Virada de Jogo – Parte 3

Apesar de você
13/12/2020
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21/12/2020

Leia a 1ª parte desta coluna

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A temporada de 2010 foi uma daquelas que começou com muitas expectativas. A notícia mais interessante da pré-temporada havia sido a compra da equipe Brawn pela Mercedes-Benz. Como dupla de pilotos, eles contrataram Nico Rosberg e Michael Schumacher, que voltava de sua aposentadoria e criou um enorme alvoroço antes da temporada começar. Será que ele poderia repetir o feito de Niki Lauda?

Na equipe Ferrari, a novidade era a chegada de Fernando Alonso. Desde a malfadada temporada de 2007 na McLaren e dois anos tapando buraco na Renault, Alonso chegava ao time italiano para retomar suas ambições por mais títulos, a Ferrari mantinha Felipe Massa que no ano anterior sofrera um grave acidente e estava se recuperando e contando com a simpatia do time

A Red Bull, que fora a sensação na segunda parte da temporada de 2009, manteve seus dois pilotos, o jovem Sebastian Vettel e o veterano Mark Webber, o time austríaco começava o ano como favorito ao título de pilotos.

Já a McLaren recebia Jenson Button, campeão de 2009 pela Brawn e mantinha o jovem Lewis Hamilton, campeão de 2008, uma dupla bem forte e os campeões dos dois anos anteriores, certamente seria um time competitivo para a disputa de 2010.

A temporada de 2010 trazia também a novidade da mudança no sistema de pontuação. Agora o vencedor de cada GP passaria a levar 25 pontos, com pontuação que ia até o 10º colocado. O sistema, que era 10-8-6-5-4-3-2-1, passaria a ser 25-18-15-12-10-8-6-4-2-1. Com essa mudança a FIA esperava que a briga ficaria muito mais intensa pelas vitórias, além de distribuir muitos pontos até a 10º posição. Seria uma temporada longa, com 19 provas.

Na prova de abertura, no Bahrein, Fernando Alonso surpreende e vence com Felipe Massa completando a dobradinha, era um bom início de temporada para a Ferrari.

Nas provas seguintes a disputa se torna diluída e cinco pilotos vão se destacando na disputa do título, a dupla da McLaren e Red Bull e Fernando Alonso pela Ferrari. Felipe Massa ainda estava em processo de recuperação e acabou sendo vítima do episódio mais polêmico do ano, quando no GP da Alemanha recebeu a esdrúxula ordem de equipe para abrir passagem para Alonso, episódio que ficou conhecido pela frase “Fernando is faster than you”.

A frase “Fernando is faster than you” marcou a temporada 2010

Por sua vez, o ambiente na equipe Red Bull também estava carregado. A equipe rubro taurina não estabeleceu prioridade a nenhum de seus pilotos e Vettel e Webber estando livres para disputar as corridas. O ápice dessa disputa foi no GP da Turquia, os dois estavam em primeiro e segundo na corrida com o carro mais veloz, mas Vettel força a passagem, Webber não alivia e os dois batem, Vettel abandona e Webber se arrasta para terminar em terceiro

O contraste era o ambiente na McLaren, com dois campeões esperava-se uma disputa mais ferrenha, mas tanto Hamilton quanto Button se entenderam muito bem e aproveitando o vacilo dos rivais chegaram a 11º prova do ano na Alemanha liderando em dobradinha a tabela do mundial de pilotos, com Hamilton na frente.

Faltando 8 provas não dava naquela altura do campeonato apostar com convicção quem se sagraria campeão, e a partir daí a disputa volta a ter o protagonismo de Alonso, Webber e Vettel.

Alonso vence 3 corridas, Vettel vence 2 corridas, Webber e Hamilton vencem cada um uma corrida.

Cinco pilotos disputaram o título em 2010 e quatro deles chegaram com chances na última prova

Vem a corrida final em Abu Dhabi, no circuito de Yas Marina, com a tabela mostrando o seguinte: Alonso líder com 246 pontos, seguido de Weber com 238, Vettel 231 e Hamilton 222. Apenas estes pilotos poderiam se sagrar campeão, vale lembrar que desde 1982 uma decisão havia tido 4 postulantes ao título na última prova.

Para a Ferrari o inimigo a ser combatido era Mark Weber, piloto mais experiente e com o melhor carro do campeonato. O murmurinho no paddock era que o campeonato só não estava nas mãos de Webber exatamente pela postura oposta à da Ferrari que a Red Bull adotava de não dar ordens aos seus pilotos.

