Continuamos a história das temporadas de 1988 até 1990 e as manobras de bastidores de Alain Prost e as intervenções da FIA, na pessoa de seu presidente Jean Marie Balestre, leia a primeira, segunda e terceira parte nos links abaixo
Felizmente para todos os aficionados, Mansell reconsiderou a ideia e continuou.
Como nas temporadas anteriores, no GP da Itália daria início o sistema dos melhores resultados, contudo nenhum tinha de se preocupar com isso, pois Senna havia pontuado apenas nove vezes e Prost oito. Ali em Monza Senna vence, com Prost em segunda posição, enquanto que nas seguintes duas provas em Portugal e Espanha, Senna é segundo na primeira e abandona na segunda, alcançando os 78 pontos. Por sua vez, Prost é terceiro em terras lusas e vence na Espanha, para ficar com 69 pontos.
Com a classificação assim, a situação era a mesma do ano anterior… Mas à inversa. Desta vez era Prost quem tinha a imperativa necessidade de vencer as duas ultimas corridas para ser campeão. Desta vez, Prost devia ganhar as duas, pois ainda que o brasileiro fosse segundo nas duas provas, empatariam a 82 pontos, porem com o francês contando com mais vitórias ( 7 x 6 )
Com a experiência do ano anterior e antes do começo da classificação, Senna solicita aos comissários que mudem a pole de lugar, arguindo que onde estava situada não representava nenhuma vantagem para o poleman devido a toda a sujeira acumulada naquele lado da pista e à perda de tração decorrente disso. A petição tinha muito sentido, pois na classificação os pilotos se arriscam com o intuito de conseguir a melhor posição possível para a largada. Assim, a pole se converte num prêmio a esse esforço, mas com a disposição do grid tal como estava… Era um castigo !
Senna, novamente, conseguiria o melhor tempo, mas apesar de que a sua petição havia sido admitida, o brasileiro depois ficaria sabendo que Balestre, quando foi informado sobre a mudança de lugar da pole, de imediato ordena que o grid fique como estava. Com tudo o acontecido lá mesmo o ano anterior ainda fresco na memória, não é difícil imaginar que para Senna aquilo era um “Dejá-vu”, e que tudo formava parte das maquinações de Prost e Balestre em contra sua. Por conseguinte não custa nada compreender em que estado se encontrava Senna quando disse:
“Se no domingo, na largada, por eu estar no lugar errado, Prost pula na frente e me supera, na primeira curva eu vou tentar passar, e é melhor que ele não vire à minha frente, porque ele não vai conseguir.”
Com os pilotos formados no grid para a largada, a tensão e expectação eram máximas, e quando as luzes se apagam, e como era previsível, Prost pula na frente. Entretanto, Senna parece logo recuperar terreno e, pouco antes de chegar á curva, o francês se desvia um pouco para a direita, deixando um belo espaço que nenhum piloto, e muito menos Senna, teria desprezado. O brasileiro entra no espaço, mas Prost volta para a esquerda, negando a Senna a ultrapassagem, os dois colidem e vão acabar na área de escape no fim da reta. Tanto Prost quanto Senna saem dos carros, olham um para o outro… E sem dizer palavra se retiram. Desta vez, nem Prost nem a Ferrari reclamam e o campeonato fica nas mãos de Senna.
Naquela época tanto um acidente quanto o outro logo promoveram grandes polêmicas que, alimentadas pelas paixões dos fans de Prost e os de Senna, rapidamente adquiriram grandes proporções. Os fans de Prost acusavam Senna de conduta perigosa, enquanto que os de Senna culpavam Prost pelo acidente do ano anterior e defendiam que “apenas se havia feito justiça”. Então e no calor do momento, as declarações feitas por Prost e por Senna, anteriores aos acidentes, tampouco ajudavam a ter uma visão objetiva dos acontecimentos e, quando comparadas as palavras com os resultados nas pistas… Estes pareciam confirmar aquelas palavras.
Agora, que já se passaram mais de trinta anos daqueles acontecimentos, acredito que seja possível abordar tudo desprovidos daquelas paixões e, com a perspectiva que o tempo nos oferece, ver tudo de forma menos passional e diferente, pois nós também somos diferentes.
Então, desde o principio, o máximo protagonismo foi para a velha pergunta que nos acompanha desde os tempos dos romanos, e que até hoje segue vigente quando se trata de esclarecer os motivos pelos que alguém possa chegar a cometer algum delito ou infração: “ Qui Bono ? “, quer dizer… A quem beneficia ?
Nos dois casos que nos ocupa, não havia dúvida sobre quem eram os beneficiários, porem creio que, por evidente que fosse o objetivo – ser campeão –, talvez fosse simplista atribuir culpa em base ao beneficio obtido. Tendo a acreditar que havia algo mais subjacente em tudo aquilo.
