Viagem Insólita – Parte 2

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A segunda parte da viagem no tempo analisando os cockpits da F1.

Continuando nossa viagem exploratória do universo interno da Fórmula 1, que começou na coluna de 3 de fevereiro vamos visitar os habitáculos das décadas de 1980, 1990 e 2000.

Década de 1980 – McLaren-TAG-Porsche MP4/2C (1986)

Seja muito bem-vinda, ó fibra de carbono! Mais leve que o alumínio e mais resistente que o aço, a F1 já conhecia o material desde que a equipe Embassy Hill havia surgido com aerofólios do composto em meados de 1975. Gordon Murray também começou usá-la na Brabham em escala para substituir peças em alumínio. Mas foi John Barnard o cara a bancar a aposta de construir um monocoque totalmente em carbono em seu famoso desenho MP4/1 para a McLaren em 1981. Ele projetou e a Hercules Corporation, uma empresa norte-americana especializada em peças para indústria aeronáutica, produziu as unidades – que eram um tanto toscas, pareciam caixotes pintados de preto. Posteriormente seriam fabricadas pela Courtaulds, empresa inglesa.

O cockpit em destaque é justamente da McLaren, no modelo MP4/2C, terceira variante do bem sucedido chassi introduzido em 1984 e que foi tricampeão junto ao eficiente motor TAG-Porsche V6 Biturbo, uma joia da engenharia alemã. O painel tem como destaque o conta-giros analógico – que na base do business-as-usual só tem faixa operacional de 5 a 12 mil rpm – além de um pequeno display digital que mostrava a pressão do turbo, um item obrigatório da época. A alavanca de câmbio se resume à manopla e junto da parede do painel há o regulador de equilíbrio de freio. À extrema esquerda há um manete de regulagem das barras estabilizadoras, criação da dupla Murray/Piquet.

Em 1987, os japas da Honda ajudaram a Lotus a ter o primeiro painel totalmente digital, dando fim aos frenéticos ponteiros. O novo display de rotações media de 200 em 200 rpm. Ayrton Senna, que em sua pilotagem tinha uma obsessão quase psicótica por manter o motor no mais elevado regime possível, achou aquilo impreciso demais e odiou, exigindo imediatamente que as “barrinhas” de rpm mudassem de 50 em 50 rpm, ou seja, que fosse quatro vezes mais preciso. Desnecessário dizer que ele foi prontamente atendido e que os engenheiros nipônicos se mataram de trabalhar com um grande sorriso no rosto…

Observem a foto dos pedais do MP4/2C. Na parte superior da imagem é possível ver as barras de direção, muito próximas dos joelhos do piloto. As paredes laterais são bem apertadas por conta da acomodação interna do conjunto mola/amortecedor da suspensão dianteira, posicionadas verticalmente. Tanto o pedal de embreagem quanto o de freio eram presos no piso, enquanto o acelerador era fixado por cima, sendo possível até ver o cabo de aço passando pela direita. Sistemas drive-by-wire eletrônicos inspirados em comandos aeronáuticos só viriam em 1993, via McLaren/TAG Electronics.

Tudo era bastante apertado, mas as coisas ficariam ainda mais estreitas na década seguinte. Mas o start para que os projetistas apertassem ainda mais os pilotos dentro deles ocorreu em 1987 com a Benetton-Ford B187 de Rory Byrne, que colocou na pista o primeiro modelo com redução de secção frontal bem nítida. Ele tirou mola/amortecedor das laterais e as colocou em cima das pernas, num sistema assimétrico (!) de tirantes, já que as molas ficavam uma à frente da outra. Outras ideias menos esdrúxulas surgiriam ainda no próximo ano, aperfeiçoando os sistemas pull e push-rod (que vale até hoje).

O extremo desse movimento de apertar foi percebido com a March-Judd 881 de 1988, na qual Ivan Capelli foi obrigado a cortar um pedaço do solado das sapatilhas para não se enroscar nos próprios pés! Maurício Gugelmin ficava tão espremido que saía das corridas ou com câimbras ou sem embreagem, porque não havia descanso para o pé esquerdo. Em alguns casos, saía com as duas coisas…

Década de 1990 – Prost-Peugeot AP01 (1998)

Época de despedidas. No cockpit deste Prost de 1998 tudo é digital (relógios a ponteiro, sobretudo o da pressão de turbo estavam extintos como o pássaro Dodô) e não apenas a manopla do câmbio deu lugar às borboletas atrás dos volantes (Ferrari 640 de 1989), como o próprio pedal da embreagem foi abolido paulatinamente durante o crescimento da década – dando aos pilotos a opção de frear com o pé esquerdo mais facilmente, já que os sistemas eletrônicos do motor faziam o trabalho do punta-tacco.

No habitáculo da foto, há apenas um pequeno visor digital com informações selecionáveis (não-fixas, como ‘páginas’), luzes-espia e reguladores na parte baixa do painel. Tudo simples e funcional. As barrinhas de rotação deram lugar aos conjuntos de shift-light na parte superior do volante. O piloto, ora bolas, não precisava mais saber o regime, bastava trocar de marchas quando todas as luzes acendem… Isso, entretanto, não significa menos trabalho – apenas possibilitou que ele agora pudesse se preocupar com outras atribuições da dinâmica do carro, o que seria explorado ao extremo na década seguinte.

