A sangue quente

Problemas & problemas
06/10/2014
Infeliz
10/10/2014

Temo que medidas discutidas a partir do acidente com Jules Bianchi possam ser prejudiciais à F1

Somos, todos nós, agora, muito sensíveis às violências mostradas na TV, principalmente aquelas que envolvem pessoas famosas. Por isso, dificilmente o pavoroso acidente envolvendo Jules Bianchi em Suzuka, durante o GP do Japão de domingo, deixará de ter consequências para a Fórmula 1. Temo que, adotadas a sangue quente, elas sejam prejudiciais à categoria.

Cockpit fechado, uso mais frequente do safety car, suspensão das corridas sob chuva, controle externo e compulsório da velocidade dos carros sob bandeira amarela e outras medidas certamente serão debatidas e muito provavelmente implementadas nas próximas semanas, na tentativa de prevenir novos acidentes.

Por meritórias que sejam, é preciso ter em mente que iniciativas dessa natureza têm como consequência final fragilizar as bases mais profundas do automobilismo: o desafio humano de superação da velocidade, com todos os riscos inerentes.

Não contesto tampouco lamento a distância dos tempos onde os defensores do automobilismo criticavam até a colocação de guard-rails nas pistas, argumentando que os pilotos se expunham a correr em meio a obstáculos sólidos e agudos por livre e espontânea vontade. Já lembrei aqui que este espírito ao mesmo tempo indômito e anacrônico condenou Jim Clark, que perdeu a vida ao bater em uma árvore poucos metros distante da borda da pista de Hockenreim, sem que houvesse nada mais a separa-las do que uma cerca de arame farpado, posta ali provavelmente para não deixar que animais entrassem com facilidade na pista.

A morte de Clark e de tantos outros pilotos até os anos 70 não foi em vão. A segurança passiva e ativa foi imposta ao automobilismo mas sem que se mudasse seu fundamento de superação e risco calculados, mesclando coragem e inventividade humanas. A eliminação do risco do automobilismo é uma meta impossível, a não ser que se torça forma e conteúdo das corridas até o ponto da desfiguração, assim como a luta livre fez com o boxe, por exemplo.

Por conta disso, ainda sob impacto da violência que acometeu Bianchi, eu me concentraria em discutir regulamentos mais rígidos para a intervenção dos fiscais de pista, limitando ou mesmo proibindo a entrada na pista de veículos estranhos à prova (não creio que seja uma grande dificuldade retirar os carros da pista exclusivamente por meio de gruas, como se faz em Mônaco, por exemplo).

Também estudaria a imposição da neutralização da corrida, definindo uma velocidade máxima para os carros em trechos sob acidente, como se fez em Le Mans este ano. A telemetria bidirecional poderia ser usada para garantir que os pilotos não burlassem a regra, da mesma forma que nenhum deles se atreve, hoje, a superar a velocidade máxima ao percorrerem a área dos boxes.

(A análise menos apaixonada que li até agora sobre o acidente em Suzuka, formulada por AutoSprint, menciona a velocidade excessiva de Bianchi, ainda que ele possa ter sido iludido pelo fato de um fiscal de pista estar acenado com a bandeira verde no momento do acidente. Mas a verdade – e isso vale desde a antiguidade do automobilismo – é que nenhum piloto gosta de aliviar quando sob bandeira amarela.)

Eu não pensaria em limitar mais as corridas sob chuva (foram elas, afinal, que proporcionaram corridas inesquecíveis, como Nurburgring 68 e Donington 93, dois dos mais fantásticos GPs jamais disputados), tampouco franquear mais a presença do safety car. Creio que o conjunto de ações de segurança – principalmente as grandes áreas de escape e os níveis extraordinariamente altos de resistência dos chassis – em vigor dão bem conta dos desafios de segurança. Creio, também, que as pesquisas devem continuar, buscando novos materiais, técnicas construtivas e formas inteligentes de absorver choques, sejam nos carros, sejam nas barreiras de segurança. E seria importante também que as autoridades esportivas, os organizadores e as emissoras de TV se dobrassem à realidade de que, diante da iminência de um tufão, seja necessário antecipar a largada da corrida.

Esta, afinal de contas, foi a causa mais profunda do acidente que vitimou Jules Bianchi. Tenho a impressão de que tem sido o item menos discutido até agora, mesmo considerando que, nessas horas, é importante ter sangue frio.

Não é a mesma coisa que tentei dizer acima mas serve como referência. Por isso, aqui vai trecho de artigo do sempre inspirado Nuno Ramos, publicado em Piauí:

“A globalização e as cifras improváveis, o controle do jogo pela repetição das imagens em close, a hipérbole do preparo físico, a hipérbole das estatísticas, a hipérbole dos técnicos e dos esquemas táticos não conseguem furar a cifra básica do jogo: futebol está armado sobre um chão movediço e improvável, aberto ao acaso e à frágil exceção. O mundo contemporâneo parece querer controlar este animal disjuntivo, orgulhoso em sua fuga e quanto mais procura menos alcança”.

