Hold the Line

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Em 1978 seis músicos de estúdio desconhecidos para o público, mas que haviam colaborado com várias estrelas da época, como Barbra Streissand, Boz Scaggs ou Jackson Browne, decidem formar seu próprio grupo em cumprimento de um velho sonho e, em outubro, lançam seu primeiro single. O disco de imediato seria um sucesso internacional, catapultando a formação ao primeiro plano do universo musical. O nome escolhido para o grupo seria “TOTO” e o título daquela canção era “Hold the line “.

Hold the Line

A canção havia sido composta por David Paich, o tecladista do grupo, e seu título tem sua origem numa expressão inglesa que faz referência à necessidade de se manter firmes perante uma determinada situação, de ser pacientes e não precipitar os acontecimentos.

Segundo Paich, ele trasladou essa expressão ao relacionamento que mantinham uns jovens apaixonados e, concretamente, ao instante em que o rapaz diz à moça que tivesse paciência, pois em alguns casos o amor surge ao instante, mas em outros pode precisar de mais tempo para se desenvolver.

Como em qualquer outra atividade da vida, o amor tem seu momento perfeito para se manifestar em plenitude, portanto até então… ela devia se “manter firme” na relação e ser paciente.

Nesse mesmo mês de outubro, também iniciaria seu Pontificado João Paulo II, enquanto Mario Andretti se proclamava campeão na Fórmula 1, com seu maravilhoso Lotus 79.

Voltando um pouco atrás no tempo, recordemos que Bernie Ecclestone havia comprado a moribunda equipe Brabham no fim de 1971, com o que passava a ser membro da associação de construtores, a FOCA.

Bernie logo viu que a associação precisava ser revitalizada e de imediato se dedicou ao trabalho. Com perseverança e paciência, Bernie foi criando uma estrutura que liberava as equipes de trabalhos burocráticos, como o transporte e a preparação da documentação necessária para participar dos diferentes GPs, assim como as negociações com os organizadores, patrocinadores e meios de comunicação.

Com tudo isto nas mãos de Ecclestone, as equipes, além de ficar livres de toda aquela burocracia, ainda viam como seus recursos aumentavam, pois pouco a pouco a Fórmula 1 foi ganhando popularidade. Até então, quatro categorias eram as que desfrutavam da maior notoriedade no automobilismo mundial: Fórmula 1 e Sport Protótipos na Europa, enquanto na América do Norte dominavam USAC e Can-Am.

Porém, a Fórmula 1 sob a batuta de Bernie cobrava cada vez maior protagonismo.

Até a equipe McLaren, que até então dava prioridade à sua participação nos campeonatos americanos, onde se desenvolvia muito bem (USAC e Can-Am), pois ofereciam prêmios muito suculentos, focava cada vez mais na Fórmula 1.

Assim, equipes do novo mundo se sentiram atraídas por essa notoriedade e começaram a participar na Fórmula 1 naqueles anos. A primeira delas foi a Shadow, à que logo lhe seguiriam duas das mais tradicionais equipes da USAC: Penske e Parnelli. Esse súbito interesse americano na Fórmula 1 podia pôr em perigo os planos de Bernie para a categoria, e pelos que ele tanto havia trabalhado.

Essa ameaça foi ainda maior quando a USAC confirmou em janeiro que havia programado duas provas na Europa, validas para seu campeonato. Uma na Alemanha e outra na Inglaterra.

Se a USAC planejava se expandir para a Europa, esta podia chegar a ser um sério competidor da Fórmula 1. Finalmente, a prova germana não prosperou e as duas se disputariam em circuitos britânicos, sob organização da MCD (Motor Circuit Developments).  Porém, como medida para poupar custos e por segurança, USAC decidiu reduzir os participantes naquelas duas corridas a um número inferior ao que era habitual nas corridas americanas e, para tal efeito, uma eliminatória teria lugar no circuito oval de Michigan Speedway, classificando-se para as provas europeias apenas os 16 primeiros colocados dessa prova. Isso acabou não deixando muitos atrativos àquelas duas corridas europeias, pois os candidatos ao título superaram a eliminatória: Rick Mears, Tom Sneva, Al Unser, E. J. Foyt e Johnny Rutherford, com o que a emoção da disputa estava garantida.

