Vitórias da Alemanha

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O fim-de-semana que passou teve muitas e simbólicas vitórias da Alemanha.

Ao nos depararmos com a frase “Audi ganha Le Mans de novo”, derrotando Toyota e Porsche, devemos imediatamente nos esquivar do sentimento de mesmice.

Sim, André Lotterer, Marcel Fässler e Benoît Tréluyer se tornaram tricampeões a bordo do Audi #2, conquistando para a marca alemã das quatro argolas, sim, sua 13ª vitória (!) em 15 anos. Mas cada vitória é um capítulo e cada corrida tem uma história para contar. A edição 2014 pode muito bem ser definida como a batalha de 24 horas dos mais avançados e complexos carros já construídos pelo homem em toda a história.

A Audi não era favorita, apesar de defender o título. E, exatamente pela complexidade dos novos carros híbridos, todos que lutaram pela vitória enfrentaram problemas mecânicos ou eletrônicos, contrariando os últimos anos, em que os triunfantes foram trouble-free. O perde-e-ganha proporcionado por estes infortúnios foi o tempero da corrida. Ganhou o trio que foi mais rápido (Fässler é ótimo; Lotterer e Tréluyer são espetaculares), a bordo do carro que melhor respondeu aos problemas enfrentados.

Cada uma das três equipes candidatas à vitória levou para La Sarthe uma receita diferente, todas com sofisticadíssimos sistemas híbridos de propulsão elétrica por recuperação de energia. O Toyota TS 040 Hybrid tem um V8 3.7L aspirado. O Porsche 919 Hybrid tem um motor V4 2.0L turbo. E o Audi R18 e-tron Quattro tem um V6 4.0L turbodiesel – com motor elétrico instalado no eixo dianteiro, diferentemente dos rivais, com posição traseira.

Como mencionado, o favoritismo não era da Audi, mas sim da Toyota. O novo modelo japonês já havia dominado as duas primeiras etapas (Silverstone e Spa) do Mundial de Endurance (WEC) e cravou a pole com o carro #7, e o 3º lugar com o #8. E a Porsche, em seu retorno à Le Mans também estava andando mais rápido, ficando com o 2º e o 4º lugares. A Audi ficou atrás. Por mais que fossem defensores do título, estavam numa posição delicada – isso porque as configurações de qualificação e de corrida são muito parecidas.

Enquanto o Toyota #7 de Alex Wurz, Stéphane Sarrazin e Kazuki Nakajima (O autor da pole! Sim, um Nakajima fez pole em Le Mans!) mostrou sólida liderança desde o começo, o Audi #2, pelo talento de seus pilotos, logo se mostrou como o maior desafiante, apesar de não ter força para tentar algo mais ambicioso.

O primeiro a cair fora da disputa pela vitória foi o Porsche #14 de Neel Jani, que em meia hora de corrida teve uma pane na pressão de combustível que obrigou o piloto a entrar na garagem para consertos – que demorariam 5 voltas e tiraram o carro da disputa pela vitória. Esse carro ainda passaria por mais percalços, perdendo várias voltas.

Na metade da segunda hora da corrida, uma pancada de chuva pegou os pilotos de surpresa. A água caiu, de maneira pesada, apenas no primeiro trecho, com toda metade sul seca. E Nicolas Lapierre, com o Toyota #8, demorou demais para frear em meio a água, numa zona de bandeira amarela em que carros deveriam passar a 60 km/h. Bateu forte na barreira de pneus, fazendo com que uma Ferrari GT colidisse com a traseira do Audi #3 de Marco Bonanomi.

A Ferrari e o Audi tiveram que abandonar, mas Lapierre conseguiu se arrastar para os boxes, com frente e traseira destruídos, onde a Toyota milagrosamente conseguiu recolocar o carro na pista, com 9 voltas de desvantagem.

Depois de uma forte chuva na terceira hora, que demandou até Safety Car por ter deixado a Mulsanne alagada, as posições na frente – Toyota #7, Audi #2, Audi #1 e Porsche #20 – foram se definindo e não mudaram no cair da noite. Mas a madrugada sim, essa começou a embaralhar a corrida. O Audi #1 perdeu três voltas por um injetor de combustível defeituoso, que obrigou Kristensen a se arrastar de volta para a garagem. Isso fez o Porsche #20 retomar o 3º posto, que nesta altura já estava duas voltas atrás, por ter um ritmo inferior e ter acumulado algumas paradas não planejadas nos pits, uma delas por furo.

Mas o momento-chave aconteceria exatamente na virada da 14ª hora. O favoritíssimo Toyota #7, que liderava com um minuto e meio de vantagem, teve uma pane elétrica fatal na curva Arnage. Não havia o que fazer para Nakajima colocar o carro novamente em funcionamento. Era um fim melancólico para o grande favorito, que tentava a primeira vitória da gigante japonesa em Le Mans, de derrotas dramáticas em 1994 com o R94C, 1998, 1999 com o GT-One, e em 2012 e 2013 com o 030.

