A palmada que não veio – Parte 1

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Em 1964, com motivo da celebração dos jogos olímpicos em Tókio, o Judô foi incluído por primeira vez entre as disciplinas olímpicas. Sendo o Japão o berço desse esporte, onde promovia grande entusiasmo e até paixão, alem de ser seu esporte nacional era quase uma religião de culto, portanto o convencimento geral era que os nipônicos conquistariam todas as medalhas da especialidade.

A competição se disputaria em quatro categorias: até 68 kg, até 80 kg, mais de 80 kg e categoria livre sem limite de peso. Segundo o calendário da competição, essa também seria a ordem dos combates e, como se esperava, os japoneses foram vencendo um após o outro até chegar à disputa da grande final da categoria livre, entre o judoca local Akio Kaminaga e o holandês Anton Geesink.

No dia 23 de outubro, e com o pavilhão Budokan lotado, o combate tem inicio. Depois das primeiras escaramuças, os judocas tomam as coisas mais a sério e quando Kaminaga tenta lançar o oponente ao chão… os dois caem, mas Geesink se recupera e imobiliza o rival com uma chave que deixa o japonês sem escapatória. No entanto, Kaminaga ainda tenta desesperadamente se livrar por todos os meios, mas seus esforços são em vão e logo resulta claro que não o conseguiria.

Em casos assim em que a derrota resulta já inevitável, o normal é que o judoca, mediante uma palmada no chão ( ou no rival ), assuma essa derrota, dando o combate por terminado.

No entanto, Kaminaga continuava esperneando, o tempo passava e a palmada não vinha de tal modo que, perante a negativa do japonês em assumir a derrota, ao juiz do combate não lhe restou mais alternativa que decretar o fim da disputa e conceder a vitória a Geesink, ante o silencio e a incredulidade do publico assistente. Assim, Kaminaga, ainda sem poder evitar a derrota, possivelmente pensou que tudo o que podia fazer era não conceder a vitória ao rival, pois considerava ser isso uma “desonra”.

A temporada de 1987 seria a última da McLaren com os motores TAG, e Ron Dennis já estava buscando uma alternativa. Os motores Honda eram a opção mais ansiada, pois vinham rendendo muito bem tanto na Williams quanto na Lotus, e era sabido que os japoneses não se davam muito bem com Frank Williams, pois este não cedia às petições de incorporar um piloto japonês à sua equipe. Por outra parte, a Lotus já dava sinais de esgotamento, mas contava com Ayrton Senna com quem os técnicos japoneses estavam muito satisfeitos de trabalhar.

Assim, Dennis chegou à conclusão que se podia contratar o brasileiro… Este acabaria trazendo a Honda consigo. Contudo também havia o problema de convencer Prost, pois este não queria um piloto forte ao seu lado, ainda que também quisesse os motores japoneses. No fim, Prost acedeu à chegada de Senna para poder assim dispor dos motores nipônicos, ainda que depois fosse dizendo que foi ele quem havia recomendado a contratação de Senna a Dennis para, deste modo, aparecer como alguém que não temia a concorrência de ninguém.

Na opinião de John Watson, que conhecia o francês de primeira mão de quando foram companheiros na McLaren em 1980 diria:

“ Prost aceitou Senna na McLaren, sem dúvida no pressuposto de que poderia superar o brasileiro com as suas superiores habilidades por atrás dos bastidores “.

Prost não era um neófito na matéria do jogo político e das intrigas, algo que lhe havia rendido bons benefícios anteriormente.

Assim, para a temporada de 1988 a McLaren passava a contar com a dupla formada por Alain Prost, quem possivelmente era o melhor piloto do momento, e com Ayrton Senna, o máximo aspirante a essa condição. No entanto, naqueles primeiros instantes, recorda Dennis como a situação se apresentava:

“ Eu olhava para a cara das pessoas e foi a primeira vez que vi o Alain a ficar tenso. Porque ele tinha alcançado o estatuto de número um na equipe e, de repente, tinha este jovem que, com certeza, tinha todos os conhecimentos da competição.”

Dennis contemplava ante si um verdadeiro desafio, pois os dois exibiam uma grande ambição, ainda que possuíssem diferentes personalidades:

Prost era metódico, bem organizado, com dotes de liderança e com muita capacidade de comunicação e relacionamento com a agente. Pessoas assim também são resolutas, autoconfiantes, insensíveis e não hesitam em deixar os outros a cambalear por onde quer que passem, e quando se convencem de que algo precisa ser feito… O fazem. Tendem a atribuir a méritos próprios seus sucessos e a fatores externos os seus fracassos, e se importam pouco com os outros, pois são implacáveis. Segundo diria Nigel Mansell Prost era “Professor de Manipulação e Política na F1

Por sua parte Senna era uma pessoa reservada, difícil de conhecer e com grande sensibilidade, além de ser um idealista que tende a trabalhar incansavelmente para alcançar seus objetivos. Pessoas assim costumam focar-se muito no que fazem e a prestar atenção até aos mais mínimos detalhes, a deixar-se guiar por fortes e profundos valores e resulta difícil que abandonem o curso de ação escolhido. Também podem chegar a ser incompreendidas e são mentalmente fortes. Quem fora seu último companheiro na McLaren Gerhard Berger o descreveria dizendo que “Quando estava concentrado, ele não sentia dor nem estresse. Nada !