O circuito de Yas Marina recebia assim uma decisão épica entre 4 pilotos. O danado é que esse é um circuito insosso e sem graça. Pra piorar, ultrapassagens são difíceis e complicadas.

Para a Ferrari e Alonso essa fama se converteria em seu pior momento na temporada.

E mesmo assim foi um final notável antes mesmo de uma roda girar. Quatro pilotos permaneceram na disputa do campeonato – um recorde inigualável ao longo dos anos da Fórmula 1.

Dos quatro, a chance de Lewis Hamilton era estritamente matemática. E as chances de Vettel não pareciam muito melhores… embora ele tenha sido o piloto mais veloz entre os quatro, mas chegava em Abu Dhabi 15 pontos atrás do líder Alonso.

Alonso – que buscava seu terceiro título mundial – aparentemente tinha como principal ameaça o companheiro de equipe de Vettel na Red Bull, Mark Weber, que como Vettel estava atrás de um primeiro título na Fórmula 1.

Na largada, tudo parecia favorecer Alonso, que chegava como líder da tabela

Abro um parêntese para comentar: e Schumacher? O que ele estava produzindo no seu retorno? Bem, a partir de 2010 até a nova aposentadoria, a passagem de Schumacher em seu retorno a Fórmula 1 foi muito abaixo da expectativa gerada. Ele não esteve nem perto da sombra do grande batedor de recordes da categoria, no entanto ele involuntariamente seria personagem decisivo na disputa do título de 2010.

Voltando a prova, os quatro postulantes, Alonso, Webber, Vettel e Hamilton alinharam no grid nas três primeiras filas, emoção não faltaria, e para Alonso bastaria pontuar em quarto que, independente do resultado dos demais, o título seria dele.

Vettel e Hamilton dividem a primeira fila, vem a largada e Vettel pula melhor e assume a ponta, seguido de Hamilton, Button, Alonso, Webber e Massa.

Na curva seis, que antecede o grampo para a reta, Schumacher roda e Vitantonio Luizzi, com uma Force India, bate no alemão. Seu carro sobe e fica preso na Mercedes de Schumacher, com isso o Safety car é acionado.

Nesse momento alguns pilotos são chamados para fazer pit stop, entre eles, Nico Rosberg, Robert Kubica e Vitaly Petrov, eles voltam para o final do grid, deveriam em tese ser coadjuvantes a partir dali, até porque quem apostaria em uma corrida sem nenhuma parada adicional dessa turma.

O choque entre Schumacher e Liuzzi acabou selando o destino dos postulantes ao título

Na relargada, Alonso está em quarto, Webber em quinto com Massa em sexto, a marcação em cima do australiano era a única preocupação do time da Ferrari e estava tudo muito bem.

Na volta de número 8 Weber bate levemente seu carro no guard rail, ele é imediatamente chamado aos boxes para trocar pneus, isso deixa a Ferrari em alerta no que o australiano poderia fazer a partir dali eles resolvem colocar Massa na marcação e o chamam na volta 13 para trocar seus pneus, na saída dos pits Massa por muito pouco fica atrás de Weber e a Ferrari na estratégia de marcar o australiano esquece de Vettel e Hamilton, que estavam a frente.

Aí vem a decisão que marcaria o destino da corrida e de Alonso. Com medo de Weber avançar com pneus novos e ficar a frente de Alonso, Stefano Domenicali, o chefe da equipe italiana, resolve chamar Alonso na volta 15 para trocar pneus, a marcação deveria ser feita por ele, Alonso, afinal tarimba ele tinha. O espanhol troca seus pneus e volta exatamente à frente de Webber.

Na volta 19 Alonso estava em décimo primeiro e Weber na posição seguinte, a frente deles estava Vitaly Petrov, Nico Hulkenberg e Nico Rosberg. A Ferrari pede a Alonso que ultrapasse esses pilotos para, na rodada de troca de pneus dos pilotos a sua frente, ele voltar a se posicionar em quarto ou quinto e garantir o título.

Tem uma frase famosa de Garrincha: “Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?” — após o técnico brasileiro na Copa de 1958, Vicente Feola, fazer a preleção detalhada de como seria cada lance da partida contra a URSS.

E não é que tinha um russo no caminho de Alonso?

