Leclerc é o novo Schumacher?

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Acalmem-se: não sou um ser humano empolgado, vislumbrado ou imediatista. Do contrário, costumo ser cético no que diz respeito a manifestações mundanas e a estabelecimentos de verdades inquestionáveis no campo material.

Mas evoco aqui um material que escrevi há mais de seis anos, quando Sebastian Vettel iniciava sua segunda temporada de Ferrari, depois de um 2015 auspicioso — venceu três corridas e marcou 13 pódios, mesmo lutando contra uma MercedesGP extremamente dominante.

2016 se revelaria uma decepção (além de não vencer GPs, Vettel viu a Ferrari ser superada pela Red Bull) e, apesar de ótimos inícios tanto em 2017 quanto em 2018, a equipe italiana estacionaria sua evolução ao longo das temporadas, permitindo que o alemão acumulasse vitórias diversas, mas fazendo com que ele chegasse ao terço final já sem fôlego para encarar Hamilton/Mercedes, que evoluíam de forma constante e consistente.

2019 apresenta, além das dificuldades com o equipamento e com os adversários de outra equipe, um novo problema: Charles Leclerc. O monegasco, apenas em sua segunda temporada, se adapta rapidamente ao carro da Scuderia e apresenta desempenho consideravelmente superior ao do tetracampeão, acumulando 7 poles no ano — quatro seguidas — e obtendo duas vitórias consecutivas.

A terceira colocação de Max Verstappen no mundial de pilotos ofuscou um pouco a classificação final, que apontou Leclerc à frente de Vettel. No entanto, 2020 foi de pura humilhação pública para Seb, emulando os dias de Prost em 1991 — rodadas inexplicáveis, treinos frustrantes e a constrangedora 13ª posição no mundial, graças a um pódio solitário no GP da Turquia.

Mas tudo bem: era o ano da pandemia, as provas aconteceram em intervalos próximos, não houve testes, algumas pistas eram desconhecidas.

O que restou a Seb foi uma mudança de ares, e um companheiro de equipe nada ameaçador, em princípio: o pagante Lance Stroll, a quem até mesmo Felipe Massa criticou publicamente. Porém, apesar de terminar o certame na frente (12º, com 9 pontos a mais do que Stroll) e com todas as concessões que se pode fazer com relação à qualidade da Aston Martin, a verdade é que Vettel é, hoje, um aposentado em atividade — como na imagem que encontrei esses dias, informação da qual eu honestamente não me lembrava, Garrincha vestindo a camisa da equipe colombiana Júnior Barranquilla.

Após ter o maior atestado médico por Covid da história recente, seu retorno na Austrália foi de constranger o Helmut Marko de 10 anos atrás. Com isso tudo, seu lugar histórico, sobretudo no comparativo com Alonso, é cada vez mais questionado.

O espanhol, por outro lado, continua se apresentando com muita dignidade.

Aposentado da F1 ao final de 2018, retornou à categoria dois anos depois, quando já iniciaria sua quarta década de vida.

Mas seu espírito segue o de um estreante: demonstrações como os treinos de Melbourne, este ano, as voltas segurando Hamilton na Hungria, ano passado, e a disputa com Ocon último GP da Arábia Saudita mostram que, apesar de reforçarmos a ideia do “E se…?” (segue emulando o Fernando Reutemann), Alonso faz parte dos melhores deste esporte

Não tenho notícias de que haja alguma animosidade particular entre Fernando e Esteban, além do tradicional conflito geracional e da necessidade de marcação de território – até porque Ocon pode vir a se tornar o líder da equipe, de fato e de direito, e, quem sabe, almejar posições maiores ao final dos certames.

De todo modo, faço questão de ressaltar a combatividade e, não só isso, a adaptabilidade e a capacidade de Alonso ao volante. Se ele não é também um dos “maiores”, é por conta dos diversos fatores “extrapista” que fazem de grandes atletas grandes desportistas.

Lewis Hamilton, que adora se comparar a Ayrton Senna e evocar a memória do tricampeão, pode dizer que está vivendo o que Ayrton viveu em 1992. Está vivendo, também, o que Schumacher viveu em 2005. Consagrado como os antecessores, após um período dominante se vê às mãos com aquele que é apenas o terceiro melhor conjunto, que apresenta problemas de adaptação a novos regulamentos e/ou inovações.

Senna estava com um carro que não conseguiu absorver o novo câmbio eletrônico, tinha um motor potente demais em um chassi desequilibrado e, ainda, demandava mais combustível, sempre largando mais pesado. O resultado foi diversas quebras ao longo do ano, sem contar o imenso gap favorável às Williams “de outro planeta”.