 

A primeira daquelas provas seria programada em Silverstone para o sábado dia 30 de setembro, mas devido à chuva, seria adiada para o domingo. Havia muita expectação por ver como se comportariam aqueles carros desenhados para correr em circuitos ovais girando à esquerda, quando tivessem que tomar curvas à direita e, desde o princípio aqueles “monstros” de quase mil cavalos não decepcionaram.

Danny Ongays conseguiria a pole position com um tempo de 1’ 16” 25, rebaixando o registro de James Hunt do ano anterior com seu McLaren M23 1’ 18” 49 e, para maior surpresa, batendo o recorde da pista em poder de Ronnie Peterson de 1’ 16” 80.

A corrida resultaria um verdadeiro espetáculo, pois, ainda que à primeira vista não houvesse muitas diferenças aos carros da Formula um, estas eram importantes. As duas mais destacáveis faziam referência à potência dos motores turbo comprimidos que equipavam, e que quase duplicava a dos propulsores da Fórmula 1. A outra era em relação aos pneus, na USAC eles eram um pouco mais estreitos que na Fórmula 1. Assim, ver aqueles carros traçar as curvas à direita era uma delícia, pois os pilotos tinham que fazer verdadeiros esforços por manter o carro na curva, freando forte na entrada e liberando a enorme potência dos motores turbo na saída.

USAC em Brands Hatch parte 1

Ongays assumiu a liderança já desde largada, que ampliava consistentemente volta por volta até abandonar na quinta com a transmissão quebrada. Isto deixava a ponta nas mãos de Al Unser, que era perseguido por Mears e Sneva. Após os reabastecimentos, Mears era o líder quando se cobria a volta 25 com Foyt no seu encalço, até que duas voltas depois a corrida seria suspendida a causa da chuva, pois o regulamento USAC não permite corridas sob essas condições.

Após uma espera de meia hora, uma nova largada relança a corrida, com Foyt acossando Mears sem descanso para, finalmente, na volta 32 arrebatar-lhe a liderança. Enquanto Foyt com seu Coyote e Mears com seu Penske e se digladiavam na frente, Danny Ongays com seu Parnelli estabelecia a volta rápida, com um tempo de 1’ 18” 45 (a do ano anterior na Fórmula 1 havia sido também de Hunt com um tempo de 1’ 19” 60). Porém, na volta 38 a chuva volta a se apresentar e os carros são chamados aos boxes uma vez mais. Após esperar um bom tempo e como desta vez a chuva não parecia ser uma enxurrada passageira, é decretado o fim da prova, ainda que faltassem catorze voltas por se disputar, ficando o pódio constituído por Foyt, como vencedor, com Mears em segundo lugar e Sneva em terceiro.

 

No fim de semana seguinte, os bólidos se trasladariam ao circuito de Brands Hatch para seu segundo confronto. Para evitar que a chuva voltasse a “estragar” a corrida, no último momento é decidido que a prova se disputasse num recorrido mais curto do circuito, para reduzir a duração da corrida. Tratava-se de uma espécie de “pequeno oval deformado” que só era usado em testes. Mario Andretti, ao saber da decisão, diria que era uma pena que as curvas mais emblemáticas de Brands Hatch ficassem fora da disputa. Desde então, aquele “circuito” é conhecido como o “Indy Circuit”.

 

O fim de semana se apresentou ensolarado e, apesar de ser um circuito a priori pouco apto para aqueles carros concebidos para grandes ovais, nos treinamentos Al Unser conseguiria a pole com um tempo apenas um pouco superior ao que havia conseguido Lauda, com o Brahbam BT46B (O Fan Car). Mears e Ongays, lhe acompanhariam na frente do Grid. No entanto, Unser nem chegaria a completar a primeira, por quebra da embreagem, deixando a Ongays como dominador da corrida e nem os reabastecimentos o privaram dessa privilegiada posição.

Nada mudou até que na volta 83, Ongays abandonaria com problemas na sua caixa de câmbio e Mears assumiria a liderança, com Sneva em segundo, ambos com Penske. Com Sneva disputando o título com Al Unser, parecia lógico que Roger Penske desse instruções aos seus pilotos para trocar de posições, o que teria aproximado Sneva ainda mais ao título.

Ele não interferiu e, quando perguntado ao respeito, depois diria: “Eu não tenho razão para fazer isso.  Mears merece vencer e Tom é praticamente campeão. Ele só precisa se classificar em Phoenix para vencer o Unser. Além disso, esse não é meu estilo: deixo isso para o Colin Chapman! “.