Fernando Alonso deve ser anunciado a qualquer momento como piloto da McLaren Honda. O que se tem noticiado sobre o motor japonês, e também o retrospecto da equipe inglesa nos últimos anos, não prenuncia um 2015 fácil para o espanhol.

É lícito afirmar que dificilmente ele será protagonista na próxima temporada, talvez também em 2016, quando estará completando 35 anos de idade. Ou seja, Fernando Alonso, merecidamente descrito como o melhor piloto da atualidade, pode encerrar a sua carreira na Fórmula 1 sem chegar ao tricampeonato.

É uma estranha e triste sina, esta a dos pilotos fora-de-série espanhóis. Também Carlos Sainz, astro do rali dos anos 90, sempre comparado a Ayrton Senna, chegou ao bicampeonato em 90 e 92 e depois, quando dele se esperava a quebra de todos os recordes, amargou uma série infeliz de troca de equipes nos dez anos seguintes, sem jamais repetir seus feitos.

Espero que não ocorra o mesmo a Alonso.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

6 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Acho que o Lucas disse tudo … o acidente do Bianchi tem que ser investigado como se fosse um acidente aéreo … parece estar claro que o acidente foi em razão de uma série sequencial de erros assim como acontece na maioria quase absoluta dos acidentes aéreos … no caso do Bianchi parece claro que ele estava numa velocidade não compatível para a bandeira amarela, tem a questão dos fiscais de pistas, tem a questão do trator, te, a questão da condição climática … e por aí vai … tem muita coisa a ser investigada …

    Com relação ao Alonso, confesso estar surpreso, pois não acreditava em mudanças de cockpit’s tão impressionantes como estamos prestes a ver ao fim desta temporada … a primeira pedra deste xadrez foi da Ferrari que anunciou o fim do contrato com Alonso … e em seguida Vettel anuncia a sua saída da RBR, que por tabela anuncia a dupla de pilotos para 2015 sem nenhum top driver da atualidade … a Mercedes deixa a entender que não muda nada em 2015 … só resta ao Vettel ir para a Ferrari e ao Alonso para a Mclaren … a não ser que venha alguma bomba da Mercedes …

    Com relação a Mclaren/Honda penso eu que poder participar desta nova jornada será uma jornada muito boa, seja lá quem for o piloto anunciado …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Manuel disse:

      Mas… alguem é realmente tao ingenuo para pensar que a tal investigaçao servira para algo ?

      Como dizia Napoleao : ” Se voce quiser que um assunto jamais se resolva… designe uma comissao que se ocupe do caso ! “

  2. Lucas Giavoni disse:

    Na minha visão (a qual todos estão abertos a discordar), este acidente deve, ou deveria, ser investigado da mesma maneira que se investigam acidentes aéreos. Paixões ficam de lado neste momento.

    Procura-se descrever precisamente o cenário. E, em vez de sair apontando culpados com dedos inquisitórios, elencam-se evidências de todos os fatores que contribuíram com o acidente.

    Por fim, fazem-se recomendações para que aquela infeliz ocorrência não mais se repita.

    Abração!

    Lucas Giavoni

  3. Mauro Santana disse:

    Ahh, e tem mais um detalhes que eu estava esquecendo.

    Uns anos atras, a pequena Raposa veia de rabo mais peludo de todas queria até bolar um esquema nos autódromos para cria uma “chuva artificial” para que as corridas ficassem mais emocionantes.

    Nestas horas, é óbvio que ele não vai lembrar disso, e que banir corridas com chuva na F1 será mais uma pá de cal jogada sobre a F1.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto Edu!

    Concordo contigo, pois tomar atitudes de cabeça quente só vão piorar ainda mais as coisas para uma F1 que à muitos anos anda muito, mais muito perdida em suas decisões.

    Agora vou um pouco mais além neste debate:

    E nas corridas de moto!?

    Nos últimos anos ocorreram alguns acidentes fatais na categoria, e nem por isso a FIM tomou decisões precipitadas de cabeça quente, e também descaracterizou a categoria.

    Vejam, não estou falando que os pilotos tem que morrer, não é isso, mas sim que na F1 existe riscos como em qualquer outro esporte em que o atleta esta sujeito a tal.

    Querem outro exemplo de esporte que eu acho super perigoso!?

    Salto sobre o cavalo na ginástica olímpica, e o MMA.

    A nós, amantes da F1, nos resta aguardar o que será feito desta vez.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *