O tolo e seus sonhos

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Dizia Roberto Goizueta que, para conseguir sabedoria, em algumas ocasiões é necessário arriscar-se a parecer um tolo. A meu ver, assim é como deviam ter visto Bernie Ecclestone quando ele entrou na F1: como um tolo ou um simples sonhador. Se enganaram!

 

Em 1954, Roberto Goizueta, um jovem cubano, consegue um emprego na engarrafadora da Coca-Cola em Cuba e, com um pouco de dinheiro que lhe havia dado seu pai, compra suas primeiras 100 ações da companhia. Com a chegada dos comunistas ao poder, Goizueta se exila nos Estados Unidos mas continua trabalhando na Coca Cola e, em 1964, mercê do seu bom trabalho, é enviado à sede central da companhia, em Atlanta. Finalmente, em 1979, é promovido para ocupar o escritório do último andar: o da presidência.

 

Ele logo impõe seu estilo de eficiência e acaba com a desordem com a qual se defrontou. A partir de então, a companhia registra uma impressionante expansão em todo o mundo, o valor das suas ações chegando a crescer 3.500 %. Goizueta continuou comprando ações da empresa ao longo dos anos. Certa feita, uma de suas ousadas manobras comerciais provocou enorme subida no valor das ações da Coca-Cola, possibilitando a ele um lucro de cerca de US$ 500 milhões em muito pouco tempo.

 

Numa posterior reunião do conselho de direção da empresa, alguns conselheiros parecem censurar Goizueta por esse enorme e repentino enriquecimento. Ele se limita a dizer: “senhores, de que me recriminam se esse dinheiro representa apenas uma pequena fração dos benefícios que a companhia vem gerando sob meu comando?”. Perante a falta de respostas, a reunião continuou normalmente.

 

Cito este caso pois me parece haver certo paralelismo com a trajetória de Bernie Ecclestone na Fórmula 1. Não creio necessário fazer um resumo histórico da vida do nosso tio Bernie, pois é bem conhecida. Me surpreende, porém, que sempre que leio algo sobre ele, o que temos é uma sucessão de eventos do tipo “Bernie compra a Brabham…”, “Bernie controla a Foca…”, “Bernie consegue os direitos da TV…”, “Bernie isto ou aquilo…” etc.

 

Mas… caramba! As coisas são assim tão fáceis na vida? Dito assim, parece que Bernie conseguiu tudo de maneira tão fácil quanto tirar um doce de uma criança (e olha que uma criança começaria a chorar e espernear tão logo se visse sem o doce…)

 

Sabemos da humilde origem de Bernie e, por experiência, sei que começar desde baixo não é nada fácil. Sabemos de suas diferentes e variadas atividades e algumas informações inclusive sugerem passagens obscuras em certos períodos de sua vida. Alguns até lhe atribuíram uma suposta implicação no famoso roubo do trem pagador, na Inglaterra, nos anos 60. Quando perguntado a respeito, Bernie se limitou a dizer “naquele trem não havia dinheiro suficiente”, numa clara alusão a fato de ele não estar disposto a se arriscar tanto por tão pouco.

 

Mas voltemos à Fórmula 1: no começo dos anos 70, após comprar a Brabham, Bernie entra na Foca e logo percebe o caos reinante. Naquela altura, as equipes, cada uma por si, negociavam com os organizadores dos GPs o quanto receberiam por participar das corridas e assumiam as despesas de viajar de um GP a outro. Bernie logo toma consciência de que aquilo não podia seguir assim e se oferece para organizar tudo em nome de todos. Para tanto, ele funda empresas que se ocupariam de toda a logística e burocracia, liberando as equipes dessa chateação. Os demais chefes de equipe estiveram de acordo pois isso lhes poupava muito tempo e dinheiro. O papel de Bernie cresceu quando passou a negociar também os contratos com as emissoras de TV, patrocinadores etc.

 

Como vemos, as equipes se beneficiavam de uma boa redução de custos e de um aumento de recursos. Agora, é fácil dizer que os contratos que as companhias do tio Bernie assinavam com a equipes eram leoninos, em virtude do enorme benefício gerado desde então e, segundo muitos, a injusta distribuição desse dinheiro. Mas, olhem bem que Bernie lhes oferecia uma economia de gastos e chateações a troco de uma percentagem sobre uns hipotéticos benefícios futuros e me parece que, então, as equipes deviam pensar estar fazendo um bom negócio: poupavam e ganhavam mais a troco de uma percentagem de benefícios que não existiam e que, certamente, ninguém pensava que poderiam chegar a existir.