Aqui Penske fazia uma clara referência ao acontecido durante a temporada de Fórmula 1 na equipe Lotus, onde Chapman deu preferência a Mario Andretti sobre Ronnie Peterson. Já sem mudanças nas posições, se cobririam as 100 voltas programadas.

USAC em Brands Hatch parte 2

Deste modo terminava aquele curto périplo da USAC na Europa. Apesar de que nas pistas aqueles bólidos superaram as expectativas, o resultado econômico da aventura não foi positivo, pois a assistência de público seria menor à esperada, com uns 6.000 espectadores em Silverstone e uns 14.000 em Brands Hatch. Possivelmente se tivessem programado essas corridas durante o verão britânico quando as condições meteorológicas são previsivelmente melhores, mais aficionados teriam sido atraídos. O caso é que parecia que não houve um bom planejamento, possivelmente devido ao ambiente de tensão que a categoria sofria naqueles tempos, pois as lutas internas cada vez eram maiores a consequência do descontentamento de várias equipes com o gerenciamento da categoria por parte de Dick King, a quem acusavam, entre outras coisas, de uma pobre negociação com a televisão, o que limitava seus recursos, enquanto que os custos seguiam crescendo, em boa parte pelas constantes mudanças no regulamento técnico. Tudo isto fazia que a ameaça de excisão dentro da USAC estivesse muito presente.

A USAC com King na presidência (segundo diziam um sujeito duro de roer) viu como uma serie de equipes questionavam seu trabalho.

Dan Gurney era o mais crítico, chegando a apresentar em 1978, uma série de propostas que passariam a ser conhecidas como “O Livro Branco de Gurney”.

Dizem que Gurney se havia inspirado em Ecclestone, e como este vinha conseguindo um espetacular crescimento da Fórmula 1. No entanto, no fim de 1977, desde a repentina morte do lendário Tony Hullman, proprietário do circuito de Indianápolis e fundador da USAC, as negociações não avançavam. Para piorar as coisas, no dia 23 de abril de 1978 vários destacados membros da USAC como Ray Marquette, vice-presidente e mão direita de King, Frank Delroy, diretor técnico da categoria ou Ross Teeguarden, comissário técnico, perderiam a vida num acidente aéreo (outros cinco membros também pereceram no acidente). Assim e, com a falta de acordo entre as partes, várias das escuderias “rebeldes” se apresentam unidas para negociar em conjunto, formando no verão desse ano uma associação sob o nome CART (Championship Auto Racing Teams)

Nesse mesmo verão, durante o GP da Suécia, por sua parte Ecclestone, finalmente, conseguiria vencer as reticências das equipes que ainda não confiavam em seu projeto, assumindo deste modo o controle total da Formula 1, sendo que a presença do Brabham BT46B Fan-Car seria crucial para as aspirações de Ecclestone e o seu bom fim ( numa de minhas primeiras colunas trato sobre o assunto – https://gptotal.com.br/o-carro-bom-demais-coluna-manuel-blanco/ ). Deste modo, enquanto Ecclestone encaminhava a Fórmula 1 rumo a um brilhante futuro, na USAC a extinção se concretizaria, formando as equipes CART seu próprio campeonato já para 1979.

Desde a perspectiva que a passagem do tempo nos oferece, seria até possível dizer que os acontecimentos daquele ano de 1978, haviam se sucedido numa perfeita conjunção e em sintonia com os planos de Ecclestone. A “ameaça” de expansão da USAC na Europa se havia conjurado e nada já impediria o crescimento da Fórmula 1.

Como havia dito David Paich, tudo na vida tem seu momento perfeito para se manifestar, sendo apenas questão de se manter firmes e de ter paciência enquanto as coisas seguem seu curso. Neste caso esse momento perfeito para a Fórmula 1 foi aquele ano de 1978… que Ecclestone soube aproveitar muito bem!

 

Grande abraço e até a próxima, Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Rubergil Jr disse:

    Juro que quando vi a foto com os cavaleiros do apocalipse, achava que seria uma coluna de terror ou sobre psicopatia… kkk

    Mas o texto é muito bom, e mostrou como as histórias se interligam. Realmente este ano de 1978 (que eu nasci) foi palco de grandes mudanças no automobilismo.

    Abraço!

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    adorei os videos da USAC em Brands Hatch … sensacional

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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