Neste período de “off season”, gosto de pensar em pautas atemporais: permanecem atuais, ainda que não tratem da atualidade.
Nos últimos tempos, vi muitos jornalistas (especialmente no ramo do futebol) tratarem sobre atletas subestimados e superestimados, na opinião dos autores. O que percebi — como em quase todas as editorias, pra não dizer que em cada uma acontece a mesma coisa — foi uma confusão de conceitos, uma de ordem geral, e outra mais específica.
Confusão 1: o que é fato e o que é opinião. Neste caso, a mistura dos dois termos, que são tratados como sinônimos mesmo que não se incorra ao dicionário, rompe as barreiras do jornalismo e se torna uma espécie de retrato social.
Confusão 2: o que é a “estima” em torno de um atleta e o que é a carreira (conquistas e prêmios) dele. Aqui, a dificuldade dos articulistas (impulsionada pela confusão primeira) foi a de delimitar o que o atleta alcançou e o que “merecia” alcançar.
Subestimados são atletas/artistas/personalidades cuja percepção geral é a de que foram inferiores ao que de fato conseguiam/podiam produzir, são vistos como “Não tão bons assim”, alguns de seus feitos, quando relevantes, são entendidos de forma reducionista — veja aqui –, são relativizados e diminuídos. Resumindo, alguém subestimado é alguém que seja “muito melhor do que pensam”.
Por outro lado, os superestimados são aqueles sobre os quais há (seja da parte da imprensa especializada ou do público em geral) uma expectativa maior do que a realidade, uma visão que relativiza erros, falhas ou limitações, e que trata hipóteses (o que poderiam ter feito, o que fariam caso…, o que conseguiriam se…) como situações incontestavelmente reais, e não possibilidades dependentes de uma série de fatores.
No meio desses grupos, não podemos esquecer, há os que são “corretamente estimados”, digamos: aqueles cujo “tamanho histórico” é bastante coerente e consistente com o que produziram e ofereciam em suas profissões. Felizmente, esse é o maior grupo, e isso vale tanto para gente como Damon Hill ou Jacques Villeneuve quanto para Senna, Clark, Fangio…
Levando em consideração esses conceitos (espero) melhor definidos, vou elaborar aqui o meu “top 5” de subestimados e superestimados na história da Fórmula 1.
Obs: Como vocês poderão notar, nos superestimados não haverá pilotos dos anos 50. A razão é simples: “Meu maior feito não foi ter conquistado cinco títulos: foi ter sobrevivido” (Juan Manuel Fangio).
Os subestimados
Na história da Fórmula 1, alguns nomes foram subestimados por serem contemporâneos de alguns dos melhores de todos os tempos: por exemplo, Gerhard Berger e Tony Brooks, cada um a seu modo, são esquecidos ou lembrados de maneira pouco elogiosa a suas capacidades e dotes de pilotagem. Em alguma medida, podemos dizer que o mesmo acontece com Felipe Massa. No entanto, minha escolha vai ser dar por pilotos que, a meu ver, mereciam ser colocados numa lista de 30, 35 maiores da história — Phil Hill poderia estar por aqui, também.
# menção honrosa: John Watson
Nesta coluna (aqui), descrevo toda a incrível trajetória do piloto e o porquê desta menção.
5. Jody Scheckter
Campeão mundial de 1979, tem seu título questionado por fãs de Gilles Villeneuve e por jornalistas em seu distanciamento histórico prejudicial à análise mais aprofundada. Vale lembrar que, antes mesmo do campeonato, já teve desempenhos e feitos notáveis (sobretudo em 1974 e 77).
4. Rubens Barrichello
Lucas Giavoni e eu, em nova dobradinha, justificamos esta minha escolha para o quarto posto.
3. Nico Rosberg
A surpreendente e inteligentíssima aposentadoria do piloto deixou uma interrogação sobre o tamanho de Hamilton, um dos melhores da história — texto fundamental de Júlio Slayer sobre o piloto, ainda antes da temporada 2015.
2. Mika Hakkinen
Boa parte dos críticos são senistas (com um N apenas, mesmo) querendo diminuir os feitos de Schumacher. Mas Mika foi um grande piloto. Velocíssimo e com grande sagacidade.
1. Jenson Button
Assim como Nico faria 5 anos depois, superou Hamilton de forma consistente ao longo de uma temporada. Mas relativiza-se demais (“Hamilton pensava na namorada”, “o pai de Lewis comandava a carreira”, “era jovem”, “os pneus”, “o Ron Dennis”…), mas a verdade é que Button sempre andou muito bem, desde que apareceu. E só não foi maior porque foi contemporâneo de Alonso, Vettel e do próprio Hamilton (além de Schumacher).
Os superestimados
É importante trazer novamente o conceito de superestimados e esclarecer que não se trata de afirmar que não sejam grandes, ou mesmo excelentes pilotos: se trata de uma inconsistência entre o que de fato eram capazes de produzir e produziram, de um ponto de vista individual, e aquilo que o público geral imagina a respeito deles. É importante lembrar também que, para alguém ser superestimado, é preciso que muita gente seja subestimada.