 

Acaso alguém pensa que seria possível imaginar que esses benefícios pudessem chegar a ser tão altos? Acaso alguém pensa que, se as equipes tivessem imaginado ou sequer suspeitado que Bernie conseguiria o que conseguiu, esses contratos teriam sido assinados?

 

Nessa situação… quem se aproveitou de quem?

 

Dizia Roberto Goizueta que, para conseguir sabedoria, em algumas ocasiões era necessário arriscar-se a parecer um tolo. A meu ver, assim é como deviam ter visto Bernie naquela ocasião: como um tolo ou um simples sonhador. Se enganaram!

 

Algo muito significativo e que mostra a situação em estava a Foca, foi o fato de Bernie ter podido fundar empresas que se ocupavam de gerenciar coisas que os demais chefes delegavam a ele. Isso resulta até incrível e bastante sintomático da pouca visão comercial que tinham. O lógico é que, se existia uma associação – a Foca -, fosse ela que assumisse tais tarefas, mantendo sempre o controle. No entanto, estiveram muito contentes que Bernie se ocupasse de tudo. Enganaram-se também!

 

Bernie Ecclestone assumiu riscos e teve uma grande visão de futuro e fé em si mesmo. Portanto, não me parece justo acusá-lo de nenhuma manobra censurável. Ele não teve culpa de que os outros fossem incapazes de enxergar além do próprio nariz. Bernie viu possibilidades de negócio onde ninguém havia visto ou sequer imaginado e não vacilou em dedicar tempo e dinheiro à aventura e, certamente, não obrigou ninguém a aceitar aquelas condições. Os demais chefes de equipe talvez tenham se esquecido de uma regra básica da negociação: saber sobre o que se negocia.

 

Mark McCormack, fundador da IMG, a maior agência de representação de esportistas de elite do mundo, disse: “os negócios são um constante processo de manter-se em guarda”. Bernie estava em guarda.

 

Roberto Goizueta se manteve na presidência da Coca Cola até 1997, quando um câncer de pulmão acabou com sua vida. Até esse momento, ninguém ousou desafiar seu poder. Esta pode ser outra semelhança com Bernie Ecclestone, pois parece que tampouco haja alguém que ouse ocupar seu lugar… enquanto ele esteja vivo.

 

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

8 Comments

  1. Marcelo Kozak disse:

    Manuel, seus textos continuam com a mesma qualidade de sempre! Ou seja, impecáveis. Considero você e o Márcio (que nos primórdios assinava como MaMadeira, lembram disso?), como os mais detalhistas aqui do Gepeto. Sensacional o seu retorno!
    Abraços a todos!
    Marcelo Kozak
    Curitiba – PR

  2. Caique Pereira disse:

    MANUEL,

    Que prazer em revê-lo através de Texto!!!!

    Grande abraço ao amigo e parabéns Edu por esta surpresa!!!

  3. Manuel disse:

    Muito obrigado pelo caloroso recebimento. Como devem saber, as coisas por aqui nao estao nada bem, assim que tento sobreviver e salvar meu negocio ( http://www.cotemavalencia.com ) esperando por tempos melhores, por isso andava “desaparecido”.
    um abraço, Manuel

  4. Que surpresa boa. 2012 começou da melhor forma para o gepeto, com um texto do querido amigo Manuel.
    Que venham muitos outros, meu velho!
    Abraços,

  5. Mauro Santana disse:

    Olá Amigos!

    Vou deixar uma dica para quem não viu esta reportagem na época!

    http://www.youtube.com/watch?v=BUO6tqrdks0

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Mauro Santana disse:

    Belo texto Manuel Blanco!!

    O bom filho, a casa torna!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  7. Lucas Giavoni disse:

    Ah, meu amigo Manuel voltou!

    Seja muito bem-vindo!

  8. Fernando Marques disse:

    É muito bom ler um texto de meu bom amigo Manuel Blanco …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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