Murphy em Interlagos 1

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Em 1949, quando a possibilidade das viagens espaciais ainda era uma ideia recente, mas que já se vislumbrava como factível, no campo de provas de Muroc, no sul da Califórnia, se iniciam uma série de experimentos com o objetivo de saber quais seriam as reações do corpo humano sob condições de súbitas acelerações e desacelerações para, assim, determinar os limites da sua resistência às forças G.

O encarregado do projeto era o doutor Edward Murphy. Para a realização dos testes se usavam foguetes que se deslocavam ao longo de trilhos e que dispunham de potentes freios no fim do recorrido, de modo que se produziam fortes acelerações no princípio e fortes desacelerações no final.

Se haviam feito várias provas com manequins e, antes de começar as provas com seres humanos, se decide experimentar com um chimpanzé. Para tal fim, Murphy havia disposto a instalação de diversos sensores nos cintos que asseguravam o animal à cadeira e, quando tudo estava preparado, Murphy deixa por conta de um de seus ajudantes a conexão dos sensores aos instrumentos que mostrariam os resultados com os quais esperavam obter toda a informação pertinente. Contudo, a prova não serviu de nada, pois os instrumentos não mostraram nenhum resultado. Após examinar tudo, se descobriu que as conexões dos sensores aos instrumentos estavam ao contrário!

Segundo diria outro dos engenheiros que tomava parte naqueles experimentos, Murphy estava tão decepcionado com seu ajudante e muito molesto, chegaria a dizer que “Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma delas leva a que saia mal… Alguém a fará assim!”. Com o tempo, aquele episódio se tornaria muito popular sendo que a frase terminaria ficando resumida a “Se algo pode sair mal… Sairá mal!”, e passaria a ser ironicamente conhecida como a Lei de Murphy, para “honrar” o seu inspirador.

Em 1977, e como era habitual naqueles anos, a temporada de Fórmula 1 começa com as provas sul-americanas. No dia 9 de janeiro se disputaria no circuito Oscar Gálvez de Buenos Aires, a corrida que abria a temporada, na qual veríamos uma vitória por surpresa de Jody Scheckter e seu novo Wolf  WR1, quem assumiria a liderança após superar Carlos Pace quando faltavam apenas cinco voltas por cobrir. O brasileiro, nessas voltas finais da corrida, estava sofrendo muito com o calor e os efeitos de um inoportuno vírus estomacal, que o deixaram à mercê do sul-africano. Apesar de que Pace havia treinado forte para chegar em boas condições físicas ao início do campeonato, aquele vírus acabou confirmando que o que pode sair mal…

Duas semanas depois chegaria a vez do GP do Brasil, mas o envio do equipamento de algumas equipes até São Paulo não esteve isento de contratempos devido a problemas com as aerolinhas. Um dos DN5 da Shadow e um TS19 da Surtes estiveram extraviados durante algum tempo, enquanto que vários componentes da Tyrrell nunca se encontraram. Por sua parte, o carro reserva da Wolf, também extraviado, acabou aparecendo já carregado num avião no aeroporto do Rio de Janeiro, e quase a ponto de ser expedido de volta à Inglaterra.

A Brabham não teve tanta sorte e o BT45 danificado na Argentina e que fora enviado à fábrica para ser reparado a tempo para o GP do Brasil, também esteve sendo buscado durante vários dias até ser encontrado… Em Roma !

Entrementes, no ínterim entre os dois Grandes Prêmios, e para superar a inspeção de praxe à que os circuitos eram submetidos por parte dos fiscais da CSI, os organizadores, conscientes de que alguns trechos do circuito de Interlagos tinham o asfalto em precárias condições, decidem renová-los de modo que tudo estivesse em ordem e perfeito para acolher o “Grande Circo” da F1. Uma vez que a inspeção é superada satisfatoriamente, o circuito recebe a aprovação correspondente para que se possa disputar a corrida.

Com tudo bem disposto, começam os treinamentos livres. Porém, logo surge um problema inesperado: os engenheiros percebem que a gasolina fornecida pelos organizadores continha muitas impurezas; tantas que se temia que os motores não fossem capazes de completar a corrida inteira. Assim, a FISA, como medida extraordinária, decide autorizar o uso de gasolina de aviação de 130 octanos. Vale recordar que, antes que o regulamento estabelecesse o limite de 102 octanos para a gasolina a ser usada na categoria, esta de aviação foi a regulamentar durante algumas temporadas; esse combustível, portanto, não era nenhuma novidade na F1. Apesar de que as equipes tinham contrato com diversos fornecedores de combustível (Agip, Fina, Elf, Shell etc.), para os GPs sul-americanos, as equipes eram abastecidas pelos organizadores, pois a maioria das marcas não estavam presentes na região. Além do mais, creio recordar que a Petrobrás, então uma empresa estatal, era a única autorizada a operar na indústria do petróleo e derivados.