Muitos falam que Mansell é superestimado, dizendo que ele não deveria aparecer na mesma frase de Senna, Piquet e Prost (os “pilotos daquela foto“), mas a realidade é que, embora inflados por conta de 1992, os números dele são bem condizentes e ele foi um piloto de grandíssimo talento — embora em igual medida cometesse trapalhadas.
#menção honrosa: Jean Alesi
Alesi surgiu como um furacão ainda em 1989, e surpreendeu positivamente em 1990, especialmente na prova de abertura em duelo memorável com Ayrton Senna (Phoenix). Todo mundo imaginava se tratar do “Próximo grande”, mas a coincidência de seu auge se dar no pior período da Ferrari destruiu suas chances. Resultado: 200 corridas, 1 vitória.
5. José Carlos Pace
Pace foi certamente um piloto habilidoso e com grandes qualidades, inclusive para entendimento do equipamento. Mas me incomoda muito a ideia compartilhada por muitos brasileiros, afirmando que ele “seria campeão mundial não fosse pelo acidente”. Já dediquei algumas palavras a ele aqui.
4. James Hunt
Hunt foi um belo piloto, mas estava claramente abaixo de seus principais contemporâneos. E a conjunção Emerson fora da McLaren + Acidente de Niki Lauda é que lhe permitiram o título, ainda precisando de uma boa dose de esforço. Na realidade, Hunt merece essa posição porque o filme RUSH incutiu a ideia de que se tratava de uma rivalidade equivalente, com Lauda. E o cinema, sabemos, tem licença poética…
3. Kimi Räikkönen
Não à toa, Kimi sempre citou Hunt como seu único ídolo/inspiração entre os pilotos da F1. A Kimi sempre fazemos as concessões do tipo “Não se curva ao sistema” ou “não tem profissionalismo suficiente” (ou, ainda, “tem muitos azares”) para justificar a razão pela qual ele não atinge o nível de consistência exigidos para pertencer à categoria dos maiores. Mas ele teve muitas oportunidades ao longo do tempo, e nunca conseguiu repetir de forma constante os grandes desempenhos que, muitas vezes, podia apresentar.
2. Jacky Ickx
Ickx foi um dos mais versáteis da história, fato incontestável. Mas, na Fórmula 1, não me parece ter sido superior, por exemplo, a nenhum dos citados no top 5 dos subestimados.
1. Gilles Villeneuve
Opinião polêmica, certamente, pois se trata de um dos 2 ou 3 mais carismáticos da história. Mas é preciso entender que, na verdade, ele não era um piloto de F1.
Boa temporada a todos!
Marcel Pilatti
3 Comments
Um post bastante parecido com o livro de Rodrigo Mattar. Falando de alguns pilotos que nunca obtiveram sequer vice campeonatos, ou venceram mais que meia dúzia de corridas, mas que tinham talento e não obtiveram boas oportunidades.
Mais do mesmo, enaltecendo pilotos simpáticos e carismáticos.
E o Fernando marques sempre opinando como especialista.
Marcio
vamos que vamos …
Os subestimados:
Jody Scheckter – o inicio dele na Formula 1 foi muito ruim … se envolveu em vários acidentes … talvez aí a descrença nele …
Rubens Barrichello – penso que ele foi superestimado por elegerem o sucessor do Senna … não fez bem a carreira dele … fora isso na Brawn ele teve tudo aquilo que ele teve na Ferrari, sem ser o piloto 1B, e não conseguiu ser campeão. Sempre achei Rubinho excelente piloto, mas faltou algo a mais
Nico Rosberg – concordo
Mika Hakkinen – talvez aquele acidente onde chegou a ficar em coma tenha trazido alguma falta de crédito em relação se voltaria competitivo
Jeson Button – quando chegou a Formula 1 era tido como uma nova promessa … e demorou muito a confirmar que era bom … graças a Brawn foi campeão …ao contrário …
Os superestimados –
José Carlos Pace – como piloto era mais habilidoso e veloz se comparado com Emerson … só que seu estilo não encaixava bem numa Formula 1 numa época onde terminar uma corrida era complicado devido as quebras … o mesmo vale para Ronnie Peterson, Gilles Villenueve por exemplo
James Hunt – concordo em parte … isso por que em 1976 a Ferrari só se mostrou imbatível com Niki Lauda … e ele correu atrás … muito atrás do prejuízo e conseguiu ser campeão
Kimi Raikkonen – concordo
Jacky Ickx – antes do Senna só ele teve a alcunha de Rei da Chuva, inclusive na Formula 1 … era um dos TOP driver fim anos 0 inicio anos 70 …
Gilles Villenueve – discordo … pilotagem nível do Senna … merecia ser campeão … com certeza o mais veloz da sua época
Fernando Marques
Niterói RJ
Concordo com a lista e a análise; não vejo como poderia ser muito diferente não.