A palmada que não veio – Parte 2

A palmada que não veio – Parte 1
12/04/2024
Sobre perspectivas e Sennas
19/04/2024

 

Leia a primeira parte dessa coluna clicando no link:

A palmada que não veio – Parte 1

Para Senna, o verdadeiro rival a bater era si mesmo e, uma vez esse objetivo esteve estabelecido, se dedicava plenamente a cumpri-lo e nada lhe desviaria do caminho marcado. Para o brasileiro seu trabalho incansável tinha como objetivo seu próprio aprimoramento pessoal.

Assim, Prost, ou qualquer outro, apenas estava no meio desse caminho.

Porem foi definitivamente em Portugal onde Prost mostrou toda a sua falta de temperança, pois até então o habitual era que fosse superado por Senna, quando os dois estavam em pista disputando a vitória. Depois do abandono do dois em Monza, aquele GP em terras lusas marcaria o inicio a contagem dos melhores onze resultados que estabelecia o regulamento para determinar o campeão.

No circuito de Estoril veríamos o sistema de melhores resultados em toda a sua grandeza e exigindo o máximo dos pilotos, pois nenhum resultado que não fosse uma vitória… Podia ser já suficiente para a obtenção do título.

Prost, que para a ocasião estreava um chassi novo e mais rígido, consegue um excelente tempo logo no inicio da classificação e, continuando com suas “manobras psicológicas”, logo se retira da sessão. Segundo Neil Oatley, o engenheiro de pista de Prost, aquele foi o primeiro momento de verdadeira tensão entre ambos os pilotos, pois para Senna aquela atitude displicente de Prost foi vista como uma falta de respeito.

Senna, quem teve problemas com a configuração do motor durante todo o fim de semana, ficaria com o segundo lugar no grid a quase meio segundo de Prost, para terminar a corrida num medíocre sexto lugar, enquanto que o francês vencia comodamente.

No entanto, nem essa vitória aplacou a ira do francês que,  logo após a corrida, foi fazendo exageradas declarações à imprensa nas que se queixava da “atitude agressiva” do brasileiro. Dizia ele que, durante a ultrapassagem a Senna na reta, este o havia empurrado contra o muro, ainda que Ayrton deixasse espaço de sobra para a manobra tão logo viu o francês ao seu lado. Porem Prost nada dizia sobre o mesmo “empurrão” que ele deu em Senna para fora da pista logo na terceira largada, algo que não havia feito nas anteriores. Contudo, não se pode negar que, na imagem frontal, a ação de Senna foi mais espetacular que a de Prost e, naquela altura da corrida, ninguém lembrava já da primeira.

A seguinte prova seria na Espanha e Prost continuava precisando de vitórias, pois já havia coberto seus onze resultados e só podia descontar segundos lugares, enquanto que Senna só havia pontuado em dez corridas, portanto ainda podia somar bons pontos. Em Jerez é Senna quem marca a pole, com Prost em segundo lugar, mas o francês acabaria vencendo, enquanto que Senna termina em quarto lugar sofrendo novamente problemas na configuração do motor.

Com este resultado Prost chegava aos 84 pontos e Senna ficava com 79 e, se os dois seguiam ocupando as duas primeiras posições nos últimos dois GPs, como habitualmente o fizeram ao longo da temporada, Prost tinha que ganhar os dois para ser campeão, mas Senna só precisava vencer em um deles. Assim, o GP do Japão no circuito de Suzuka, poderia ser o cenário da resolução do campeonato.

Em Suzuka Senna consegue uma nova pole, dominando toda a sessão de classificação desde o principio, com Prost em segundo. Com todos já dispostos para a corrida, o motor se Senna “engasga” quando as luzes se apagam, mas o consegue por em funcionamento novamente, depois de perder varias posições, e se incorpora à disputa, ainda que ocupando a décimo quarta posição, enquanto que Prost se escapa na liderança.

