionalidade nas decisões (apesar da irracionalidade ter dado as caras e, Suzuka quando do acidente que acabou por vitimar o J.Bianchi.
    Mas como você bem diz acima, eram outros tempos, mais apaixonante e em muito por causa da irracionalidade.
    Ayrton Senna e Fred Mercury viraram lendas eternas e jamais serão esquecidos por tudo que fizeram, cada um na sua arte, Ainda mis pela forma coo eles vieram a falecer.

    Nota 1000 pra voce mais uma vez. Sua coluna me trás lembranças que parecem esquecidas mas que ainda são muito vivas na minha mente. Lendo parece que tudo isso aconteceu ontem

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Kyle Long disse:

    O Riccardo Paletti morreu em 1982. Logo, seriam 12 anos desde a última morte.

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