Remédio para o tédio – Parte 2

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Remédio para o tédio- parte-1

No fim daquele ano de 1929, William e Yvonne concordam em casar-se e comunicam a Orpen sua decisão. O pintor, além de dar a sua benção à união, lhes oferece como presente de boda o luxuoso apartamento que tinha em Paris e o Rolls-Royce que William cuidava com tanto carinho.

Por sua parte, Graham Greene teria a satisfação de ver como a sua primeira novela era publicada nesse mesmo ano de 1929 : “ O Homem Interior ”. O livro já exibia o estilo e temática que mais caracterizariam a Greene ao longo de sua carreira, apresentando um enredo que girava em torno a uma delação, o que, curiosamente, resultaria até premonitório.

Pouco depois de sua vitoria em Mônaco, William voltaria a vencer o GP da França, desta vez celebrado em Le Mans no dia 30 de junho e, como fizera em Mônaco, também marcando a volta rápida.

Contudo essa série de bons resultados seria truncada em 1930 por problemas mecânicos que lhe privaram de vitorias ou lhe impediram de lutar por elas, como no GP de Mônaco onde, apesar de partir desde a pole, Williams teve de abandonar. O sétimo lugar na Traga Florio seria o seu melhor resultado do ano.

Em 1931, novamente abandona em Mônaco, assim como no GP da França e no da Alemanha, mas venceria o GP da Bélgica em parceria com o piloto italiano Caberto Conelli, pois a corrida se disputou com o formato de 10 horas de duração. Em setembro também vence o GP de La Baule, disputado na praia da pequena localidade na Bretanha. Porem, somente alguns dias depois, chegaria a triste noticia da morte do seu amigo e mentor William Orpen, quem havia atuado na primeira guerra mundial como pintor oficial de campo. Durante o conflito, Orpen seria vitima de um grave envenenamento do qual nunca recuperou sua saúde completamente.

Em 1932, sofreria outra decepção em Mônaco, pois apesar de largar desde a pole, William teria de se conformar com o sétimo lugar final… a cinco voltas de Nuvolari, o vencedor. No GP da França, William terminaria em sexto lugar, depois de partir desde a décima quarta posição no grid e, duas semanas depois, William termina segundo no GP de Dieppe, por trás do seu amigo Louis Chiron. Novamente problemas mecânicos são a causa do seu abandono no GP de Comminges, quando liderava a prova. No entanto, em sua ultima participação da temporada, William conseguiria repetir a vitória do ano anterior em La Boule, dominando a corrida desde a largada e marcando a volta rápida, com seu Bugatti T51.

O GP de La Boule seria novamente o cenário da única vitória de William na temporada de 1933, repetindo também a volta rápida, enquanto que em Mônaco seria sétimo, desta vez a dez voltas de Achille Varzi, e na Bélgica consegue o sexto lugar. Em suas outras duas participações, os problemas mecânicos lhe obrigaram ao abandono: Em Avus o carro pegou fogo e no GP de Dieppe a caixa de câmbio quebrou.

Para então, William parecia haver perdido a paixão pelo automobilismo e a competição, e se retira à casa que havia comprado anos antes em La Boulle, onde pretendia desfrutar da tranquilidade do lugar e beleza do entorno, enquanto Yvonne se dedicava à criação de Aberdeen Terriers de pura raça, uns cachorrinhos muito apreciados na época.

O dinheiro não parecia ser problema, pois, além dos prêmios que havia conseguido durante a sua carreira, também atuava como representante/vendedor para a Bugatti por toda a França. Tudo isso se complementava com a renda que lhe proporcionava uma loja de automóveis que possuía em Paris em sociedade com seu amigo Louis Chiron.

Só saiu momentaneamente do seu retiro para participar no GP de Mônaco de 1936, onde terminou em ultimo lugar a dezesseis voltas do vencedor, ninguém menos do que Rudolph Caracciola, seu grande rival da edição de 1929. Esta seria a ultima ocasião em que William seria visto num circuito.

Assim, enquanto William desfrutava do seu plácido retiro, Graham Greene melhorava e polia seu estilo com cada nova novela que publicava, e já eram varias para então. No entanto, a segunda guerra mundial mudaria tudo. Em 1941, Greene seria recrutado pelo SIS (Secret Intelligence Service, popularmente conhecido como MI6 ) por recomendação de sua irmã Elizabeth, que já trabalhava lá.

Greene se integraria na sessão de informação e propaganda para, pouco depois, ser enviado como agente secreto à África Ocidental, onde a Alemanha havia tido as colônias de Kamerun ( Camarões ) e Togo, que então abrangiam mais território que os países atuais do mesmo nome. Estas colônias passariam a domínio francês e britânico no fim da primeira guerra mundial, mas mesmo assim a presença alemã na zona ainda era bastante importante. Deste modo, o cometido de Greene era coordenar as missões dos seus agentes na região e reunir informação sobre as atividades germanas.

