No início de Maio, tive o privilégio de visitar a Europa – e aproveito para deixar meu agradecimento público à minha amada Simone, que foi quem planejou e executou tudo isso –, algo que sempre esteve na minha bucket list, como se diz no inglês: aqueles sonhos, projetos, intenções que você tem num plano pessoal, e precisa “fazer antes de morrer”. No roteiro, apenas Inglaterra e Itália. Na Ilha da rainha, as três cidades mais famosas: além de Londres, fomos a Liverpool e Manchester, a primeira sobretudo por conta dos Beatles e a segunda em razão do futebol, principalmente.
Já na Itália, havia duas expectativas e objetivos específicos: o primeiro era conhecer a cidade onde, na prática, minha família paterna começou: na pequena cidade de Sonico, uma província na Brescia, onde nasceu meu trisavô – que viria ao Brasil décadas depois e daria início ao sobrenome Pilatti – e onde muitos parentes distantes viveram (e alguns vivem). O segundo objetivo era ir às cidades de Bologna e Imola, por dois locais especiais.
Em Bologna, naturalmente experimentamos o famoso macarrão (nada de spaghetti, apenas tagliatelle) e também apreciei o gosto futebolístico pela equipe local, que alguns dias depois iria vencer a final da Coppa Italia diante do famigerado Milan, pra mim o menor dos três gigantes italianos, apesar de ter montado, possivelmente, o melhor esquadrão, aquele capitaneado pelos holandeses, entre final dos 80 e início dos 90.
Mas minha passagem por lá tinha um destino muito específico: o hospital Maggiore, onde Senna foi declarado morto oficialmente.
Eu ainda nem tinha completado oito anos quando tudo aconteceu. Tão forte quanto as imagens do acidente, foram as transmissões ao vivo de Roberto Cabrini via telefone. Por fim, as palavras absolutamente inesquecíveis: “Morreu Ayrton Senna da Silva. Uma notícia que a gente não gostaria de dar”. Quis ver onde era o heliponto que trouxe Senna do autódromo, a fachada do hospital, e o local onde Cabrini – e posteriormente Reginaldo Leme e Pedro Bial – faziam as captações de imagem para o Brasil.
Foi o momento – mais até do que na pista – mais introspectivo da viagem, e compartilhei um pouco desse sentimento neste pequeno video.
No dia seguinte, minha esposa, meu filho e eu nos dirigimos à estação de trem [que ficava muito próxima ao local onde estávamos hospedados], e tentei seguir as recomendações do Márcio, tão bem descritas no maravilhoso texto “Os silêncios de Imola” – o qual não pretendo replicar, mas certamente me inspirou não apenas a escrever o meu relato, mas a alimentar o sonho de um dia conhecer o local.
Como disse acima, quando da tragédia daquele fim de semana, eu tinha apenas 7 anos e, além das minhas memórias particulares do ocorrido, me acompanhou por mais de 30 anos o texto escrito por meu pai, publicado na terça-feira, 03 de maio de 1994. O veículo foi um jornal da cidade onde nasci, Ponta Grossa, interior do Paraná. Tenho comigo até hoje o original, e a primeira frase nunca saiu da minha cabeça [ver a imagem abaixo]: “Quando meu filho do meio, Marcel, de 7 anos, perguntou ao ver pela televisão o acidente de Senna, ‘Por que ele?’…”.
De fato, foi uma experiência um tanto traumática – e sei que a compartilho com dezenas, centenas, milhares e milhões.
(Antes, quero salientar que o breve passeio é importante também pela F1 além do acidente de Ayrton: eu pude, pela mureta de fora, rever Mansell recolocando seu carro na pista após um 360º em tentativa insana de ultrapassagem sobre Gerhard Berger em 1990. Ao subir nas arquibancadas da reta – que estavam sem qualquer proibição ou proteção – pude ver Senna “quebrando o acordo” com Prost na Tosa, um ano antes. Tentei, mas não consegui ver Mika Häkkinen conquistando uma das maiores poles da F1 moderna, em 2000. Também tive a oportunidade de ver o monumento em homenagem a Gilles Villeneuve, na curva que leva seu nome após a histórica paulada em 1980).
No texto que meu pai publicou há 31 anos, ele ombreia Senna a três personalidades brasileiras, as definindo como “ídolos num país de poucos ídolos”: Pelé, Roberto Carlos e Chico Buarque de Hollanda. Todos os três – Chico e Roberto ainda conosco – tiveram algo que Senna não teve: a oportunidade de desfrutar de sua vida na plenitude, e receber homenagens e reconhecimentos gigantescos mundo afora.