Com esse contratempo superado, os treinamentos prosseguem com normalidade e na sessão classificatória é James Hunt quem consegue a pole, como já o havia feito em 1976. Desta vez seu tempo foi de 2m30s11, rebaixando em mais de dois segundos seu registro do ano anterior… com seu mesmo velho McLaren M23. Por trás do inglês viriam Reutemann, Andretti, Mass, Pace etc. O brasileiro estava confiante, pois seu Brabham-Alfa BT45 havia melhorado muito respeito à temporada anterior e o bom rendimento mostrado na Argentina era muito prometedor.

A classificação termina sem incidentes e, com o grid conformado para a corrida, à noite, a organização do GP decide limpar e lavar a pista com o propósito de deixá-la em perfeitas condições para a celebração do evento. Apesar da boa intenção por trás da decisão, aquela ideia acarretaria consequências inesperadas durante a corrida e teria uma direta incidência no normal desenrolar dos acontecimentos. Como veremos, acabou sendo outra coisa que podia sair mal… e saiu !

O domingo dia 23 amanhece ensolarado e aquela manhã pressagiava um dia quente, tanto que aos técnicos da GoodYear lhes preocupava qual seria o comportamento dos pneus em condições de forte calor, pois a largada estava programada para o meio-dia em ponto. No entanto, o que mais lhes inquietava era aquela lavagem da pista na noite anterior, que ao retirar toda a borracha da pista a deixou muito mais abrasiva do que havia estado durante os treinamentos.

Quando os carros estavam dispostos no grid, o calor já era sufocante e com o sol batendo a prumo sobre a pista, a temperatura já alcançava os 32 graus, enquanto que no asfalto se superavam os 60 graus. Assim, e faltando ainda um minuto para as 12 horas, o diretor da prova acende a luz verde que dava a largada. Nesse momento, Pace, que já se encontrava avançando desde a sua terceira linha no grid, logo supera os pilotos que estavam à sua frente: primeiro a Mario Andretti e depois a James Hunt. Como ninguém reclamou, o brasileiro não foi punido por queimar a largada. Deste modo, Pace se encontra quase emparelhado com Reutemann, que também havia superado a Hunt, e os dois disputam ferozmente a liderança nas curvas 1 e 2, mas é Pace quem com ímpeto assume a ponta na curva 3. Reutemann logo percebe que Pace não estava disposto a ceder nenhum milímetro e adota uma atitude mais prudente.

O brasileiro imprime um forte ritmo e logo se destaca na frente, enquanto que por trás, Hunt se recupera e também ultrapassa o argentino na volta seguinte, passando este a liderar o grupo perseguidor, formado por Mass, Andretti, Regazzoni e Depailler.

Pouco a pouco, Hunt vai se aproximando de Pace e na quinta volta já se encontrava no seu encalço, dando a impressão que tentaria a ultrapassagem a qualquer momento. Assim foi e no princípio da sexta volta, a Hunt já se lhe havia acabado a paciência e começa a acossar Pace. Hunt diria depois que o Brabham era demasiado rápido nas retas para tentar a ultrapassagem, portanto a ataque veio na entrada da Curva Três, onde Hunt sai do vácuo de Pace e trata de ganhar o interior. Nesse momento Pace abre um pouco a sua trajetória no início da curva e, quando aplica os freios para defender a posição, perde o controle do carro, cuja traseira se desliza suavemente deixando o BT45 completamente atravessado no meio da pista, instante em que Hunt supera o brasileiro, ainda que passando por cima do bico do Brabham.

Após recuperar o controle, Pace ainda consegue se manter à frente do grupo perseguidor, até que o bico danificado se desprende completamente alguns metros depois. Sem condições de se defender, e quando chegam à Curva da Ferradura, Pace é superado sem remissão. O deficiente estado do seu BT45 obriga o brasileiro a entrar nos boxes onde, além do bico, o radiador esquerdo também tem de ser substituído. Pace retornaria à pista com volta perdida e à frente apenas do italiano Vittorio Brambilla, que havia também parado nos boxes anteriormente.

Concluo em nosso próximo encontro, previsto para 1º de julho. Até lá

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Manuel Blanco

    primeiramente, sempre fico extasiado quando vejo a foto da Brabham BT 45 com Pace ao volante … é para mim um dos três mais belos carros da Formula 1 … e que saudades do Moco …

    Segundo que trazer a lembrança do GP do Brasil de 1977 aqui no GEPETO foi tremendamente bom demais da conta … ainda mais com seus relatos de como era e funcionava o circo da Formula 1 naqueles idos e bons tempos …

    Parte 2 promete … e estou aqui já doido pra ler …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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