 

Com a ocupação alemã da França, William Grover acabaria fugindo para a Inglaterra e se alista no exercito com intenção de combater os alemães. Porem, já com 39 anos, Grover é destacado às “Home Forces “ ( Forças Domesticas ), primeiro em Kent e depois na Escócia, onde William se aborrecia pelo tédio, pois o que ele almejava era ação.

Assim esteve até 1941, quando foi convocado a uma entrevista com o major Lewis Gielgud, quem buscava gente para trabalhar de incógnito com a resistência francesa e, devido ao seu domínio do idioma e conhecimento do país, Grover se encaixava no que Gielgud buscava. Quando Gielgud pergunta a Groves se estaria disposto a ir à França como agente secreto, William responde sem duvidar que aceita o trabalho, pois já não aguentava mais a inação, e o tédio o estava corroendo. Assim, Grover é alistado ao SOE ( Special Operations Executive ), e depois de vários meses de intenso treinamento, Grover é lançado à noite em paraquedas perto de Paris.

Sua missão era a de recrutar mais agentes entre a resistência francesa e formar grupos de informação e de sabotagem, assim como dar cobertura e refugio aos agentes britânicos que, como ele mesmo, fossem lançados em paraquedas na região de Paris. Grover, atuando sob o pseudônimo “ Sebastién ”, começa o trabalho recorrendo a seus velhos amigos e antigos rivais nas pistas Jean-Pierre Wimille e os irmãos Robert e Maurice Benoist. A rede logo tomaria forma e chegaria a ser conhecida com o codinome “ Chestnut ”, vindo a causar muitos problemas aos alemães. Entre suas operações de sabotagem mais destacáveis, estava a levada a cabo na fabrica da Citröen, onde os alemães estavam produzindo armamento.

Porem, tanto sucesso não era indiferente à Gestapo, que tratava por todos os meios de desmantelar a organização, o que acabou acontecendo graças a que Maurice Benoist acabaria delatando o grupo. Com as informações proporcionadas por este sobre uma reunião que teria lugar no dia 2 de agosto de 1943, na granja que Robert tinha na vila de Auffargis, agentes das SS alemães se apresentam por surpresa e capturam os assistentes. Quando eram conduzidos a Paris, Robert conseguiria escapar saltando do carro em movimento e desaparecendo ao amparo da escuridão da noite, mas Grover não teve tanta sorte e é levado à chefatura da SD (Sicherheitsdienst), onde seria submetido a brutal interrogatório. Contudo, uma posterior revisão dos arquivos da SD, revelou que Grover não havia desvendado nenhum segredo nem nenhuma informação valiosa que pudesse comprometer outros membros de “Chestnut”.

De Paris, Grover é levado a Berlin para mais interrogatórios até que, finalmente, é confinado no campo de concentração de Sachsenhausen, à espera que sua sentença de morte fosse executada, o que acabaria acontecendo no dia 18 de março de 1945… apenas dois meses antes que os soldados russos liberassem o campo.

William Grover seria recomendado para uma condecoração pelo major-general Colin Gubbins, quando ainda não se sabia que já havia sido executado. Por sua parte Graham Greene, abandonaria o MI6 em 1944, cheio de tanta intriga, para continuar com sua bem sucedida carreira literária.

 

Como vemos, as vidas de Graham Greene e de William Grover tiveram muitas coisas em comum.

Numa de suas famosas frases Graham Greene diria que “O perigo é o grande remédio para o tédio

 

Tal afirmação parece encaixar na vida de William Grover, a quem o perigo nunca lhe representou nenhum obstáculo, tanto no automobilismo como na guerra, ainda que, no seu caso, o remédio acabasse sendo pior do que a enfermidade.

Em 2001, para recordar a William Grover e comemorar a sua vitória naquele primeiro GP de Mônaco de 1929, seria erigida no principado uma estátua que o representa pilotando seu Bugatti T35B, e que se encontra no Bulevar Alberto I, no chamado “Quartier de Monte-Carlo ”

O monumento seria inaugurado em maio pelo príncipe Rainier III, dias antes da celebração do GP daquele ano.

Um abraço e passem bem,

Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. miabaker disse:

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  2. Fernando marques disse:

    Manuel

    Linda história. Uma jóia lapidada que sob sua batuta nos relata não só a história do automobilismo mas de como era o mundo naqueles idos tempos de guerras, patriotismo e aventureiros .

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Que maravilha de texto, meu amigo.
    Obrigado por mais esta joia.

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