Porem, numa fantástica corrida de recuperação, Senna alcança o francês, que vinha sofrendo problemas com a caixa de câmbio, e o supera na volta 27 em plena reta, apesar da resistência oferecida por Prost, quem, vejam só espreme Senna contra o muro, obrigando-o quase a entrar na linha de saída dos boxes para evitar a colisão. A partir desse instante, Senna mantém a primeira posição até receber a bandeirada final como vencedor com treze segundos de vantagem sobre Prost… Consagrando-se como novo campeão !

O francês, uma vez mais, trataria de justificar a derrota com diversas criticas ao novo motor Honda RA168E que, segundo ele, apresentava uma distribuição de potencia abrupta e muito turbo lag. Inclusive, Jean Marie Balestre, o presidente da FIA , apoiaria seu compatriota dizendo que havia implicações de que a Honda estava favorecendo um piloto em detrimento do outro, algo ridículo visto os recentes problemas de motor de Senna em Portugal e Espanha e que permitiram a Prost vencer nas duas ocasiões.

As manifestações de Prost nesse sentido não eram nenhuma novidade, pois já as havia feito anteriormente ao longo da temporada (também na Renault, quando dizia receber motores menos potentes que os de Arnoux, por quem a equipe, segundo Prost, tinha mais afeição). Tampouco resulta raro que, quando aos dois pilotos de uma equipe se lhes dá o mesmo tratamento e um deles começa a superar o outro, este passe a se queixar de ser discriminado. Basta recordar o caso mais recente de Hamilton e Rosberg em 2016, e as insinuações de Hamilton nesse sentido.

Porem o intrigante para Ron Dennis a para a Honda era que Balestre tomasse partido pelo patrício e assumisse as suas suspeitas como certas.

Precisamente e para garantir a igualdade entre Prost e Senna, os melhores motores disponíveis para cada um dos GPs eram atribuídos aos pilotos pelo velho método de lançar uma moeda ao ar, portanto não podia haver favoritismo nenhum. Dennis, indignado com Balestre, quem até insistia em que os carros desviam de ser submetidos a uma inspeção pelos comissários da FIA, energicamente descartou tal inspeção e desafiou aos jornalistas presentes na conferência a que, se havia alguém que honestamente acreditasse que houve favoritismo, que levantasse a mão de imediato, pois esse tipo de alegações resultava insultante para toda a equipe.

A temporada terminaria com o então já intranscendente GP da Austrália, contudo a tensão que havia ido crescendo entre Prost e Senna durante a temporada continuaria sendo alimentada pelo francês e suas insidiosas declarações à imprensa. O francês Inclusive recorreria ao golpe baixo de tentar apresentar o brasileiro como um fanático ou um perturbado mental em base às suas crenças religiosas.

Definitivamente, o hábil francês era um mestre nas artimanhas da manipulação e jogo psicológico e, como disse Watson, se desenvolvia muito bem nos bastidores, de tal modo que tudo parecia indicar que o acontecido na temporada que terminava era apenas um aperitivo do que a seguinte nos ofereceria.

A temporada de 1989, uma vez mais começava com o GP do Brasil e, uma vez mais, Ayrton Senna ocupava a pole, mas logo “prensado” entre Patrese e Berger, o brasileiro perderia os aerofólios dianteiros e tinha de entrar no Box para trocar o bico, ficando sem opção de vitória, para terminar undécimo, enquanto que Prost conseguia o segundo lugar, atrás de Mansell. Ferrari e Williams pareciam capazes de desafiar o domínio da McLaren, portanto a temporada prometia ser bastante emocionante.

Imola acolheria o segundo GP da temporada onde Senna bate Prost de maneira rotunda, mas então o francês logo vai declarando à imprensa que o brasileiro não havia respeitado um “acordo secreto entre cavalheiros”, em virtude do qual, dada a largada, não disputariam a posição na delicada curva Tosa. Indignado, Prost dizia sentir-se traído por Senna.