Schumacher teve uma investida clamorosa da FIA contra aquele que era seu maior trunfo: as voltas rápidas antes dos pit stops, esfarelando os pneus em ritmo de classificação, conseguindo galgar posições no undercut. A organização proibiu as trocas (e as permitiu novamente já no ano seguinte, vale lembrar), o que causou problemas para a fabricante Bridgestone, que se viu aquém da Michelin na produção de compostos com durabilidade de um GP completo. Além disso, a Ferrari apresentava problemas aerodinâmicos, sucumbindo diante de Renault e McLaren, com designs muito mais agressivos.

Apesar de tudo, Senna e Schumacher completaram as respectivas temporadas em 4º e 3º, respectivamente, anotando poles, vitórias (Schumacher nem tanto…), protagonizando pegas históricos — escolha uma: Monte Carlo-92 ou Imola-2005? — e terminando à frente de seus companheiros de equipe, embora com uma diferença a menor do que em todas as temporadas em que dividiram McLaren e Ferrari com Berger e Barrichello.

Cedo ainda para dizer que Lewis não conseguirá repetir os feitos dos heróis do passado? Sim, mas, mesmo apurando a diferença de contextos — até porque George Russell aparenta ser de estirpe superior às de Gerhard e Rubens –, é um questionamento que se pode e deve fazer à capacidade de adaptação de Hamilton, considerando que, no período em que foi dominante, as regras do jogo se mantiveram basicamente estáticas, de 2014 a 2021 a Mercedes sendo ameaçada apenas pontualmente.

De todo modo, o que me motiva neste texto tem a ver com o título da coluna e a rapidez com que se criam e eliminam verdades históricas baseadas em números, de forma isolada.

Leclerc é o “melhor piloto de todos os tempos da última semana”, parafraseando os Titãs.

Seu notório desempenho nas três provas iniciais da temporada — marcando a melhor volta em todas as corridas, largando sempre na primeira fila (duas poles) e terminando todas no top 2 (com duas vitórias) — levam a crer que, no mínimo, chegaremos ao final do ano com ele brigando pelo título.

É importante notar, porém, que Leclerc teve o mais extenso primeiro contrato da história da Ferrari, em 2018 assinando por cinco temporadas: para efeito de comparação, quando Schumacher assinou em 1995, o fez por dois anos — e para 1998 houve uma queda de braço entre o alemão e a Scuderia, sobre os valores da renovação.

Isso mostra algumas coisas: primeiro, o espírito resiliente e focado de Leclerc; segundo, a ideia de que na Fórmula 1 atual é muito difícil a possibilidade de revoluções e soluções muito rápidas, dado o engessamento do regulamento; terceiro, a própria renúncia da Ferrari às disputas dos últimos anos, sabendo do item anterior; por fim, a certeza de que são necessários condições e contextos para que haja determinados tipos de resultado, coisa que Schumacher encontrou, na virada do século, mas que nem Alonso nem Vettel encontraram na década passada (tampouco Prost, no início dos anos 90).

Encerro esta missiva lembrando a vocês de outro texto meu publicado neste espaço, curiosamente a coluna que rendeu mais comentários na história do Gepeto (isso porque vocês não comentam muito, é claro!), e faço questão de falar das ironias da vida.

Em 2012, publiquei “(Ma Che?) Macchina!“, artigo baseado na entrevista que fiz com a autora de “A Máquina”, livro que, desde o título, defendia a tese de que Michael Schumacher era o melhor de todos os tempos porque, afinal, tinha os maiores e mais importantes números da F1.

A jornalista, que hoje atua como colunista de futebol, em texto recente comparou Abel Ferreira, treinador português que comanda seu time do coração, a Schumacher, falando da obstinação, da concentração e da dedicação de ambos, nunca se dando por satisfeitos com resultados como duas Libertadores seguidas ou as quebras de recordes de Prost e Fangio.

Perfeita analogia.

Mas ela deixou escapar a seguinte pérola: “Hamilton atropelou (o título de melhor da história de Schumacher)”.

Quem (re)ler meu texto, perceberá que, pelo menos, a autora está sendo coerente, pois dizia lá que era necessário alguém superar as marcas do alemão para ser considerado melhor que ele.

De fato, Hamilton, embora igual em títulos e com menos voltas mais rápidas, superou Schumacher em quase tudo: vitórias, pódios, poles, primeira filas, voltas na liderança e pontos (proporcionais, por favor).

