Tudo ou Nada

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Nota dos editores: Coluna originalmente publicada em 2009

 

Muito tem sido dito e escrito a respeito do GP da Cingapura do ano passado (2008) e daquele acidente de Nelson Piquet Jr., que resultou não ser realmente um acidente. Desde então, o caso tem sido descrito com toda classe de adjetivos pejorativos: que foi uma vergonha, uma trapaça ou algo indigno feito só para favorecer outro piloto, neste caso o companheiro Fernando Alonso. Porém isso não é novo e, como exemplo, basta recordar os casos de Barrichello na Áustria em 2002 (que tirou o pé para Michael Schumacher) ou Lorenzo Bandini no México 1964, que propositalmente bateu em Graham Hill da BRM para John Surtees seu companheiro de Ferrari ser campeão, dentre outros.

Muitos dirão que se trata de casos diferentes, mas em todos se buscava provocar um resultado determinado, alterando a natural sucessão de eventos com o fim de perverter a competição. Desde esse ponto de vista, nada lhes diferencia. No entanto, neste caso, Nelson Piquet Jr. tem sido duramente criticado, e todo tipo de impropérios lhe vem sendo dedicados por ter aceitado cumprir com o seu papel na trama. Ao Nelsinho lhe acusam de delator e traidor, de alguém sem moral nem princípios, mas sabido é que ninguém nasce com tudo isso. Muito ao contrário, essas características se adquirem depois, segundo as circunstâncias e o entorno em que nos desenvolvemos, e me parece que a Fórmula 1 não é o entorno mais propicio para tão altos valores.

A F1 não esqueceu a marmelada na Áustria 2002;

tampouco deverá esquecer Cingapura 2008 Dizem que Nelsinho devia ter se negado, e isto me leva a tentar imaginar como teria sido aquela reunião prévia ao GP em questão, uso da imaginação e da livre possibilidade de pensar para construir a narrativa a seguir:

Quais seriam as possíveis opções à disposição de Nelsinho perante tal petição. Deixem-me imaginar tal reunião: Pouco antes do GP começar, Nelsinho está se preparando para a corrida que terá lugar dentro de um par de horas. Ele tenta concentrar-se na corrida, mas sabe que a sua situação na equipe não é boa. Flávio Briatore, seu patrão e manager impiamente lhe pressiona constantemente exigindo-lhe os resultados que não chegam e dos quais sua continuidade na equipe dependem. Cada vez restam menos corridas por disputar e a pressão é tremenda.

Então, alguém avisa Nelsinho que Briatore quer vê-lo em seu escritório. Nelsinho vai e ali encontra também no ambiente Pat Symonds, o engenheiro chefe técnico da equipe, e ambos se sentam em presença do chefão, que observa tudo desde o outro lado da mesa. Então Symonds, provavelmente de maneira condescendente e talvez até paternal, recorda a Nelsinho que tinham depositado nele grandes esperanças, assim como a enorme importância de pertencer a uma equipe e que está acima do indivíduo. Pat Symonds insiste na importância de formar parte da equipe e que, de fato, a única maneira de consegui-lo é, ocasionalmente, renunciando a objetivos pessoais em prol da equipe e do bem comum. Briatore, lá desde a sua poltrona do outro lado da mesa, assente afirmativamente com a cabeça e reitera a confiança depositada no garoto.

Nesse momento, Symonds, diz a Nelsinho que, para o bem da equipe, seria bom que houvesse um Safety Car num momento determinado e conveniente para os interesses de todos.

Flavio Briatore volta a assentir novamente e lhe diz que, se ele estivesse disposto a provocar a saída do SC, isso compensaria os seus pobres resultados obtidos até então, e que, dado que isto significaria uma boa prova de sua plena integração na equipe, inclusive seu contrato seria renovado, etc.etc., e na continuação do dialogo lhe pergunta se podem “confiar” nele para tão importante missão. Imaginem a situação: do outro lado da mesa, Flávio Briatore, seu patrão e manager, o homem em cujas mãos está o seu futuro. Ao seu lado, Pat Symonds, respeitado chefe técnico da equipe e responsável do bom desempenho dos carros.

Perante os dois tubarões, o peixinho Nelsinho, surpreso, constrangido e atônito, deve dar uma resposta da qual depende toda sua carreira.

Trata-se de tudo ou nada em um breve instante.

Desesperadamente, tenta ponderar as possíveis implicações que sua resposta acarretaria, mas termina sucumbindo vitima de sua juventude, do temor a uma carreira truncada, de um sobrenome que talvez resultasse uma carga demasiado pesada para ele e das falsas promessas de um futuro melhor. É assim que imagino como ocorreu a tal reunião, claro que usei de imaginação pelo que leio a respeito dos personagens, assim creio que o pobre Nelsinho tomou a única decisão que podia tomar. Possivelmente ou certamente, não devia, mas… só a que podia. Não o culpo por isso! Como disse Sirius: O medo é o obstáculo de toda virtude.

Muitos dizem que ele devia ter se negado a participar da trama, mas, será?… ele podia?

A sua negativa teria permitido o normal desenvolvimento da corrida, mas também teria significado o imediato fim de sua carreira na Fórmula 1. É óbvio que isto teria contrariado muito a Flávio Briatore, quem, em sua condição de chefe e manager, certamente, lhe teria fechado todas as portas da F1, pois não é conveniente ter alguém tão honesto por perto.

A Nelson Piquet Jr. não lhe restaria nem a possibilidade de denunciar a indecente proposição, pois sem provas que confirmassem tal denuncia, certamente ninguém iria acreditar nele. Todos diriam que tudo se tratava apenas de fruto do despeito e uma vingança por ter sido despedido. Caramba! Mas isso mesmo é o que já acontece agora, apesar de que tudo está demonstrado e provado! A meu modo de ver, a única alternativa “honesta” à que podia recorrer Nelsinho, teria sido aceitar o plano proposto, mas provocar um acidente logo no início da prova da maneira mais plausível possível. Isto teria desbaratado a falcatrua, deixando a sua consciência limpa. O inconveniente é que isto não lhe teria salvado a carreira pois, decepcionado e furioso, Flávio Briatore lhe teria despedido sem remissão e, perante o público, este “acidente” seria mais um motivo para justificar tal a dispensa e sua saída da fórmula 1. Portanto, levanto a questão, por que sacrificar a própria carreira para salvar essa dupla de sem vergonhas?

É louvável e bom ser honesto, mas não é necessário ser estupidamente honesto!

até a próxima e se cuidem

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. binance disse:

    Your article helped me a lot, is there any more related content? Thanks!

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    estamos em 2023 … e sua coluna continua atual …
    Só consigo entender uma coisa nesse recurso do Massa querendo reverter o resultado da temporada de 2008. Dinheiro … muito dinheiro … Pois honestamente ele não vai ganhar nenhum reconhecimento pela forma como pode conquistar” esse titulo.
    Em 1980 Piquet brigava pelo titulo com Alan Jones. Foi escancaradamente jogado contra o muro na largada e nunca reclamou do jogo sujo do Jones.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • wladimir disse:

      Reclamou em off nos comentários à revista Quatro Rodas e ameaçou até devolver as “gentilezas” a Jones. Mas tal atitude nunca fez parte da carreira de Piquet. Ele só explodiu e partiu para o confronto físico naquele episódio infeliz em que foi tirado do GP da Alemanha por Elizeu Salazar.

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