Primeiramente, temos de analisar as circunstâncias e condicionantes sob os quais os acidentes ocorreram, pois resulta curioso que em ambos os casos era Prost quem liderava e, portanto, defendia a posição, sendo Senna quem aspirava a superá-lo… Em busca dessa liderança. Nessas circunstâncias em que um piloto defende e o outro ataca, nãos são raras as colisões, que costumam ser descritas como “acidente de corrida”.
Antes de entrar de entrar a tratar os incidentes que nos ocupam, gostaria de recordar o acontecido na temporada de 2021. Quando Max Verstappen e Lewis Hamilton lutavam pelo titulo e, com apenas algumas corridas por disputar, Max contava com vantagem suficiente na classificação, até o ponto de que um acidente lhe beneficiaria, pois deixaria Lewis sem opções para descontar aquela vantagem do holandês. Nessas circunstâncias, vimos como Max, em mais de uma ocasião, não parecia ter nenhum interesse em evitar o acidente que lhe daria o titulo, cabendo a Lewis a tarefa de “fugir” de Max sempre que este vinha para cima dele. Em todos os casos, Lewis esteve muito atento e, tão cedo viu Max se aproximar, descreveu manobras evasivas para evitar a colisão que tanto lhe prejudicaria, como em Interlagos.
Em acidentes deste tipo, sempre existe um fator de imprevisibilidade, pois as possíveis consequências podem ser três quando o piloto à frente não empreende nenhuma manobra evasiva e a colisão acontece: 1º- o piloto que defende resulta incólume e continua adiante, 2º- o piloto que defende leva a pior parte e é o outro quem segue adiante e 3º- os dois acabam fora da corrida. Assim, as probabilidades a favor daquele piloto a quem o acidente lhe favorece duplicam as probabilidades do prejuízo e, portanto, o normal é que sempre seja o outro piloto quem trate de evitar o acidente, como ocorria no supracitado caso de Max e Hamilton. Assim, quem mais tem a perder é quem mais atenção presta e cuidado deve ter !
Com tudo isto em mente, vejamos em detalhe o episodio de 1989. Naquela ocasião era Prost quem tinha a vantagem que lhe proporcionaria um possível acidente e, como havia dito antes da corrida, não pensava dar nenhum espaço a Senna. A estratégia de Senna era desgastar o francês para encontrar um lugar onde ultrapassar, enquanto que a de Prost era que o brasileiro degradasse seus pneus nas ultimas voltas até o ponto de não poder já fazer nada que lhe incomodasse.
Deste modo as voltas se sucediam e as posições se mantinham, com Prost na liderança e Senna em segundo… Até a volta 47. Para então Senna já havia visto que a chicane era o único ponto possível para ultrapassar o francês. No entanto resulta raro que um piloto com a experiência de Prost, não chegasse á mesma conclusão e, quando os dois se aproximavam à curva, deixasse um bom espaço no interior. Talvez o francês pensasse que os pneus de Senna estavam já em muito mal estado, como ele pretendia, e não lhe permitiriam nenhuma veleidade, mas se enganou, e o brasileiro se lança decidido em busca da curva.
Prost se enganou mesmo, pois Senna foi capaz de se emparelhar com o francês, manter o carro controlado e com a curva já ao seu alcance, Prost, numa súbita e inesperada manobra, gira o volante para a direita e, ainda que Senna, instintivamente, tenta evitar a choque desviando-se também para a direita ao ver a movimento de Prost, mas nesse momento a colisão já é o único desfecho possível à situação criada pelo francês.
Como no caso de Max, Prost não tinha incentivos para evitar a colisão, pois esta lhe beneficiava e com os dois fora do páreo, ele era o campeão. A manobra não deixava nenhuma dúvida respeito ao propósito de Prost, pois inclusive com os carros enganchados, em nenhum momento gira o volante tratando de se desenganchar. Porem, mesmo sendo compreensível o objetivo do francês, este ainda tinha outra oportunidade para defender a sua vantagem na classificação, pois mesmo com a provável vitória de Senna, o brasileiro continuava precisando vencer também em Austrália.
O que veio depois já entrava no terreno da política e fica fora do âmbito desta modesta análise.
Na próxima coluna vamos concluir essa história
Até lá
Manuel Blanco
1 Comments
Manuel,
vc lembrou de 2021 o embate entre Max e Hamilton … veja os precedentes que Prost e Senna abriram no decorrer das temporadas seguintes na Formula 1. Anti esportividade sem castigo …
estou adorando ler a Palmada que não veio
Fernando Marques
Niterói RJ