Na parte final do texto, ele cita outros quatro personagens históricos: Martin Luther King Jr., John Kennedy, Paul Harris e John Lennon, à exceção de Harris (homem longevo e de grande contribuição social, fundador do Rotary) todos mortos de maneira trágica e chocante, assim como Senna. “Como diz o ditado, morre o homem, fica sua obra”, grafou Marcos Pilatti.
É isso que eu queria ver, como Tomé: não porque eu não cresse, mas porque eu queria ter a oportunidade de sentir. Eu precisava dessa visita para poder, de alguma forma, me reconciliar comigo mesmo, para poder reencontrar aquele menino de quase oito anos que, hoje, é pai de um menino de… oito anos.
Confesso que o que mais me tocou foi perceber a presença de Senna em tudo. Lá, ele entrou em dura disputa com Prost em 1985, sendo vencido por um Lotus que tinha problemas de combustível. Lá, ele não conseguiu classificar sua Toleman em 1984. Lá, ele conquistou sua primeira vitória pela McLaren (Num 1º de Maio…). Lá, ele foi à exaustão ao fim do GP de 1992. Lá, ele anotou seu grande recorde na Fórmula 1. Por fim, lá, ele encontrou seu destino final, mesmo lutando bravamente contra ele.
A estátua feita em sua homenagem é de um realismo e uma tristeza incríveis, causando o famoso nó na garganta. Mas as bandeiras – do Líbano à Letônia, da Costa Rica à Bósnia, da Argentina ao País de Gales -, passando por várias camisas e faixas de equipes de futebol brasileiras, cartas, bilhetes, flores fotos de familiares… tudo isso foi o mais tocante. E o nó na garganta que começa desde assim que vemos a placa “Piazza Ayrton Senna” se transforma em lágrimas genuínas e silenciosas, solitárias.
Já se foram 31 anos desde que tudo aconteceu, mas Senna permanece. Senna dura até hoje, como já escrevi neste mesmo espaço, 12 anos atrás. Não há exagero nenhum, por mais que a mídia especializada não goste e queira relativizar ou diminuir o tamanho de seu impacto. Aliás, no fim de semana do GP de Mônaco deste ano, o vencedor da prova da Moto 2 foi um australiano, nascido em 2005, cujo nome é… Senna. Senna Agius.
Concluo mais uma vez citando o texto de meu pai: “Morre o piloto Senna, mas o homem Senna com certeza permanecerá vivo em nossos corações e mentes”.
E foi essa mensagem que deixamos, em nome de meus familiares, nos muros da Tamburello.
Obrigado, Ayrton!
_______________
Leia também:
9 Comments
Marcel,
imagino que vc tenha vivido fortes emoções ao visitar o Monumento do Senna … creio que não seria diferente comigo, como amante do automobilismo … sem duvidas vc fez um belo e inesquecível passeio …
Fernando Marques
Niterói RJ
Grande Fernando. Obrigado pela presença de sempre e pelas palavras carinhosas.
Abraço
Nunca me arrependo de vir aqui. Excelente semana a todos.
Grato, Rafael.
Abraço
Grande Marcel, eu tive essa mesma oportunidade de conhecer Imola em Novembro passado, até compartilhei isso com o Márcio, e de fato não dá bem pra explicar o que se sente lá. É um lugar místico, pela pista, pela história, por Senna, por Roland, por tudo.
Seu texto e história são belíssimos.
Grande abraço.
Muito obrigado pelas palavras, Rubergil. E de fato eu imaginava que seria marcante, mas não tinha ideia do impacto. Abraços
Filhão amado.
Imensa alegria de ler, ver e ouvir todas as emoções sobre SENNA .
Lembrar que eu e vc éramos realmente e sempre os torcedores dele…todos os domingos e estávamos juntos naquele terrível momento.
Fico muito feliz de vcs 3 terem tido a oportunidade de realizar este grande sonho seu juntinhos.
Grande orgulho desta grande família.
Amo demais vcs
Me emociono muito com vcs
Sempre quis ver pessoalmente uma corrida dele , sonhava mas não deu tempo.
Hoje me reslizo de ter meus sonhos em vc.
Belo texto Marcel, obrigado por compartilhar conosco!
Eu que agradeço, Leandro. Siga conosco. Abração