Dos tradicionais Momo e Personal de três raios em couro ou camurça, passamos a ter volantes com base achatada, para dar espaço para as pernas dos pilotos e aos cortados, sendo o formato de “8 deitado” uma ideia surgida na Arrows-Ford A10 de 1989, de um tal projetista Ross Brawn e retomada pela McLaren já na era prateada. A elevação dos bicos (Tyrrell-Ford 021 de 1990; Benetton-Ford B191 de 1991) fez com que os fundilhos dos pilotos ficassem, num plano horizontal, abaixo dos pés.

Outra mudança importante foi a filosofia de construção dos monocoques. Do “molde macho” original, poligonal e que exigia carenagens por cima, passou-se a fazer o “molde fêmea”, que produzia uma peça interna e externamente acabada, necessitando apenas a pintura de guerra. Se puxarmos pela memória, até 1991 a McLaren (MP4/6) tinha painéis laterais inferiores em carbono cru logo à frente das tomadas de ar laterais. No modelo sucessor (MP4/7) isso não acontecia, com o branco-vermelho Marlboro vindo de cima a baixo do cockpit.

Década de 2000 – Ferrari F2003GA (2003)

O habitáculo permaneceu apertado, feito para ser vestido pelo piloto como um artesanal terno de alfaiataria. Mas a segurança foi reforçada na área do pescoço, o que começaria a ser estudado com afinco após o quase-fatal acidente de Karl Wendlinger em Mônaco 1994. Se na baixíssima McLaren-Honda MP4/4 de 1988 era possível ver o movimento de ombros de Senna e Prost, nos carros do novo milênio você só consegue enxergar a metade de cima dos capacetes, adornados pelo eficiente dispositivo anti-tranco cervical Hans Device, introduzidos em 2003. Crash-tests, que começaram a ser feitos a partir de 1985, tornaram-se mais exigentes a cada ano.

Desde meados da década anterior, alguns botões já eram vistos nos volantes (que começaram a ser mais visíveis externamente a partir de 1995, quando foram proibidos de serem encobertos pelo cockpit), a começar pelo canal de rádio. Mas a década resolveu fundir volante e painel numa só peça em fibra de carbono, moldada de acordo com as mãos de cada piloto. De um ou dois, passamos a ter dúzias de botões, de apertar ou girar – como diria a Ferrari, os tais manettinos presentes no volante desta F2003 GA campeã. Regulagens de controle de tração, de diferencial, de carga de freio puderam ser feitas e refeitas a cada curva e o maior exemplo disso eram as onboards de Michael Schumacher pela Ferrari durante as tomadas de tempo. Ele parecia mais brincar com os botões do que propriamente guiar…

Hoje, o trabalho da moda é tapar um buraco com as costas da mão esquerda para fazer funcionar o tal F-duct, que ajuda a ganhar velocidade em reta. Mas isso vai durar pouco, pois eles serão proibidos para o ano que vem. Essa tarefa será substituída pela mudança dos ângulos de asas – uma bobagem que a FIA inventou e colocou no regulamento de 2011. Isso é o que pode ser chamado literalmente de regulamento tapa-buraco.

A próxima viagem insólita será realizada daqui a 60 anos. Se o planeta, a F1, a língua portuguesa e minha cuca estiverem inteiros, escreverei com muitíssimo prazer.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

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Coluna publicada originalmente em 08 de outubro de 2010.

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Lucas Giavoni disse:

    Mauro, apenas com os circuitos disponíveis na atualidade, este seria meu calendário ideal da F1, com 18 corridas em vez das 20 previstas. Dizer que a lista é saudosista é um pleonasmo:

    1. Interlagos (BRA)
    2. Imola (SMR)
    3. Monte Carlo (MON)
    4. Hermanos Rodríguez (MEX)
    5. Montreal (CAN)
    6. Austin (EUA)
    7. Paul Ricard (FRA)
    8. Silverstone (GBR)
    9. Nürburgring (ALE)
    10. Istambul (TUR)
    11. Hungaroring (HUN)
    12. Spa-Francorchamps (BEL)
    13. Monza (ITA)
    14. Algarve (POR)
    15. Ricardo Tormo (ESP)
    16. Marina Bay (CIN)
    17. Suzuka (JAP)
    18. Adelaide (AUS)

    Aquele abraço!

    • Mauro Santana disse:

      Gostei bastante da sua sugestão Lucas.

      E o GP da Turquia esta fora este ano, isso é uma P sacanagem!

      Abraço!

      Mauro Santana
      Curitiba-PR

  2. Mauro Santana disse:

    Olá Amigos do GPTotal!

    Calendário F1 2012

    18/03 Austrália
    25/03 Malásia (FORA)
    15/04 China (FORA)
    22/04 Bahrein (FORA)
    13/05 Espanha
    27/05 Mônaco
    10/06 Canadá
    24/06 Europa Valência (FORA)
    08/07 Inglaterra
    22/07 Alemanha
    29/07 Hungria
    02/09 Bélgica
    09/09 Itália
    23/09 Cingapura (FORA)
    07/10 Japão
    14/10 Coreia (FORA)
    28/10 Índia (FORA)
    04/11 Abu Dhabi (FORA)
    18/11 Estados Unidos
    25/11 Brasil

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Mauro Santana disse:

    Cada vez menos temos pilotos competentes, e cada vez mais temos pilotos pagantes.

    http://grandepremio.ig.com.br/formula1/2012/02/17/caterham+dispensa+trulli+e+contrata+petrov+para+temporada+de+2012+da+f1+10544741.html

    Péssima notícia para o “esporte” F1.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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