Bem, durante as 40 voltas seguintes, Alonso bem que tentou, mas Petrov não facilitou. Voltas angustiantes, rádios trocados, estratégias voando pelo espaço. Webber estava atrás de Alonso, só que Vettel estava na liderança, e para ele só a vitória daria a chance da conquista do título.

Veja o vídeo e escute a seleção dos rádios durante a prova para entender o drama vivido por Alonso

“Olhando para trás”, disse Domenicali, “é óbvio que cometemos um erro, mas na época pensamos que estávamos fazendo a coisa certa. Queríamos entrar antes que os pneus se deteriorassem e, embora percebêssemos que tínhamos saído atrás de alguns carros que já haviam parado, não imaginávamos que seria tão difícil ultrapassá-los…”

Isso não explicava, porém, por que a equipe reagiu a Webber – uma ameaça menor ao título naquele momento específico – em vez de Vettel.

“Eles estavam mirando em apenas uma ameaça”, disse Webber após a prova, “mas eles tinham na verdade duas ameaças e apenas um competidor…”

Alonso e Webber foram, portanto, condenados a terminar em sétimo e oitavo, resultado que teria sido suficiente para o espanhol se Vettel não conseguisse vencer.

Isso, porém, nunca pareceu provável. O alemão cuidou de seus supermacios até a volta 24 … e recuperou a liderança quando Button parou 15 voltas depois. Este último terminaria em terceiro, atrás do companheiro de equipe Hamilton.

Durante as dez 10 voltas finais, disse Vettel, eu estava me perguntando o que estava acontecendo. Meu engenheiro de corrida estava tentando me dar conselhos a cada volta, para me ajudar a levar o carro para casa. Eu estava pensando: “Por que ele está nervoso?” Devemos estar em uma posição muito boa. Quando cruzei a linha, ele ligou o rádio muito baixinho e disse:

“Parece bom, mas temos que esperar até que todos os carros terminem”. Eu não sabia o que ele queria dizer – eu não estava olhando para as telas porque não queria nenhuma distração, mas então ele veio ao rádio e gritou que tínhamos ganhado o título de pilotos.

Vettel foi em 2010 um raro campeão que havia chegado à decisão do título apenas em terceiro na tabela

Foi a única vez em toda a temporada de 2010 que Vettel liderou a classificação do campeonato mundial.

Uma virada histórica, a terceira em sessenta anos de disputas em que um piloto entrava na última corrida em terceiro na tabela e saia da corrida como campeão. Essa corrida completou dez anos, Vettel continua competindo e vai tentar superar as dificuldades vividas em 2020 no campeonato de 2021.

Encerro a série e o ano desejando que nossas vidas possam dar uma volta por cima no ano de 2021, fiquem bem e boas festas, aproveitem cada momento e nunca desistam.

 

Até a próxima!

 

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

5 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande texto mais uma vez, Salu!

    Lembro que ao final do GP da Malásia, Massa era o líder do campeonato, mas ao ser informado por Carlos Gil na entrevista ainda no parque fechado, sua empolgação era zero.

    Deixo aqui um ponto para um bom debate.

    Tivesse Webber conquistado o título em 2010, ele teria emplacado um tetra campeonato, ou, teria dividido títulos com Vettel nos anos seguinte!?

    Grande abraço!

    Mauro Santana

  2. wladimir disse:

    Bom dia a todos.
    Lembremos que René Arnoux também era o terceiro na tabela em 1983. Mas uma série de acontecimentos o tornou de zebra a azarado nas duas últimas corridas. A vitória de Piquet em Brands Hatch (penúltima prova) e o abandono de Arnoux selaram a sorte do francês. Que Nelson me perdoe mas Arnoux teve sua melhor temporada e acho que merecia, pelo menos, uma posição melhor para a disputa final. Quanto a 2010 Vettel me perdoe mas Alonso, depois da McLaren repetir o erro da Williams em 86 não oficializando a posição de primeiro piloto do espanhol, foi injustiçado. Só que teve algumas atitudes de prima donna com o Petrov (que não era da mesma equipe, portanto não tinha obrigação de abrir caminho) em vez de administrar melhor a corrida e a vantagem que tinha.

  3. Fernando Marques disse:

    Mario

    muito boa a lembrança da temporada 2010
    Acho que nesta corrida Alonso viu que não tinha na Ferrari o que o Schumacher teve quando ganhou 5 titulos consecutivos …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Leandro disse:

    Parece que foi há tanto tempo, onde haviam mais de 2 pilotos competindo pelo título

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