Pronto, Audi #2 na liderança, com duas voltas de vantagem. Mas nada de corrida definida. Enquanto o Audi #1, mais rápido, repassou o Porsche #20 na entrada do último terço de corrida, o líder foi levado boxes para uma troca de turbo que demorou quase 20 minutos, transformando a liderança de quase três voltas em prejuízo de duas. Foi nessa hora que Lotterer voltou para a pista e cravou a melhor volta da corrida em 3:22.881, sendo mais rápido do que foi na qualificação (!).

Faltando apenas três horas para o fim, o líder agora era o Audi #1, de um Tom Kristensen que procurava ganhar sua 10ª Le Mans, uma marca sobre-humana; de um Lucas di Grassi a tentar fazer história sendo o 1º brasileiro a vencer; e de um Marc Gené chamado às pressas para substituir Loïc Duval, que teve um forte acidente nos treinos e foi vetado pelos médicos. Gené, por sinal, foi muito competente, não devendo em nada para os titulares.

Mas não seria o #1 a vencer. Uma nova pane elétrica, e a também necessidade de troca de turbo forçaram uma perda de 4 voltas. Isso significava que, depois de 21 horas de disputa entre Toyota e Audi, era o Porsche #20 quem liderava Le Mans! Não me digam que isto não é espetacular.

Num cenário incendiário, o Audi #2 estava na mesma volta, descontando para o líder em ritmo alucinante. Tudo se encaminhava para um final espetacular. Mas antes da disputa direta pela ponta acontecer, faltando apenas 60 minutos para o fim, Mark Webber leva o 919 Hybrid para a garagem, onde abandonaria. Tréluyer finalmente retomava a liderança, para a quadriculada, seguido pelo super-colega Kristensen. O pódio seria completado pelo Toyota #8, aquele mesmo que bateu na 2ª hora, foi reconstruído e teve uma boa recuperação.

Os momentos finais da corrida ainda tiveram um gesto bonito. O problemático Porsche #14, saiu dos boxes nos minutos finais, apenas para, devagarinho, receber a bandeirada (num distante 11º lugar, 31 voltas atrás) e terminar a corrida. TODO o Box da Audi levantou-se e aplaudiu a persistência do rival. Cavalheirismo e fair play impecáveis, como temos visto sempre naquela pista.

A Audi venceu novamente. Mas escrevi este texto com euforia ao saber de uma outra vitória alemã, ainda mais importante. Não, não foi o acachapante 4×0 da estreia da seleção alemã contra Portugal na Copa do Mundo – que também foi uma senhora vitória.

Estou falando da vitória da vida de Michael Schumacher. Depois de quase seis meses, o heptacampeão saiu do estado de coma. Não poderíamos começar a semana com notícia melhor.

Desde que acidentou-se, no fim de dezembro, Michael Schumacher foi parar na capa do Facebook do GPTotal. Foi nossa forma de homenagear e torcer pela recuperação do heptacampeão. Uma batalha difícil. Ao todo, foram 163 capas diferentes, de momentos da carreira do alemão, e uma mensagem simples: continue lutando.

Schumacher começa agora uma nova e otimista fase de recuperação. Valeu nossa torcida, valeu a sua torcida.

Grande vitória, Michael. A maior de toda a vida. Bem-vindo de volta!

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    A noticia que o Schumacher saiu do coma é ótima.
    Vi um pouco da primeira hora da corrida e me parecia uma prova bem animada.
    Faltou pouco para Lucas de Grassi vencer, mas creio que que a sua trinca fizeram uma excelente corrida.
    24 Horas de Le Mans é acima de tudo resistência a toda prova. A Audi foi mais eficiente neste sentido.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Lucas Giavoni disse:

      Oi Fernando!

      Realmente foi uma prova legal, pois os três times favoritos lideraram. Além disso, são carros mais complexos já construídos, mais até que os F1.

      E a corrida nos lembra que confiabilidade é fundamental. Em 1952, os carros da Cunningham, com enormes motores Chrysler V8, eram favoritos. Mas quebraram. Pierre Levegh tentou vencer sozinho com um Talbot-Lago, mesmo modelo usado por Rosier pai e Rosier filho pra vencer em 50, mas errou uma marcha e estourou o motor na entrara da 23ª hora, por pura estafa.

      Sobrou para os dois Mercedes-Benz na pista. No meu texto sobre John Fitch, eu resgato uma frase dele: “O 300 SL era um conceito terrível para um carro de competição, com todas as suas peças emprestadas de um sedã. O carro não ganhou porque era o mais rápido, ganhou porque era o mais durável”.

      Nada como contar com controle de qualidade da engenharia alemã para conseguir chegar… Tréluyer, Fässler e Lotterer que o digam…

      Abração!

      Lucas Giavoni

  2. A já tradicional coluna do Lucas sobre a prova é, para mim, tão aguardada quanto as próprias 24h de Le Mans.

    Em 2014, felizmente, ela veio embalada com a melhor notícia do ano, para todos nós.

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