Como vemos a tarefa de compatibilizar essas ambições, sem que o rendimento e bom ambiente de trabalho na equipe se ressentissem, não seria nada fácil, e para evitar qualquer suspicácia, Dennis logo lhes diz a Prost:

“Vamos dar-vos igualdade. Vou garantir, Alain, que vais ter igualdade da Honda, porque essa é uma das tuas preocupações, e Ayrton vai ter igualdade de carro e tudo. Mas o teu comportamento é fundamental, eu acredito muito no comportamento das pessoas, como é que elas pensam que devem agir dentro da equipe.”

Porem, ainda que o desafio ao que tinha de se enfrentar Dennis era enorme, não era maior àquele ao que tinha pela frente Senna. Para o brasileiro, que então era já considerado como um potencial campeão, derrotar Prost seria uma árdua tarefa, pois chegava a uma equipe onde o francês já estava bem integrado e com a qual já havia conseguido dezenove vitórias, dois campeonatos e um vice, alem das muitas qualidades que entesourava, fossem estas dentro ou fora da pista, e das quais ninguém duvidava. Tampouco havia duvidas respeito à determinação do francês em manter o cetro… Custasse o que custasse.

Caso tudo isso não bastasse, Prost entrou na Formula um com patrocínio da Marlboro… Precisamente na McLaren em 1980. Para aquela temporada, Teddy Meyer parecia mais interessado em Kevin Coogan, mas a filial Marlboro na França queria um francês e recomenda a Prost, de modo que um teste no circuito de Le Castellet decidiria quem ficava na equipe… E Prost superou o americano. Desde então Alain sempre contou com o patrocínio da tabagista, portanto Prost “jogava em terreno próprio”.

O pior é que, se Ayrton queria ser considerado um piloto de primeira magnitude (e queria), não lhe restava mais alternativa que superar Prost, objetivo no que outros sempre haviam fracassado. Para “piorar” ainda mais a situação, desde o principio da temporada, logo ficou claro que o MP/4-4 era, com grande diferença, o melhor carro do grid, portanto a resolução do campeonato necessariamente se dirimiria entre os dois, pois se um falhava… a vitória seria para o outro e qualquer momento de debilidade seria aproveitado pelo rival.

Assim, Senna tinha ante si uma temporada em que nenhum outro piloto podia interferir na batalha entre ambos e tudo se resumia a derrotar Prost… Ou a ser derrotado por este. Uma situação assim era algo inédito na categoria, pois nunca uma equipe se havia mostrado tão dominante nem havia oferecido total igualdade de tratamento e equipamento aos seus pilotos. Glória ou derrota, essas eram as únicas opções possíveis às que se enfrentava Senna. Como o próprio Senna explicou: “No caminho para o topo, não há espaço para dois“.

Desde a primeira corrida no Brasil, Senna logo impôs a sua maior velocidade, superando a Prost nas classificações de maneira rotunda, ainda que Prost, com seus seis segundos lugares quando Senna ganhava e com vitórias no Brasil e Mônaco, aproveitando abandonos do brasileiro, mantinha firme as suas aspirações ao titulo. Assim chegaríamos ao GP da Itália, onde ambos abandonam, deixando a tabela do campeonato com 75 pontos para Senna e 72 para Prost.

Aquela tensão que Dennis havia notado em Prost com a chegada de Senna, se havia mantido mais ou menos sob controle todos esses meses, ainda que Prost já houvesse começado a sua campanha de incidias dentro da equipe, sempre buscando desculpas para justificar as suas derrotas, como na Hungria onde, em seus depoimentos à imprensa francesa, ele disse haver tido um problema com os rolamentos, algo que foi logo negado pelos engenheiros da equipe.

Prost tratava por todos os meios de abalar a moral de Senna desmerecendo seus logros. Em Mônaco, depois da soberba classificação do brasileiro, Prost inclusive trata de apresentar Ayrton como alguém obcecado que não apenas se conformava com derrotá-lo, mas o que queria mesmo era destruí-lo. Para então Prost já era consciente de que Senna representava uma ameaça muito mais séria que a dos seus anteriores companheiros, e nem a sua vantagem de menor peso corporal, que lhe concedia cerca de 0,3” por volta de média, lhe resultavam suficientes para bater o brasileiro.

Para alguém com uma autoconfiança tão alta quanto Prost, era lógico pensar em si mesmo como o objetivo a superar por Senna. No entanto, temo que fosse o próprio Prost quem acabou obcecado com esse pensamento, pois não soube compreender a natureza da personalidade de Senna.

Na próxima coluna vamos continuar essa história eletrizante do convívio entre Prost e Senna a partir da temporada de 1988

 

até lá

Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

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  3. Fernando Marques disse:

    Manuel Blanco,

    pelo visto teremos uma bela história pela frente e grandes recordações
    Até mesmo pelo belo relato da sua coluna, me arrisco a dizer que a chegada dos motores Honda na Formula 1 nos anos 80 mexeu muito e mudou a dinâmica internas das proprias equipes, por causa da supremacia de seus motores. Foi assim na Wlliams (entre Piquet e Mansell) e mais dominante com a Mclaren (Senna x Prost)
    Que a Palamada não veio – Parte 2 venha logo

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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