Como recordamos todos, Gerhard Berger sofreu um grave acidente na Tamburello nas primeiras voltas, o que obrigou à suspensão da prova e, pouco depois, com uma nova largada se daria continuação à mesma. Segundo Prost, o acordo ainda seguia vigente para a segunda largada e contemplava respeitar quem chegasse primeiro na curva Tosa, enquanto que Senna defendia que ele iniciou a ultrapassagem antes de chegar à curva e entrou nela primeiro.

Deste modo e havendo sido um acordo privado (Ninguém na equipe sabia nada ao respeito), só temos a versão de um e do outro e, assim, não me atrevo a dizer quem deles tinha razão, pois tudo parece haver sido um mal entendido entre ambos, e cada um tinha a sua própria interpretação do acordo… Em base aos seus interesses particulares.

Aqui podemos até recordar que esta não era a primeira vez que Prost recorria a uma artimanha deste tipo, pois em 1982, e estando na Renault junto a Rene Arnoux, Prost também foi correndo à imprensa para denunciar que Arnoux não havia cumprido o pacto que tinham, quando este não lhe cedeu a vitória no GP da França, tal com dizia que haviam acordado previamente. Porem, Arnoux, ainda que admitisse que Prost lhe houvesse sugerido tal pacto em presença de Gerard Larrouse, disse que o acordo nunca se formalizou, pois os dois tinham contratos iguais e ninguém da equipe lhe ordenou ceder a posição a Prost, como sim aconteceu no caso do GP do Brasil de 1981, quando Reutemann se negou a deixar passar Jones (que tinha clausula de prioridade em seu contrato), apesar das reiteradas indicações desde o Box.

Assim, e com os seus antecedentes, me parece que tudo formava mesmo parte das intrigas de Prost. Se os acordos haviam existido tal como ele dizia e, também tal como ele dizia, haviam sido “acordos secretos entre cavalheiros”… Que diabo fazia Prost expondo-os em publico ?

Não creio que seja próprio de “cavalheiros” andar por ai divulgando o que se trata em segredo e, em qualquer caso, o primeiro a ser feito se ele pensava que esses acordos haviam sido violados, era haver pedido explicações à outra parte também de forma privada, antes de recorrer à imprensa apresentando-se como uma indignada e desvalida vitima.

Assim, ao meu modo de ver, a atitude de Prost foi bastante mesquinha e me parece que apenas fazia parte de seus manejos e jogos psicológicos, com o propósito de apresentar Senna ante a audiência como um sujeito desprezível e desleal, pois, como sabemos a vitima de uma traição sempre promove muita simpatia entre o público, na mesma medida que repulsão causa o seu traidor.

A guerra psicológica entre eles estava começando seus contornos mais perversos por parte do francês, na próxima coluna vamos continuar a saga

Até lá

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

4 Comments

  1. […] A palmada que não veio – Parte 2 […]

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    Aa palmada que não veio – parte 2 …
    clap!!!
    clap!!!
    clap!!!

    Me atrevo apenas a fazer 2 comentários

    1) Ayrton Snna cometeu dois pecados que quase lhe custou o titulo em 88 … aquela batida sem proposito (com mais de 1 minto de vantagem sobre Prost) e aquela batida em Monza com um retardatário , corrida tbm mas que ganha e com Prost fora (unica corrida que um motor da Honda teve pane na temporada) … se não tivesse cometido estes dois erros não haveria espaço para Prost vir de mesquinharia … o titulo praticamente estaria decido em Monza.

    2) Em compensação … em Suzuka, para mim ele fez a melhor pilotagem da sua vida, ganhou a corrida e foi campeão apesar de mais um erro seu na largada …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Rafael Friedrich Manz disse:

    Rapaz, ansioso pela sequência. Vida longa e próspera a todos Gepetos.

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