Mas tudo que eu coloquei lá para questionar tal honraria dada a Schumacher também é o que me faz continuar vendo o inglês abaixo do alemão.

Até que Lewis prove o contrário, quem sabe produzindo ao longo deste 2022 algo superior àquilo que Schumacher produziu em 2005(/06) ou Senna em 1992(/93).

Boa Páscoa a todos!

PS: Não se esqueçam: não pode na Rússia, mas pode no Bahr€in e na Arábia $audita.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belo texto, amigo Marcel!

    Eu costumo dizer que SE de 2010 até 2014 o Alonso estivesse na Red Bull e Vettel estivesse na Ferrari, o alemão não teria conseguido fazer o que o espanhol fez naqueles anos no time italiano, e hoje o Alonso seria Hexacampeão.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    Leclerck é muito bom … e pela primeira vez que tem realmente um carro de ponta na Formula 1 vem demonstrando que pode ser um novo campeão mundial na Formula 1. Agora temos que aguardar o que vem pela frente, principalmente este ano.

    A hegemonia que Schumacher teve na Formula 1, assim como Hamilton é consequência direta de dois fatores primordiais. Schumacher foi muito bom como piloto. Hamilton também é muito bom neste sentido. sem entrar nos méritos de quem foi melhor, ue um piloto muito bom, mostra a suas qualidades quando tem um carro muito bom. Schumacher teve essa condição na Ferrari e Hamilton tem na Mercedes. O outro fator é que nunca na história da Formula 1 tivemos uma hegemonia de forças como tiveram a Ferrari de 2000 a 2004 e a Mercedes de 2014 até 2020. Isso rendeu uma chuva títulos tanto para os pilotos quanto para as equipes.

    Voce citou o Senna … ele só conseguiu ser campeão na Mclaren que foi dominante entre 1988 até 1991. Senna poderia ter sido tetra campeãp mass teve uma pedra chamada Prost no seu sapato. Mas penso que a meu ver Senna sempre pensou como Fangio. Pra ser campeão precisa ter o melhor carro. Ele foi atrás disso na Willians. Fangio nunca pensou duas vezes nesse sentido. Econseguiu o que que conseguiu por que era de fto omelhor pilotodaqueles tempos. Tanto que foi campeão pela Ferrari, Alfa Romeu, Maseratti e Mercedes,e foi por que essas equipes tinham o melhor carro. Hegemonias curtas, bem diferrente do que teve a Ferrari e Mercedes pós ano 2000. Não importa neste caso, o por que da Alfa Romeu, Mercedes e maseratti terem abandonado a Formula1 naquela época.

    A situação do Vettel chega a ser estranha. De imbativel na época da RBR a total decadência nos dias atuais. Acho que sua passagem pela Ferrari deve ter muito a ver com essa decadência. Ele pensou que teria o melhor carro na Ferrari e não teve. E as suas deficiências afloraram.

    Fernando Alonso a meu ver, se não conseguiu ser mais o que é hoje na Formula 1, foi por decisões errôneas tomadas ao longo de sua carreira e não pela falta de talento. Na minha opinião ele nunca ficou devendo ao Schumacher e Hamilton nesse sentido.

    Agora creio que vamos viver um novo ciclo na Formula 1. E quem parece que vai capitanear este novo ciclo vai ser o Verstappen e Leclerck. E podemos ter o Lando Norris se ele tiver um carro de ponta. Não vejo George Russel nesse patamar. E nem mais ninguém dessa nova geração que vem tomando lugar na Formula 1.

    Para terminar ninguem nunca foi campeão na Formula 1 por obra do acaso. Veja o quanto é dificil ser um piloto de Formula1 (aliás sempre foi). Conseguir marcar seu primeiro ponto mais ainda. Conseguir um tão sonhado podio mais ainda. Vencer uma corrida então nem se fala e ser campeão nem tenho adjetivo para expressar o tão quanto é dificil chegar nesse patamar. Assim sendo não desmereço nenhum campeão que a Formula 1 teve na sua história. Tem que talento. tem que ser muto bom pra cacete a beça.

    Nos dias atuais isso vale muito para o Vettel e seu atual momento. Estão colocando ele num patamar abaixo que não me parece justo.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Fernando,

      Nenhum piloto é campeão por acaso, seja na F-1 ou em qualquer outra categoria do esporte motorizado. Isto é fato!
      O Sebastian Vettel vai “renascer das cinzas” mais cedo ou mais tarde, pode apostar.

      Marcelo C.Souza
      Dias D’ávila – BA

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